“Bebemos água do poço com barro”, diz amapaense que teve casa alagada
Maria José Araújo Nunes, 31, relata que a falta de energia virou um “problema pequeno” diante de enchente causada por forte chuva
atualizado
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Enviados especiais a Macapá (AP) – Não bastasse a tragédia já imposta pelo apagão no Amapá há pouco mais de uma semana, moradores da Região Metropolitana de Macapá tiveram de lidar com uma situação ainda mais caótica: suas casas foram alvo de uma enchente dois dias após o incêndio na subestação de energia do estado que deixou amapaenses no escuro.
Moradores relataram ainda que tiveram que beber água de poço com barro, pois não tinham onde comprar.
“A gente não tinha mais onde comprar e acabamos bebendo água do poço que estava cheia de barro. Minha filha mais nova está febril desde então, mas a gente não tinha o que fazer”, lamentou a amapaense Maria José Araújo Nunes, 31, que também teve a casa alagada na última quinta-feira (5/11).
O relógio marcava 16h quando Maria José chegava do trabalho e presenciou uma cena que, segundo ela, jamais irá esquecer.
“O portão estava caído, o muro aqui do lado caiu. Era muita água, muita lama. A água ficou a mais de meio metro de altura. A princípio, eu juro que eu pensei que tinha perdido um dos meus filhos. Era um cenário horrível”, relata.
Quem estava com os filhos, Emanuelly, 4, e Willian, 10, que é autista, era a babá, Tereza, 19. Ela explica que eles estavam merendando na sala quando tudo aconteceu.
“Estava chovendo muito e ouvimos um barulho muito forte. Era o portão que tinha caído e a água estava vindo com tudo. Na hora eu não pensei muito, só peguei a Manu, coloquei ela no meu pescoço e a gente correu. Quando a gente saiu, a água já estava na cintura”, afirma a jovem, que foi socorrida pelos vizinhos.
Veja imagens:
De acordo com moradores da região, a enchente ocorreu devido ao fechamento de uma manilha que drena a água da chuva e que foi tampada em meio à obra de duplicação da rodovia Duca Serra, que liga a região metropolitana ao centro da capital.
Perdas materiais
Operadora de caixa, Maria José detalha as perdas materiais sofridas em meio ao apagão, entre elas, o laudo que atestava que o filho, Willian, era autista e precisa de medicamentos e cuidados especiais.
“Essa foi a parte que me doeu mais, porque foi uma luta de nove anos e, agora, para conseguir de novo, vai ser outra luta”, afirma a moradora, que ainda perdeu vários documentos, como certidões de nascimento e de casamento e, até mesmo, sua monografia da faculdade de pedagogia, a ser concluída em dezembro deste ano. “Perdi meu TCC, ele estava encadernado, bonitinho, não sei onde, na lama, ele foi parar”, lamenta.
Maria José conta ainda que, quando encontrou os filhos na casa dos vizinhos, todos se abraçaram e começaram a chorar. “O engraçado é que minha filha tem 4 anos e ela tentava me acalmar. Ela dizia: ‘Ei, mãe, calma, mãe, não chora. Vou te dar uma casa nova”.
Início do apagão
Há uma semana, enquanto ocorria uma forte tempestade em Macapá, uma explosão seguida de incêndio atingiu os três únicos geradores de energia de uma subestação da zona norte.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, as causas do incêndio ainda são desconhecidas. Uma investigação foi aberta para apurar a responsabilidade.
O fogo danificou um transformador e atingiu os outros dois — um deles já estava inoperante por causa de uma manutenção realizada desde dezembro de 2019.
De acordo com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que esteve no Amapá para monitorar de perto a situação, até o fim desta semana a energia do Amapá deve ser restabelecida totalmente.
Rodízio de luz
Atualmente, as cidades têm fornecimento de energia parcial, em esquema de rodízio, de seis em seis horas.
Enquanto isso, a Justiça Federal no estado determinou na noite de sábado que a solução completa para a falta de energia ocorra em até três dias a partir da intimação, sob pena de multa de R$ 15 milhões para Isolux — companhia responsável pela subestação atingida pelo incêndio.