Avó luta para Estado se responsabilizar por bala que matou sua neta
A neta de Valdira Valadares foi vítima de bala perdida há dois anos. Até hoje, não foi apontado um culpado pela morte da menina
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – Valdira Valadares perdeu a neta, Hillary Souza Valadares, há mais de dois anos. Desde a morte da menina ela trava uma luta incansável para criminalizar o homem que foi o responsável por disparar a bala que se perdeu e atingiu a cabeça da criança, na noite do dia 12 de fevereiro de 2019, em Peruíbe, região litorânea de São Paulo.
Hillary estava com a família no carro. O pai da menina, Felipe Valadares da Silva, estacionou o veículo para fazer uma anotação. Próximo deles, um PM à paisana perseguia com seu carro dois assaltantes.
Na troca de tiros, uma das balas atravessou o para-brisa do veículo da família e acertou a menina de apenas 2 anos. Até hoje, não foi apontado o culpado pela morte da garota.
“Estamos numa dor imensurável, que é agudizada pela demora, pela falta de acusação, pela falta de condenação. Neste caso, só foi condenada minha neta e a sua família. Uma neta que teve o olho arrancado por uma bala, saída do revólver de um assassino, imprudente e inconsequente”, diz Valdira em uma carta endereçada ao Ministério Público de SP, à qual o Metrópoles teve acesso.
“Dor que aumenta pela falta de uma menina dócil que estava aprendendo a falar. Quanta coisa nos foi tirada”, completa.
O caso chegou a ser arquivado em 2020, a pedido do promotor Daniel Gustavo Costa Martori . Ele alegou que a morte de um dos assaltantes e a fuga do outro impediam a ação penal. Quanto ao policial, Martori disse, na ocasião, que se a bala tivesse partido do PM, teria sido em legítima defesa.
Valdira não aceitou o veredicto e contratou uma perícia particular. Por meio dela, conseguiu desarquivar o processo. O laudo independente apontou que a munição que atingiu Hillary partiu da arma do policial. Com isso, a Justiça determinou que o Estado analisasse o documento para constatar os apontamentos apresentados nele.
O prazo era de 30 dias, a partir de novembro de 2020, mas a resposta veio somente em abril deste ano.
O parecer do Estado foi contrário ao laudo particular, sob a alegação de que algumas imagens e conclusões apresentadas pela perícia privada não permitiram checar a informação de que a bala teria partido da arma do policial. O Estado concluiu seu parecer solicitando ajustes no material utilizado pelos peritos, para realizar uma “avaliação conclusiva”.
Os peritos contratados pela família, Francisco Martori Sobrinho e Cely Veloso Fontes Martori, refutaram o laudo pericial apresentado pelo Estado.
Em uma análise crítica protocolada à Justiça pelo advogado da família, Ricardo Ponzetto, os peritos afirmam que foi realizado “um estudo cuidadoso não só dos autos, mas também dos laudos pericias até então apresentados, bem como e, principalmente, da gravação realizada por sistema de monitoramento mediante análise ‘frame a frame’ do arquivo digital obtido da câmera de segurança”.
“O Estado mata a gente aos poucos. A gente mostrou a verdade. Ele [o perito] mostrou o caminho da bala até a cabeça dela, provou que foi o policial que matou. E mesmo assim fica desse jeito. Eu só não fiz uma greve de fome porque meu médico pediu que eu tivesse calma”, afirma Valdira.
“Para mim, essa é a única solução: colocar uma cadeira em frente ao fórum com os nomes dos promotores, da juíza e o da minha neta escritos em uma placa e ficar lá esperando que façam algo”, idealiza a avó de Hillary.
Dor latente
Valdira quis poupar os pais da menina da entrevista. Ela explicou que a nora e o filho encontraram na religião uma forma de aquietar a alma, mas que a dor deles ainda segue latente. “Quando a gente começa a falar desse assunto perto do meu filho, ele entra em desespero emocional. Então eu decidi junto com a minha nora que ele só vai participar quando estiver melhor. Ele não consegue nem conversar com os advogados”, explicou.
Com a decisão contrária, Valdira foi à luta. “Quem briga sou eu, porque é uma questão moral para mim. Eu não tenho mais a minha netinha para abraçar, ela foi assassinada, tiraram o olhinho dela numa bala. Continuamos sangrando com este movimento em relação ao assassinato da minha neta”, lamenta.
Na Justiça Comum
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou “que o exame pericial complementar solicitado pela Justiça foi realizado pelo Instituto de Criminalística (IC) e o laudo, enviado ao Poder Judiciário em 29 de abril de 2021. O Inquérito Policial Militar (IPM) do caso foi concluído e encaminhado à Justiça Comum, não retornando até o momento para novas providências”.
Contudo, questionado sobre o andamento do processo, o Tribunal de Justiça de São Paulo alegou que “não tem acesso às peças do processo” por se tratar de um inquérito em fase de investigações.