Atual presidente da Palmares critica antecessor: “Inação”
O presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Rodrigues, acredita que o bolsonarista Sérgio Camargo “fez mal ao Brasil”
atualizado
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O presidente da Fundação Cultural Palmares, o escritor, produtor cultural e advogado João Jorge Rodrigues, criticou a “inação” da gestão anterior, quando o órgão era chefiado pelo jornalista Sérgio Camargo, conhecido por ser um dos representantes mais polêmicos do governo de Jair Bolsonaro (PL) e crítico duro do movimento negro, o qual julga ser “escravo da esquerda” e “escória maldita”.
Em entrevista exclusiva ao Metrópoles, Rodrigues condenou os ataques sistemáticos do ex-presidente da Palmares contra a luta por igualdade, ao movimento negro, às pessoas do movimento negro e às datas comemorativas. Durante sua gestão, Camargo chegou a dizer que o Dia da Consciência Negra deveria se chamar “Dia da Vitimização do Negro”.
“Não há dúvida que existe racismo no Brasil. O racismo é mundial. Não há porque uma pessoa negra passar a maior parte do tempo dizendo que não tem racismo, que a população negra é culpada e que os heróis da população negra são justamente os algozes”, criticou Rodrigues em relação às falas do ex-presidente da instituição.
À frente da Palmares, Camargo comumente deu declarações racistas e também foi responsável por tentar alterar o acervo da Fundação, retirar figuras importantes da história da luta negra, assim como sugerir a mudança de nome do órgão para Princesa Isabel.
Rodrigues avalia que essas ações eram, para o governo federal anterior, um sinal de que a Palmares “desapareceria”. “E desaparecendo, os interesses da memória e da preservação da cultura dos afrobrasileiros não teriam propriedade para existir”, afirmou.
Para o atual gestor, o ex-presidente Sérgio Camargo “fez mal ao Brasil, a ele mesmo, à história da família dele”. “Foi uma coisa tão escandalosa do ponto de vista da Palmares, da função dela na sociedade e do cargo que ele [Camargo] ocupou. Nada justifica”, expôs.
“Não tem muito o que falar, porque isso é só promover [a pessoa]. E não é para promover, é para dizer ‘fique aí’ que a história vai passar e está passando positivamente. A Palmares está positivamente se reinserindo no Brasil, ela nunca saiu, mas ficou meio esquecida pela inação do seu gestor anterior”, prosseguiu Rodrigues.
Segundo ele, a Palmares não pode “perder tempo” discursando contra pessoas e governos, em especial a gestão anterior do órgão: “A Palmares tem que agir em prol da população negra. Desses oito meses, desde que assumi, de forma alguma falei contra gestores anteriores. Pelo contrário: me preocupei em botar a Palmares para andar”.
E para “botar a Palmares para andar”, uma série de medidas tomadas por Camargo – nitidamente contrárias ao movimento negro – foi revogada, além da implementação de ações pela gestão atual:
- Reestruturação da identidade visual, com a volta do machado de Xangô como logomarca do órgão
- Recolocação de personagens negros que foram retirados do site da instituição
- Organização e preservação do acervo da Biblioteca Oliveira Silveira
- Planejamento de transferência da sede para o Setor de Autarquias Sul, em Brasília, Distrito Federal
- Visita a quilombos: Kalunga, em Goiás, e a Serra da Barriga (região do Quilombo dos Palmares), em Alagoas
- Viagens à África e fortalecimento de relação com o Itamaraty
- Conversas com a comunidade negra e quilombola dos estados do Maranhão, da Bahia, do Rio de Janeiro e de São Paulo
- Lançamento de editais com recursos
- Mudança de nome de edital: de Princesa Isabel (gestão de Camargo) para Honório Garcia
“A Palmares atual fala a favor da população negra, de mais políticas públicas da nossa comunidade para conseguir emprego, moradia, segurança, uma série de coisas que a população negra também precisa”, diz o presidente.
Rodrigues ressaltou que, “aos poucos”, a presença da fundação nesse debate e luta por direitos está “ajudando a democracia”: “A população negra não pode viver fora da democracia”.
Processos contra Camargo
João Jorge Rodrigues revelou que chegou à Palmares e observou funcionários “abalados” devido aos ataques passados, numa referência às acusações de assédio moral contra Sérgio Camargo.
No ano passado, Camargo recebeu a punição máxima da Comissão de Ética Pública da Presidência da República pela prática de assédio moral, discriminação às religiões e às lideranças religiosas africanas, além de supostas manifestações indevidas em postagens no X (antigo Twitter).
“Vai ter na realidade uma ação reversa. Vários processos contra ele vieram contra a Palmares”, relatou. Caso a organização seja condenada, de acordo com Rodrigues, a ação será encaminhada contra Camargo, porque os crimes foram cometidos quando ele ocupava o cargo de gestor da instituição.
“Então, a Palmares está se defendendo por enquanto. Temos feito acordos com os processos que vieram contra pelas falas e exposições da gestão passada”, contou. “O primeiro processo que a gente, mesmo defendendo a Palmares, vier a ser condenado, vamos remeter juridicamente contra ele”, explicou.
Símbolo da comunidade negra
Rodrigues destacou que a equipe atual começou a reorganizar a casa pelo “orgulho, pela identidade e pela dignidade”. Por meio de conversas, o presidente da fundação combinou que, no momento, o principal objetivo é recuperar o moral da organização: “A gente está em um momento diferente. Além de uma pessoa diferente, tem uma equipe diferente”.
A Palmares voltou
João Jorge Rodrigues, um dos fundadores do Olodum, é mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB) e produtor cultural. Ele tem uma trilha importante no movimento negro, com mais de 50 anos de atuação na Fundação Cultutal Palmares e no estado da Bahia.
“A Palmares voltou. Está de volta junto com o Ministério da Cultura do governo Lula, e sob a direção de alguém que está na militância negra há 52 anos [em referência a sua própria trajetória]”.
Para Rodrigues, as medidas e revogações modificam “totalmente o panorama do órgão”: “Nos anos anteriores e recentemente, a Palmares ficou muito especializada em atacar a população negra, dizer que não existia racismo e promover outros nomes”.
Machado de Xangô
Em dezembro de 2021, Sérgio Camargo anunciou a mudança da logomarca da instituição para uma nova, “inspirada nas cores da bandeira do Brasil”. Quase dois anos depois, o machado de Xangô foi reincorporado à identidade visual da Palmares.
Rodrigues afirma que a volta do machado “agilizou o ambiente de justiça, paz e igualdade” e também ajuda na recepção de pessoas na sede por ser uma “atração para foto”: “Além da retomada, é um plano espiritual de coletividade e de fazer justiça. Esse conjunto de medidas coloca as coisas no devido lugar dentro e fora da Palmares”.
“Às vezes, a gestão abandona o patrimônio desta fundação, abandona as relações que ela tem e abandona ainda a possibilidade de ajudar aqueles para qual a fundação foi criada”, concluiu o presidente da Palmares.