Ato na USP: Bolsonaro é criticado por “ataques infundados” às eleições
Carta em defesa da democracia, elaborada por acadêmicos da USP, foi apresentada em ato público na Faculdade de Direito da universidade
atualizado
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São Paulo – Uma segunda carta em defesa da democracia, desta vez elaborada por acadêmicos da Universidade de São Paulo, foi apresentada no início da tarde desta quinta-feira (11/8) em ato organizado na Faculdade de Direito da USP, na capital paulista. A manifestação mobilizou uma multidão no centro da cidade e terminou em coro contra o presidente Jair Bolsonaro.
Carta pela democracia é lida em ato na USP
O documento não menciona o nome do presidente Bolsonaro, mas faz críticas diretas à conduta do chefe de Estado brasileiro, com referências, por exemplo, às críticas feitas por ele ao processo eleitoral do país.
“Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”, diz a carta da USP, lida em conjunto por integrantes da universidade.
O evento contou com a participação de estudantes, intelectuais, economistas, empresários e sindicalistas. Entre eles estavam o candidato do PT ao governo do estado de São Paulo, Fernando Haddad, o ex-senador Aloysio Nunes, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina.
Ao longo do ato, os discursos recordaram a violência da ditadura no Brasil e defenderam o Estado Democrático de Direito, assim como a autonomia dos três poderes: Legislativo, Judiciário e Executivo.
“Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional”.
Carta de entidades
Na mesma manifestação, houve também a leitura da carta em defesa da democracia assinada por mais de 100 entidades, entre elas a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
“Não podemos admitir que um presidente da República não respeite a Constituição que ele jurou respeitar”, disse Miguel Torres, presidente da Força Sindical. “Não é um ato simbólico, é um ato concreto em defesa da democracia”, continuou o sindicalista.
Reação do público
A carta da USP foi lida por três professoras da universidade: Eunice Aparecida de Jesus Prudente, Maria Paula Dallari Bucci e Ana Bechara; e contou ainda com a participação do advogado Flávio Bierrenbach.
Durante a leitura da carta, no Pátio Arcadas da Faculdade de Direito, a multidão presente gritou em coro “Fora, Bolsonaro” e “Ditadura nunca mais”. O público também se manifestou a favor do ex-presidente Lula, cantando o jingle de campanha do candidato do PT à Presidência .
Leia a íntegra da carta da USP:
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!!!!