Ato a favor da tortura vira caso de polícia na antiga capital de Goiás
“Deus perdoe os torturadores”, dizia faixa segurada por pessoas vestindo roupas semelhantes às do movimento supremacista Ku Klux Klan
atualizado
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Goiânia – A Polícia Civil da cidade de Goiás, antiga capital do estado, localizada a 141 quilômetros de Goiânia, busca os responsáveis por ato favorável à tortura realizado no sábado (1º/5) e que gerou revolta e polêmica na cidade.
Duas pessoas vestidas de branco, com máscaras semelhantes ao do movimento supremacista Ku Klux Klan foram registradas em diferentes locais do município segurando uma faixa amarela com a seguinte frase: “Deus perdoe os torturadores”.
Logo abaixo, um cartaz branco, colado à faixa, dizia: “Nosso Brasil pertence ao senhor Jesus. Direita com Bolsonaro”. O ato ocorreu no mesmo dia em que houve uma carreata na cidade favorável ao presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) e uma série de manifestações em várias cidades do país.
A prefeitura e organizações culturais do município repudiaram o ato. Nesta segunda-feira (3/5), a Organização Vilaboense de Artes e Tradições (Ovat) comunicou o fato à polícia, que deu início às diligências para identificar os responsáveis.
Em nota, a prefeitura destacou o caráter criminoso da manifestação e citou o artigo 287 do Código Penal, que criminaliza a apologia de fatos criminosos ou de autores de crimes, com pena prevista de três a seis meses de detenção ou multa.
O Metrópoles entrou em contato com a delegacia da Polícia Civil da cidade e foi informado de que a delegada estava na rua, em busca de informações e filmagens nos locais por onde o ato passou, visando a identificação dos responsáveis.
Uma das fotos foi feita em frente à igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, símbolo da resistência da comunidade negra local. Ela foi construída pelos pretos da cidade que não podiam frequentar a catedral.
Alusão à principal festividade religiosa da cidade
As vestes utilizadas, apesar de semelhantes às do movimento extremista e supremacista branco Ku Klux Klan, lembram também as roupas que são utilizadas pelos integrantes da Procissão do Fogaréu, um dos principais eventos culturais e religiosos da cidade.
Os homens encapuzados, chamados de farricocos, encenam todos os anos, durante a Semana Santa, a perseguição e prisão de Jesus Cristo. Eles representam os soldados romanos e andam descalços pelas ruas da cidade, segurando tochas de fogo e dramatizando o ato que atrai milhares de turistas de todo o Brasil.
“A utilização de um símbolo da tradição religiosa e cultural da Cidade de Goiás, o farricoco da procissão do Fogaréu, para fazer apologia a tortura e a ditadura militar, é não somente uma afronta a sociedade vilaboense e a fé de nosso povo, mas configura crime”, destacou a prefeitura na nota divulgada.
A Ovat é a instituição mantenedora e organizadora da Procissão do Fogaréu. O presidente Rodrigo Passarinho fez questão de frisar ao Metrópoles a posição contrária a tudo que representa o ato favorável à tortura, realizado no sábado.
“Nós, enquanto instituição, somos contra qualquer ato do tipo. Trabalhamos os direitos humanos e a harmonia entre as religiões. A Ovat é contra a incitação à ditadura, à intolerância religiosa, preconceitos, silenciamento, tortura, violência e quaisquer que sejam os atos que estimulem a violação dos direitos”, diz ele.
Passarinho comunicará o fato ao Ministério Público de Goiás (MPGO) na tarde desta segunda-feira. Ele avalia o ato como um desserviço, que mancha a imagem cultural da cidade e que contraria tudo que é defendido e foi construído pela Procissão do Fogaréu.
Diferenças
As semelhanças entre as roupas existem, mas há também diferenças. As roupas dos farricocos não são, necessariamente, brancas. Elas são coloridas. Além disso, eles utilizam faixas nas cinturas, o que não aparece na veste utilizada por quem fez o ato favorável à tortura.
Ainda não se sabe de onde partiu. Rodrigo Passarinho prefere não fazer relação com a carreata pró-Bolsonaro, ocorrida instantes antes. Ele diz que vai aguardar a investigação da polícia para que a autoria seja desvendada, mas reforça que os integrantes da Procissão do Fogaréu não têm relação com o ato.
A prefeitura considerou que a manifestação extrapolou a normalidade democrática. “Celebrar a tortura em frente ao Convento Dominicano, congregação que teve membros perseguidos e torturados é cruel. Do mesmo modo, fazer alusão a grupos supremacistas e ao racismo é atacar os Direitos Humanos conquistados a duras penas no Brasil”, diz o texto da nota divulgada.