Ativista contra feminicídio pede mudanças na Lei Maria da Penha
No Brasil, 722 mulheres foram vítimas de feminicídio no 1º semestre de 2023, um crescimento de 2,6% se comparado com o mesmo período em 2022
atualizado
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A violência doméstica é um problema estrutural da sociedade, tanto brasileira quanto mundial. Todos os dias, mulheres são violentadas por parentes, amigos e desconhecidos, boa parte das vezes dentro da própria casa.
No Brasil, 722 mulheres foram vítimas de feminicídio no primeiro semestre de 2023 — representando um crescimento de 2,6% em comparação com o mesmo período do ano anterior, quando 704 mulheres foram assassinadas —, de acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado em 14 de novembro do ano passado.
A Região Sudeste liderou o triste ranking no período, com 273 casos. Foi seguida por Nordeste (187 casos), Sul (112 casos), Centro-Oeste (81 casos) e Norte (69 casos). O destaque negativo vai para São Paulo e Minas Gerais, respectivamente, com 111 e 91 mulheres assassinadas.
Confira o estudo na íntegra aqui.
Ativista quer mudar cenário de feminicídio
Em 2024, apenas em sete dias, foram registrados três casos de feminicídio no Distrito Federal. Na última quarta-feira (17/1), Antônia Maria da Silva foi morta na quitinete onde morava com o filho de 3 anos e o companheiro, Francisco Farias da Silva, suspeito de cometer o crime. A vítima recebeu ao menos duas facadas: uma no pescoço e outra no peito.
Militando para frear o aumento dos casos de violência contra a mulher, Barbara Penna, ativista e sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, desenvolveu propostas para alterar, em âmbito nacional, a Lei Maria da Penha.
Em uma página na internet, a ativista estipulou a marca de 1 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado, onde estão elencadas todas as alterações propostas para a lei (confira todos os tópicos abaixo).
Dentre elas, está a retirada do endereço da vítima do boletim de ocorrência contra a violência doméstica, a obrigatoriedade de psicólogos em delegacias, indenização à mulher violentada, além da exigência do uso de tornozeleira eletrônica para acusados.
Segundo a advogada especializada em direito das famílias Patrícia Guimarães, antes de tudo o abaixo-assinado precisa atingir a meta de assinaturas para, com apoio de algum parlamentar, em especial uma mulher, fazer a pauta andar no Congresso Nacional.
Ela destaca que algumas das medidas propostas pela ativista já são “abraçadas” por uma parte dos estados, como a cobrança de indenização no Distrito Federal, instituída pela Lei Lei 7.264/2023, e a Casa da Mulher Brasileira, do Ministério das Mulheres.
Atualmente, há no Brasil oito Casas da Mulher Brasileira em atividade, distribuídas em Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Ceilândia (DF), Curitiba (PR), São Luís (MA), Boa Vista (RR), São Paulo (SP) e Salvador (BA), sendo a última inaugurada em dezembro.
Procurado pelo Metrópoles, a pasta das Mulheres afirmou que para 2024 estão previstas novas unidades em Ananindeua (PA), Teresina (PI), Palmas (TO) e Macapá (AP). De janeiro a outubro de 2023, as sete casas em operação assistiram 157.981 mulheres.
Alterações na Lei Maria da Penha são viáveis, diz ativista
Para a advogada Patrícia Guimarães, seria necessário exemplificar ações em vigor ao redor do país, seja no âmbito estadual ou municipal, e dar mais força aos tópicos do projeto de lei. Ela afirma que as propostas são “plausíveis e deveriam ser aplicadas”, principalmente, a presença de um funcionário especializado em psicologia nas delegacias.
Em resumo, a advogada acredita que, antes de se discutir a temática no Congresso, precisaria alinhar as demandas presentes no projeto à realidade brasileira. Ainda de acordo com a análise dela, no geral, o texto “está bem colocado” e “fortalecido”.
Além disso, Guimarães ressalta que, como de praxe, todos as alterações propostas não seriam aprovadas, ainda mais, com a ínfima representatividade de mulheres nas bancadas da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal (STF), que contam com, respectivamente, 90 deputadas, 15 senadoras e uma ministra.
Para a especialista em direito das famílias, a proposta mais difícil de implementação seria a criação de presídios especificamente destinados a agressores. Isso porque o Brasil já está imerso em problemas como a superlotação em cadeias.
Na mesma linha, Eduardo Felype Moraes, advogado especializado em questões de violência de gênero, afirma que essas mudanças são “totalmente viáveis” e trazem “segurança para a vítima”.
Moraes reforça que todas as leis precisam passar por alguma atualização “em decorrência dos fatos sociais, que mudam muito rápido”. Na análise do advogado, a Lei Maria da Penha necessita ser atualizada em relação a sanções mais severas para o autor do crime, efetivação de medidas protetivas, entre outras.
Propostas da ativista para mudanças na Lei Maria da Penha:
- Retirar do boletim de ocorrência o endereço da vítima;
- Tornar obrigatória a presença de psicólogos em delegacias para atendimento e investigação de falsas denúncias;
- Construir Casas da Mulher Brasileira, espaço destinado ao atendimento da mulher, em cada unidade federativa
- Exigir o uso de tornozeleira eletrônica para acusados de violência doméstica, junto com a medida protetiva
- Responsabilizar por cumplicidade de ato infracional ou omissão de socorro cidadãos que presenciarem uma agressão contra a mulher e não denunciar ou prestar socorro
- Criar do aplicativo nacional “Casa Mulher Brasileira” para facilitar o atendimento após a denúncia na delegacia
- Fornecer indenização à vítima por parte do réu agressor
- Proibir a retirada da medida de proteção de urgência enquanto está em vigor
- Fundar um presídio especial para agressores detidos de forma temporária, preventiva, em flagrante, entre outros
- Reeducar os agressores nas unidades prisionais específicas
- Penalizar denúncias falsas feitas por mulheres
- Implementar o debate da temática nas escolas públicas
- Aumentar a abordagem sobre o tema e propagandas para a conscientização das pessoas
Caso Barbara Penna
Em novembro de 2013, a goiana Barbara Penna perdeu os dois filhos, uma menina de 2 anos e um bebê de três meses, por intoxicação devido à fumaça de um incêndio, provocado durante uma tentativa de feminicídio, na qual o autor era João Moojen Neto, ex-namorado e pai das crianças.
À época, o ex-companheiro espancou, ateou fogo e empurrou Penna da janela do terceiro andar do prédio onde vivia com os filhos. Ela teve 40% do corpo queimado e diversas fraturas.
Segundo relatos da própria vítima, a motivação do crime foi que Neto não teria aceitado o fim do relacionamento e a independência financeira da ex-namorada. Além das crianças, um idoso morreu devido ao incêndio causado pelo agressor de Penna.
Depois de passar por uma experiência traumática e trágica, Barbara Penna se candidatou, nas eleições de 2022, como deputada estadual pelo partido União Brasil no Rio Grande do Sul. No entanto, ela não conseguiu ser eleita.
Atualmente, ela atua como ativista contra o feminicídio e a violência contra a mulher. Além disso, Penna palestra sobre o tema e aconselha outras vítimas no perfil nas redes sociais.