Ataque de Bolsonaro às urnas ganha eco só entre aliados radicais
Diplomatas, entidades da sociedade civil, autoridades de outros Poderes e até aliados do presidente reprovam discurso contra eleições
atualizado
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiu unir amplos setores da sociedade contra suas críticas ao sistema eleitoral brasileiro. Além dos opositores, diversas entidades, as embaixadas dos Estados Unidos e do Reino Unido, e até o procurador-geral da República, Augusto Aras, defenderam a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Aliados políticos do presidente se calaram e, nos bastidores, consideraram a reunião com embaixadores um tiro no pé. Bolsonaro só encontrou apoio aos seus ataques entre aliados mais radicalizados nas redes sociais.
E mesmo no ambiente digital bolsonarista, a reação foi morna. Afinal, o presidente não trouxe novidades no evento da última segunda-feira (18/7), apenas denúncias requentadas e já desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e por especialistas independentes. Além disso, os seguidores do escrito Olavo de Carvalho (1947-2022), que foram defensores inflamados da já vencida campanha pelo voto impresso, estão com a relação estremecida com Bolsonaro, a quem acusam de ter se vendido ao sistema e ao Centrão.
O ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, por exemplo, reagiu ao encontro com Bolsonaro avaliando que o presidente “ensaiou o discurso da derrota” na eleição e aparentou estar sem energia: “pipi mole total“.
Aliados próximos do presidente que são pré-candidatos e esperam registrar seus nomes nas urnas eletrônicas em outubro, como o ex-ministro Tarcísio Freitas (Republicanos) e a deputada federal Carla Zambelli (PL) também não engajaram nas redes a mais recente ofensiva de Bolsonaro e mesmo seu partido, o PL, ignorou o assunto.
Nem o corpo diplomático se animou muito. Levantamento do Metrópoles mostrou que representantes de apenas três dos 10 países que mais importam produtos do Brasil estiveram presentes na reunião: Estados Unidos, Holanda e a Espanha.
O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP, só falou no assunto quando provocado, em entrevista ao SBT na última quinta (21/7), e ainda disse confiar nas urnas. “Mas é um direito do presidente fazer essas manifestações”, avaliou.
De apoio aberto mesmo, só o de influenciadores digitais. “Por que a esquerda defende, com uma unhas e dentes um sistema claramente ultrapassado, e operou com todos os seus aparelhos para barrar medidas que trariam mais segurança, como o registro físico de voto?”, questionou, no último dia 21, o bolsonarista Leandro Ruschel, no Twitter.
E mesmo quem mobiliza seus seguidores contra o sistema eleitoral viu erros no evento de Bolsonaro com os diplomatas. “Briefing! É Briefing, caralho! Esses vagabundos da SECOM não têm a merda de um revisor? Como deixam o Presidente da República ir para uma reunião com 40 embaixadores levando uma apresentação com erro grosseiro já no título?”, questionou Silvio Grimaldo, editor do site Brasil sem Medo. Na apresentação, a palavra “briefing”, que significa reunião para passar informações, apareceu grafada erroneamente com um “n” a mais: brienfing.
Veja mais reações da militância bolsonarista nas redes:
Críticas que doem
Sem contar nem mesmo com a maioria de seus aliados, Bolsonaro tem lidado com as críticas desde que apresentou aos diplomatas seus ataques ao sistema eleitoral. A reportagem apurou que uma das manifestações que mais doeram no núcleo duro do bolsonarismo foi a da União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que emitiu manifesto em defesa do processo eleitoral brasileiro na quarta passada (20/7), lembrando que “não há qualquer registro de fraude nas urnas eletrônicas desde a implantação do atual sistema”.
Na última sexta-feira o presidente se manifestou pela primeira vez sobre essas críticas ao conversar com jornalistas, mas preferiu se desvencilhar delas a responder objetivamente. Sobre a manifestação de Augusto Aras, que divulgou vídeo dizendo não aceitar alegação de fraude, Bolsonaro disse apenas que não havia visto. Sobre as manifestações das embaixadas do Reino Unido e dos EUA, preferiu desqualificar a fonte: “Tem embaixador americano no Brasil? Responda aí. Então, você não pode falar em Embaixada”, disparou ele.
O Brasil não tem embaixador na embaixada dos EUA desde o ano passado mas, além do órgão, que representa o país independente de ter ou não um embaixador nomeado, o porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, equivalente ao Itamaraty, repetiu a jornalistas o posicionamento.
“Eleições vêm sendo conduzidas pelo sistema eleitoral brasileiro, capacitado e já testado, e pelas instituições democráticas com sucesso por muitos anos. Então, [o Brasil] é um modelo para nações deste hemisfério e além”, disse Ned Price, nos EUA.
Parte de um plano maior
Entre os aliados de Bolsonaro, a principal reclamação sobre a reunião com os embaixadores é que o evento não teve potencial de ganhar votos para o presidente, que segue atrás do petista Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas. Para a cientista política Maria Carolina Lopes, no entanto, o objetivo de Bolsonaro ao chamar os diplomatas não foi eleitoral, mas de fortalecimento de um plano.
“Serviu apenas como mais uma tentativa de continuar alimentando seu eleitorado mais fiel com teorias da conspiração que servem para mantê-lo com sua margem”, afirma ela, que é mestra em Ciência Política pela UnB e doutoranda e pesquisadora em comunicação digital pela Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona.
“Por um lado, pode dar certo com os eleitores mais radicais. Por outro lado, mostra que até Bolsonaro vem acreditando que essa via é a única esperança. Mostra que, internamente, eles já estão percebendo que podem não ganhar as eleições”, conclui a pesquisadora.
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