Aprovada distribuição de remédios à base de maconha em Goiânia
Câmara de Vereadores derrubou veto do Executivo e aprovou distribuição gratuita de remédios na rede pública; texto será promulgado
atualizado
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Goiânia – A Câmara Municipal de Goiânia derrubou, no último dia 7/4, o veto do Executivo municipal sobre o projeto que propõe uma política municipal para o uso e distribuição gratuita de medicamentos à base da cannabis. O veto foi rejeitado por unanimidade, com 22 votos.
Com isso, a Câmara promulgará a lei que autoriza a distribuição dos remédios na rede pública. Caso a prefeitura de Goiânia não concorde com a nova legislação promulgada, ela pode entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Caso concorde, precisa ser regulamentada a aplicação do texto legal. A conferir.
Os medicamentos à base de maconha são prescritos para pessoas com neuropatias, dores crônicas e diversas outras doenças. Eles se aplicam a questões como autismo, epilepsia, TDAH, TOC, síndrome de Tourette, Alzheimer, Parkinsson, fibromialgia, insônia e dependentes químicos de cocaína e crack, por exemplo. Conforme especialistas, há melhora significativa no quadro dos pacientes.
O Projeto de Lei 414/2019, já havia sido aprovado em outubro de 2020, no entanto foi vetado pelo ex-prefeito Iris Rezende, com o argumento de que a proposta invadia a competência do Executivo. Porém, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e o plenário da Câmara discordaram e decidiram por derrubar o veto.
A proposta do vereador Lucas Kitão (PSL), prevê o uso da cannabis para fins medicinais e a distribuição gratuita de medicamentos prescritos à base da planta inteira ou isolada, que contenha em sua fórmula as substâncias Canabidiol (CBD) e/ou Tetahidrocanabidiol (THC). Os medicamentos ficariam disponíveis nas unidades de saúde pública municipal, privada ou conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS) no âmbito do município de Goiânia.
Cannabis é um gênero de plantas que tem em sua família espécies como a maconha e o cânhamo. A maconha ainda é considerada uma droga ilícita no Brasil, pelo teor de THC, visto como o elemento psicoativo da planta. Contudo, são muitos os estudos científicos que comprovam a eficácia da substância no tratamento de diversas doenças.
Expectativa
De acordo com o vereador propositor da lei, Lucas Kitão (PSL), os fundamentos utilizados pela gestão municipal para o veto do projeto eram frágeis. Segundo ele, tudo o que consta na proposta é constitucional, além do direito dos pacientes de escolherem seus próprios tratamentos.
Segundo o vereador, a ideia do projeto foi muito bem trabalhada. “Fizemos mais de 20 audiências públicas sobre o tema, recomeçamos a mobilização para a derrubada do veto, trouxemos pacientes, as associações e, pela importância, concluímos essa etapa com uma votação significativa”, disse ele.
“Agora, ficou a mensagem de que a Câmara está alinhada com a sociedade. Goiânia merece esse tratamento inovador para as famílias de baixa renda”, declarou Kitão.
Segundo o parlamentar, a própria Câmara Municipal publicará a lei, ou seja, irá promulgar. Kitão afirmou que vai conversar com o prefeito de Goiânia, Rogério Cruz (Republicanos), sobre o tema. Segundo ele, a ideia é implementar uma política pública pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
“Vamos buscar o diálogo com o prefeito, para que a política pública seja implementada dando condição para quem precisa desses medicamentos, oriundos da cannabis terapêutica, possam ter acesso pela farmácia do município. Com a definição das responsabilidades, começaremos a licitação dos medicamentos e o cadastramento das famílias. Tomara que o prefeito tenha uma visão moderna e encare a importância da questão”, concluiu.
Alto custo
O vereador Lucas Kitão afirma que atualmente a principal dificuldade para o acesso aos medicamentos derivados da cannabis é o preço. Segundo ele, entre os objetivos do projeto, está também a parceria com as associações, como a Ágape – Associação Goiânia de Apoio e Pesquisa à Cannabis Medicinal, para universalizar o acesso.
“A grande dificuldade é que em Goiânia hoje só pessoas com alto poder aquisitivo é que conseguem tratar os seus familiares com cannabis medicinal. O tratamento é muito caro e a gente quer essa ajuda do SUS”, disse ele .
De acordo com o diretor jurídico da Ágape, o advogado Matheus Tavares, desde o início de suas atividades, em 2017, a associação já auxiliou mais de 100 pacientes a terem acesso à cannabis terapêutica. Atualmente o grupo fornece suporte jurídico, médico, farmacêutico, nutritivo e psicológico a aproximadamente 70 famílias.
O advogado e a associação foram responsáveis pelo Habeas Corpus de um caso emblemático em Goiás. Foi concedido a um paciente com Alzheimer em grau avançado, além do plantio da maconha para o uso medicinal, o transporte e trânsito do medicamento para qualquer lugar do Brasil, sem qualquer tipo de constrangimento policial ou judicial. A decisão foi a primeira dessa natureza no estado.
Experiência
Quebrando paradigmas e preconceitos, a cabeleireira Tânia Scoponi, de 55 anos, se abriu ao estudo e uso dos medicamentos à base de cannabis, após ver o caso do homem com Alzheimer, que reconheceu o filho depois de se tratar com o canabidiol.
De acordo com ela, a situação despertou interesse e apontou saídas para a diminuição das dores que sente, já que tem hérnia de cervical e lombar, fibromialgia, doenças neuropáticas e sente dores nas articulações em decorrência do trabalho e de uma Zika.
“Eu vi documentários, li materiais sobre o assunto e, através de pessoas conhecidas, consegui o óleo de cannabis. Com o tempo, senti a necessidade de procurar por acompanhamento médico. Eu entrei em contato com uma associação, me consultei e, atualmente, uso o óleo de forma totalmente legalizada, com a prescrição adequada, quantidades ideais para a minha necessidade”, disse.
“Foi uma quebra de paradigma, porque eu vi que a maconha não tinha aquele peso da droga, como fui levada a acreditar. O remédio aumentou a minha qualidade de vida. Agora, eu consigo descansar, dormir, trabalhar sem dores e formigamentos”, concluiu.
Benefícios
A médica psiquiatra e prescritora da cannabis, Murielle Urzeda, afirma que é promissor o futuro dos tratamentos médicos à base de maconha. Apesar de reconhecer a polêmica que envolve o tema, ela afirma que os benefícios são mais relevantes e devem ser compartilhados para diminuir o preconceito.
Urzeda fala com entusiasmo sobre a lei em Goiânia. “A possibilidade da gente conseguir que os produtos à base de cannabis recebam distribuição gratuita é muito interessante. Se você parte dessa iniciativa de distribuir e ampliar, você fiscaliza mais, os produtos terão mais qualidade, a linha de produção melhor, possibilita o investimento em estudos”, ressaltou.
Segundo a psiquiatra, os benefícios da cannabis medicinal atendem crianças e adultos. A médica afirma que a gama de possibilidade é imensa e, assim como todo produto causador de um efeito no organismo, o uso medicinal na maconha causa um mecanismo de ação em cada paciente, que precisa ser entendido de forma individual.
Ela também cita usos em doenças crônicas, como fibromialgia e câncer. Mas também relaciona hipertensão arterial, diabetes e alterações de colesterol. “Esses pacientes muitas vezes são aposentados, afastados do trabalho, sempre com dores, com episódios depressivos. Se eu consigo dar a ele um produto que gera melhora dos sintomas, melhora da qualidade de vida, que melhora humor e o sono, a gente vai sim colher bons frutos”, conclui a psiquiatra.
Anvisa
Em dezembro de 2019, a regulamentação de produtos à base de maconha no Brasil foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas somente em março de 2020, a resolução RDC 327/2019 entrou em vigor.
Com isso, ficou liberada a comercialização de produtos à base de cannabis em farmácias de todo o país. No mês seguinte, a primeira empresa conseguiu autorização para produzir e distribuir o óleo extraído da planta. Ainda hoje, a Anvisa ressalta que não se pode considerar os produtos como medicamento.
De acordo com a agência, a autorização sanitária para produtos à base de cannabis foi “criada de modo a disponibilizar, de forma mais rápida à população brasileira, produtos seguros e de qualidade contendo derivados de cannabis, mas que não concluíram os estudos necessários para o registro como medicamento”.
A medida não se estende para a produção e comercialização por pessoas físicas e, como não contempla o plantio para uso medicinal no país, que foi rejeitado pela agência, para produzir a fórmula é necessário importar a planta. Por isso, o custo de produção dos produtos a base de cannabis é elevado.
Apesar de ter sido um primeiro passo para desmistificar o uso da cannabis medicinal no Brasil, a decisão foi criticada por pacientes e associações por não tratar da democratização do uso e não ser suficiente para atender a demanda brasileira.
Estudos apontam que o Brasil tem mais de 55 milhões de pessoas com doenças crônicas tratáveis com canabidiol.