Apps de ônibus não veem abertura do mercado em novo marco da ANTT
Minuta de resolução é criticada por empresas de mobilidade, que se opõem a empresas tradicionais. ANTT deve regular rotas até fim do ano
atualizado
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A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem até o final de 2023 para cumprir o que foi alinhado com o Ministério Público Federal (MPF) e concluir o novo marco regulatório do serviço de Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros, o chamado TRIP, que deverá trazer regras para a abertura de mercado a novas empresas de ônibus, entre elas aplicativos de mobilidade como a Buser e a Flixbus.
Esse debate se arrasta há quase 10 anos e enfrenta a resistência de empresas tradicionais do setor, receosas da concorrência com os entrantes. Estas, por sua vez, mostram preocupação com a garantia de abertura do mercado.
A resistência à abertura do setor envolve também a classe política, comumente ligada às indicações de diretores da ANTT.
Uma minuta (rascunho) de resolução do TRIP vazou e já está sendo criticada pelas estreantes pelo “caráter anticoncorrencial” do documento. Em resumo, o novo marco cria uma proteção de mercado para as empresas de ônibus tradicionais e desincentiva a entrada de novos agentes nesse mercado.
Queda de braço
O setor de transporte rodoviário de passageiros é historicamente oligopolizado, com poucas empresas operando as linhas de ônibus no Brasil — quase 80% das linhas regulares são operadas por uma empresa apenas. Atualmente, há cerca de 40 mil linhas no país.
O mercado começou a ser aberto em 2014, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) editou uma medida provisória, que depois foi transformada em lei, substituindo o regime de permissão pelo de autorização. Desde então, há uma queda de braço com as operadoras tradicionais. A disputa envolve ações direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) e ações na Justiça comum em diversos estados.
O novo marco do TRIP não foi avaliado na reunião de diretoria da ANTT da última quinta-feira (7/12). Assim, salvo se for convocada sessão extraordinária, só há uma data possível para o tema entrar em discussão até o fim do ano: 21 de dezembro.
O que diz a minuta
A resolução do novo marco do TRIP visa regulamentar o regime de autorização. Em 2022, a agência reguladora abriu consulta pública para colher sugestões dos atores envolvidos. Em agosto, essa consulta foi reaberta.
Especialistas criticam a minuta de resolução que circula agora por considerar que ela não aplica as regras da livre concorrência. A lei diz que serão concedidas autorizações salvo os casos de inviabilidade operacional e econômica, mas a aplicação do conceito é questionada.
“Em agosto deste ano, quando a ANTT reabriu a consulta pública, ela subverteu totalmente esse conceito, trazendo uma análise prévia da possibilidade de concorrência”, explica André Porto, presidente da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec).
A proposta estabelece um número de “vagas” para as empresas em cada linha, antes mesmo de abrir o trecho para concorrência. Isso interfere no desenho das redes de serviços, uma vez que restringe o acesso a diversas linhas. Os critérios utilizados para indicar o número de empresas seriam desatualizados, com cálculos de índices de eficiência e ocupação.
Antes de deixar o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) — órgão responsável pela defesa da livre concorrência — o conselheiro Luiz Braido se manifestou afirmando não haver motivo para “dificultar a entrada de novas empresas”, sendo que a competência do órgão regulador seria a de garantir qualidade e capacidade econômica das empresas.
O Ministério da Fazenda também indicou que a minuta que a ANTT tinha colocado em consulta pública eram ruim para a concorrência e para o desenvolvimento do serviço no Brasil. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) fez uma manifestação no mesmo sentido, afirmando que a forma de regulação estava equivocada. Já o MPF alegou que o regime proposto pela ANTT é mais anticoncorrencial que o regime de licitação.
A avaliação é de que a minuta do texto que está circulando é ainda pior do que o documento que foi colocado em consulta pública em agosto.
André Porto, da Amobitec, avalia que corre-se o risco de aprovar um marco regulatório que vai representar retrocessos.
“Infelizmente, ao que parece, a gente está caminhando para uma votação acelerada, de um processo que é extremamente importante, no dia 21, prévia de recesso”, diz ele. “Se realmente essas mudanças que estão sendo publicadas se concretizarem, a gente vai para um cenário tráfico de manutenção dos oligopólios que hoje já existem. Isso é fato que vai acontecer se os termos dessa minuta se confirmarem. Quem perde é o consumidor”, completa.
As empresas pedem mais transparência no processo, com mais espaço de contribuições. Na agenda regulatória, há compromisso de que esse processo será finalizado em 2023. Há um termo de compromisso assinado com o MPF para deliberar o assunto até o fim do ano.
A ANTT foi procurada pela reportagem para comentar o novo marco do TRIP, mas não deu retorno. O espaço segue aberto.
Pandemia e aéreas
A concorrência das novas empresas chegou em meio à crise enfrentada pelas companhias de transporte de passageiros, que chegaram a ficar paralisadas por três meses em 2020, durante a pandemia de Covid-19.
As empresas que funcionam via app alegam que a abertura do mercado se impõe ainda mais na atual conjuntura do país, em um momento em que as passagens aéreas estão altas e o governo federal tem adotado medidas para barateá-las.
Aéreas prometem a ministro plano para reduzir preço das passagens
Startups como a Buser buscam baratear o transporte interurbano no Brasil, voltado especialmente às classes mais baixas da população brasileira, que viajam pelo país de ônibus em razão do preço.
“Via de regra, o público-alvo é a população de mais baixa renda, que não tem acesso ao transporte aéreo, mas eu diria que isso não é uma exclusividade, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil”, pondera André Porto. “Além de caro, o transporte aéreo não consegue atender todas as cidades. Então, mesmo a população de classe alta também se locomove de ônibus, porque às vezes não tem opção de ir de avião”.
Brasileira, a Buser entrou em operação em 2017. Hoje, seus maiores mercados são: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.