Aposentadoria de servidores de 200 municípios estão em risco no país
A estimativa é do próprio Ministério da Previdência, a partir de investigações realizadas pela Polícia Federal, desde 2013
atualizado
Compartilhar notícia
A aposentadoria de servidores de até 200 municípios brasileiros pode estar em risco. A estimativa é do próprio Ministério da Previdência, a partir de investigações realizadas pela Polícia Federal desde 2013. Somente a mais recente operação da PF relacionada ao tema – a Encilhamento, deflagrada no último mês de abril – identificou irregularidades em 28 institutos de previdência de estados e municípios. Ao longo dos últimos cinco anos, a PF conseguiu mapear o modelo de ação do esquema, envolvendo gestoras financeiras e, em certos casos, as próprias prefeituras.
As investigações se referem aos regimes próprios de previdência municipais, chamados RPPS. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.089 mantêm esses programas de aposentadoria. Cada cidade nomeia um administrador para buscar a melhor forma de investir o dinheiro do servidor. Nas prefeituras envolvidas em fraudes, os valores são repassados a empresas de fachada, que investem em títulos podres. O administrador, em troca de comissão, esconde a real situação do investimento.
Segundo o subsecretário dos Regimes Próprios de Previdência Social do Ministério da Previdência, Narlon Gutierre, os RPPS concentram hoje um total R$ 254 bilhões. Deste valor, cerca de R$ 140 bilhões estão investidos em aplicações de renda fixa – o alvo das fraudes.
Fontes próximas às investigações dizem que cerca de R$ 15 bilhões das aplicações em renda fixa podem estar hoje em títulos podres. O ministério não confirma o dado, mas Gutierre estima envolvimento em fraudes de 100 a 200 municípios. A estimativa é baseada nas apurações da PF e em auditorias do próprio governo.
Além da Encilhamento, as operações Fundo Perdido, Miqueias, Imprevidência e Naum também detectaram fraudes na previdência de estados e municípios. A PF não comenta.
Alerta
Alvo de investigação da Polícia Federal, as fraudes afetam municípios como Uberlândia (MG), Paulínia (SP) e Campos dos Goytacazes (RJ). Gilmar Machado, ex-prefeito da cidade mineira, chegou a ser preso na esteira da operação Encilhamento, deflagrada pela PF em abril.
Pegos de surpresa, servidores afetados temem ser obrigados a ampliar contribuições para ter o acesso ao benefício antes considerado garantido. Nessa situação está José Santos, 46 anos, que trabalha há 23 anos na prefeitura de Uberlândia. Ele soube pelos jornais sobre o envolvimento em fraude do fundo de pensão com o qual contribui. “Essa história de investimento podre me preocupou. Foi um choque”, disse. Com renda mensal de R$ 8 mil, Santos espera a reversão da situação e preocupa-se com a possibilidade de aumento na contribuição, de 11% do seu salário.
Também de Uberlândia, a educadora Cláudia Nunes, 36 anos, trabalha para evitar perdas. “Mobilizei um grupo e cobramos dos vereadores uma solução. A CPI (aberta na Câmara de Vereadores de Uberlândia) comprovou irregularidades. “Quero ver o que vai dar.”, diz Cláudia.
Esquema
Na Operação Encilhamento, a Polícia Federal identificou a criação de fundos de investimento para desviar recursos de previdências de municípios e estados. Foram identificados administradores, gestores e intermediadores que convenciam os institutos de previdência a investir em empresas de fachada ou à beira da recuperação judicial – apostas com grande chance de calote.
A PF identificou oito fundos com essas características, além de listar 13 instituições responsáveis pela gestão e administração das carteiras – como Gradual, Bridge e FMD. Essas empresas se revezavam nos papéis de gestor e fiscalizador do dinheiro – dessa forma, as práticas fraudulentas eram facilitadas.
Em alguns casos, os gestores dos fundos de Previdência nos municípios são suspeitos de participar do esquema. Em outros, de ter entregado os recursos por incapacidade de avaliar a qualidade das aplicações.
A Encilhamento aponta movimentação de, no mínimo, R$ 1,3 bilhão em títulos podres. Mas perdas das instituições de Previdência podem ultrapassar R$ 15 bilhões, conforme dados de outras operações realizadas desde 2013 pela PF, apurou a reportagem.
Casos
Um dos casos investigados é o da relação entre as gestoras Incentivo e Gradual. Fontes próximas às investigações alegaram não ter conhecimento do investimento feito pela Gradual, de cerca de R$ 10 milhões de um de seus fundos, com recursos previdenciários municipais na ITS@, empresa do marido da dona da Gradual, Fernanda de Lima.
Operação semelhante envolveu a capitalização da ATG, empresa que pretendia lançar uma nova bolsa no Brasil, rival da B3. O projeto nunca saiu do papel. A ATG foi criada por Arthur Machado, sócio da Bridge Investimentos, também apontada pela PF como parte no esquema para lesar previdências municipais.O outro sócio da Bridge é José Carlos Oliveira, comandante do BNY Mellon no Brasil por 15 anos, até 2013, quando foi desligado pelo banco. Machado e Oliveira já foram detidos em outras operações da PF relacionadas a fundos de pensão.
A Gradual, segundo as investigações, também teria usado dinheiro de aposentadorias para pagar uma dívida com a Bridge. Em 2015, a Bridge anunciou a compra da Gradual, mas desistiu do negócio. A Encilhamento aponta ainda outra empresa possivelmente ligada à Gradual, a OAK, possivelmente um novo nome da Solo, que cuidava do FIP Viaja Brasil, do doleiro Alberto Youssef, pivô da Lava Jato.
Ao identificar uma repetição dos atores envolvidos, a PF passou a apurar uma rede de desvio de recursos. E concluiu ser a figura central, responsável pela ponte entre os municípios e os gestores, Renato DeMatteo, hoje foragido. Ele é dono da gestora FMD, que chegou a gerir R$ 590 milhões em recursos dos RPPS. As investigações apontam que ele tinha contatos para acessar os responsáveis pelas aposentadorias de municípios e convencê-los a fazer investimentos arriscados.
Defesas
A Gradual não quis dar entrevista. Fontes próximas à empresa, porém, confirmam a compra das debêntures da ITS@, pela Incentivo, mas com comissão em troca, que ela teria se recusado a pagar.
Procurada, a Incentivo não quis comentar, pois as investigações sobre o pedido de inquérito feito por ela em 2016 estão em curso. A PF deve investigar todas as acusações, embora a Encilhamento não tenha apontado irregularidades da Incentivo. A Bridge não quis se manifestar. A defesa de Machado nega as acusações. Renato de Matteo não foi encontrado. A PF não deu entrevista.
Em nota, Gilmar Machado, ex-prefeito de Uberlândia, disse que todas as aplicações foram feitas pelo gestor da época e fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).