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Após seca histórica, indústria do AM acende alerta para clima em 2024

A indústria da ZFM estima ter tido um sobrecusto de R$ 1,4 bilhão nas operações de logística durante a seca histórica de 2023

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Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Imagem colorida de rio com baixo volume e ribeirinhos em Manaus (AM) - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de rio com baixo volume e ribeirinhos em Manaus (AM) - Metrópoles - Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Meses após a seca histórica no Rio Negro, em Manaus, capital do Amazonas, a população manauara e a indústria da Zona Franca de Manaus (ZFM) se preparam para tentar mitigar os impactos de uma eventual estiagem extrema no segundo semestre deste ano.

A indústria do AM estima ter tido um sobrecusto de R$ 1,4 bilhão nas operações de logística durante a seca histórica de 2023.

O que diz a indústria

Dados do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam) mostram que, atualmente, os gastos com transportes hidroviários no estado variam entre 3% a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) local — o que representa cerca de R$ 4,8 e R$ 11,2 bilhões por ano.

“De acordo com os nossos estudos, o ideal é que o custo com logística fosse a metade desse valor para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus”, explica Augusto Rocha, presidente da comissão de logística do CIEAM.

Para o centro, o gasto deveria ficar entre R$ 2,4 bilhões e R$ 5,6 bilhões — o que corresponde a 1,5% a 3,5% do PIB do Amazonas.

Rocha defende um repasse mínimo maior, cerca de 2,5% do PIB amazonense (ou seja, R$ 4 bilhões) por ano, “para corrigir todos os gargalos logísticos que existem hoje e oferecer segurança logística às indústrias que operam no Polo Industrial de Manaus [PIM]”. O investimento anual em infraestrutura local é de quase 0,22% (ou R$ 352 milhões do PIB de 2023).

imagem aérea colorida do CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas)

Marcelo Thomé, vice-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia e CEO do Instituto Amazônia+21, afirma que a “Amazônia já convive com uma nova seca”.

“Estamos em junho, apenas no começo da vazante, e os rios já baixaram muito. Até outubro, novembro, isso pode ficar tão grave, senão mais grave que a situação do ano passado. Isto é terrível para a vida, para o bioma e para a economia na região”, destaca.

De acordo com ele, com a seca “todo mundo perde” e, por isso, urge a necessidade de “investir em infraestrutura, melhorar hidrovias e ampliar a oferta de outros modais logísticos, de forma responsável e sustentável”.

Thomé ressalta que “as federações de indústrias dos estados da Amazônia estão preocupadas e mobilizam o setor, com apoio da CNI, para enfrentar essa realidade”. Ele alega que as soluções setoriais têm “alcance limitado” e que, agora, precisamos desenvolver “ações de adaptação à seca que envolvam toda a sociedade e toda a economia da região”. “É preciso fortalecer as empresas para evitar desemprego, apoiar a bioeconomia, promover negócios sustentáveis, e isso só é possível com oferta de crédito”, declara.

Ações do governo

O governo Lula (PT) anunciou, nessa quarta-feira (19/6), o investimento de R$ 500 milhões para mitigar os efeitos da forte estiagem que atinge a região Norte do Brasil. O valor é quase quatro vezes maior do que o empenhado no ano passado, de R$ 150 milhões em medidas emergenciais.

O governo federal, por meio do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor), assinou editais de contratação para serviço de dragagem — processo de limpeza, desobstrução, remoção, derrocamento ou escavação de resíduos presentes no fundo de rios para aprofundar portos e vias navegáveis — em quatro trechos dos rios Amazonas e Solimões.

A dragagem será realizada nos trechos entre Manaus-Itacoatiara; Coari-Codajás; Benjamin Constant-Tabatinga; Benjamin Constant-São Paulo de Olivença. O valor investido garante realização de trabalhos para os próximos cinco anos.

Além disso, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão ligado ao Ministério dos Transportes (MT), apresentou uma série de medidas focadas na construção, operação e restauração de infraestrutura aquaviária do Amazonas, em especial na capital, para contornar e mitigar os impactos da seca na produção industrial, comércio e no cotidiano da população.

As ações serão coordenadas pela Diretoria de Infraestrutura Aquaviária (DAQ). Confira os cinco programas apresentados:

  • Programa de Instalações Portuárias (Priop), com foco na recuperação, operação, manutenção e regularização das instalações portuárias públicas de pequeno porte;
  • Plano de Monitoramento Hidroviário (PMH), projeto responsável pelo levantamento de dados e monitoramento hidroviário das características fluviais das hidrovias;
  • Plano Anual de Dragagem de Manutenção Aquaviária (PADMA) visa a manutenção da profundidade dos rios para possibilitar condições mínimas de navegação;
  • Programa de Eclusas (Proeclusa), trabalho focado na manutenção e gestão de eclusas da região — espécie de elevadores para embarcações em hidrovias onde há desníveis; e
  • Programa Nacional de Sinalização Aquaviária (Prosinaqua), iniciativa destinada à implantação e manutenção de sinalização náutica, visando garantir maior segurança durante as navegações.

Planos atuais para ZFM são “paliativos”

Marcos Castro de Lima, professor de geografia e do programa de pós-graduação em geografia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), critica as medidas atuais dos governos estadual, municipal e federal para prevenir os impactos de períodos de estiagem.

“Infelizmente, os planos aqui são paliativos. Não há da parte dos governos um plano estrutural que possa prever o abastecimento desta cidade, sobretudo aquelas que têm maiores dificuldades na questão do semi-isolamento”, afirma.

Na análise do professor, para não isolar essas comunidades ribeirinhas é necessário “construir portos que sejam sazonais, portos rápidos, que possam pegar essa mercadoria e levar para as cidades, prevenindo com o abastecimento prévio dessas cidades”. 

Segundo ele, as pessoas tendem a “culpar a natureza” quando eventos extremos ocorrem. “Então, eles colocam assim: ‘A seca é assim mesmo, a cheia é assim mesmo, ou isso é coisa da natureza’. Não, isso é problema de governança pública.”

Lima acredita que ações como abastecimento prévio de insumos básicos, construção de portos rápidos e abertura de estradas prévias para escoamento de produtos até as cidades seriam capazes de mitigar os impactos da população amazonense que depende dos rios. 

“Nós temos dois extremos da Amazônia, a seca e a cheia extrema. Mas a seca é um fenômeno que ainda causa maior dramaticidade, porque ela provoca esse desabastecimento e também a possibilidade de incêndio.”

Ele prossegue alertando para que, caso não haja planos para conter a estiagem na região, o cenário seguirá dramático: “Vamos continuar repetindo os mesmos problemas, continuar registrando as mesmas fotos dramáticas e continuar culpando a natureza”.

Impacto socioambiental e econômico

O professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Rogério Ribeiro Marinho diz que, no momento, não é possível avaliar se a seca deste ano será maior do que no ano passado.

Marinho explica que a estiagem, que é um fenômeno natural, “sempre atinge a Zona Franca de Manaus”. Desta forma, esse processo acaba impactando a capacidade de transporte de insumos que são utilizados pelas indústrias na região.

Apesar dos gastos para o setor de indústria, a questão da falta de água potável e o surgimento de focos de incêndio estão entre as preocupações com a chegada de uma eventual seca extrema na região amazônica neste ano, segundo análise dos professores da Ufam.

Além disso, como muitas cidades estão em uma situação de semi-isolamento, há o risco do desabastecimento de insumos considerados essenciais (água, alimentos, medicamentos, entre outros) durante esse período de baixa no volume dos rios.

Ambos os professores ainda alertam que os problemas socioambientais se misturam com os problemas econômicos. “Há um processo de inflacionamento no período da seca, porque pela dificuldade de chegada as coisas ficam muito mais distantes”, ressalta Lima.

A seca histórica de 2023

No segundo semestre de 2023, a população de Manaus presenciou uma das piores secas da região. A estiagem extrema trouxe um ambiente árido, falta de acesso à água potável e baixa qualidade de ar devido à fumaça das queimadas nas cidades vizinhas.

O Rio Negro, um dos principais afluentes do rio Amazonas, registrou o índice de 12,7 metros (em 26 e 27 de outubro), superando a marca histórica, de 2010, de 13,63 metros, segundo informações do Porto de Manaus.

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Foto mostra resultado da seca e das queimadas nos rios e céu de Manaus
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Morador de Manaus, Lourival Barros, de 67 anos, conta que onde mora não possui rede de esgoto ou fossa. "Sai de casa direto pro Igarapé. E o Igarapé de lá é fedido, porque só tem esgoto", conta.

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Sarah Teófilo/Metrópoles
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Foto mostra resultado da seca e das queimadas nos rios e céu de Manaus

Sarah Teófilo/Metrópoles

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil (SGB), essa foi a pior seca dos últimos 121 anos do rio.

A seca se intensificou na capital Manaus e em vários municípios amazonenses devido ao fenômeno climático El Niño, que começou em junho de 2023. Vale lembrar que a situação ganhou mais visibilidade após cidades ficarem encobertas pela fumaça de queimadas.

A estiagem extrema prejudicou, principalmente as comunidades ribeirinhas, que dependem dos rios para se locomover e ganhar seu sustento, por meio da pesca e do escoamento das mercadorias.

Já em 2024, o Rio Negro começou a recuperar o volume das águas. Atualmente, o rio marcou 26,83 metros.

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