Após fala de Bolsonaro, Justiça tira presidente do Iphan do cargo
Processo de afastamento de Larissa Dutra já tramitava antes de Bolsonaro dizer que “ripou” a diretoria do órgão para favorecer Luciano Hang
atualizado
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A diretora-presidente do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, foi afastada do cargo, após decisão da juíza Mariana Tomaz da Cunha, da 28ª Vara Federal, do Rio de Janeiro, atentendo a solicitação do Ministério Público Federal (MPFRJ).
A determinação se dá poucos dias após a declaração do presidente Jair Bolsonaro (PL) de que “ripou todo mundo do Iphan” por conta da interdição das obras de uma loja da Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang.
“’O que é Iphan com ‘ph’?’ Explicaram para mim, tomei conhecimento e ripei todo mundo do Iphan”, declarou Bolsonaro na última quarta-feira (15/12), em evento da Federação das Indústrias do estado de São Paulo (Fiesp), arrancando aplausos dos empresários que estavam na plateia.
Relembre:
Em evento na Fiesp, @jairbolsonaro diz que demitiu integrantes do Iphan após obra de loja da Havan ser interditada.
“Tomei conhecimento e ripei todo mundo de lá”, afirmou. A fala foi aplaudida pelos empresários que compõem a plateia. pic.twitter.com/bU6UR4Y9cf
Além da fala de Bolsonaro, o pedido do MPFRJ foi elaborado com base em ação aberta após o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero apresentar, em 2020, um pedido de suspensão da nomeação de Larissa, sob o argumento de que ela “não preenche técnica e moralmente nenhum dos requisitos exigidos” para o cargo.
O espisódio envolvendo a interferência de Bolsonaro no órgão foi citado pela juíza em sua decisão: “Com efeito, no exercício de suas funções, o atual exmo. presidente da República admitiu que, após ter tomado conhecimento de que uma obra realizada por Luciano Hang, empresário e notório apoiador do governo, teria sido paralisada por ordem do Iphan, procedeu à substituição da direção da referida autarquia”, diz a magistrada.
Em maio de 2020, o MPFRJ já havia pedido à Justiça o cancelamento da nomeação de Larissa Dutra como presidente do Iphan, atualmente ligado ao Ministério do Turismo, devido à sua falta de formação na área.
À época, entidades e pesquisadores ligados à proteção do patrimônio histórico criticaram a nomeação de Larissa, que, além de ser blogueira, é formada em Turismo e Hotelaria e cursa atualmente pós-graduação lato sensu em MBA Executivo em gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva.
Sem formação compatível
Para os procuradores do Patrimônio Cultural do MPF, “Larissa não tem formação acadêmica compatível com o exercício da função, uma vez que não obteve graduação em história, arqueologia, museologia, antropologia, artes ou outra área relacionada ao tombamento, conservação, enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional”.
Segundo a coluna do jornalista Igor Gadelha, do Metrópoles, a mudança no comando do Iphan por Bolsonaro significou a troca de uma aliada do ex-presidente José Sarney (MDB) por uma servidora pública esposa de um ex-segurança do presidente.
A troca começou em dezembro de 2019, quando Bolsonaro exonerou da instituição a historiadora maranhense Kátia Santos Bogéa. Ela estava no cargo desde o início do governo Michel Temer, em 2016, por indicação de Sarney, a quem é muito ligada.
Servidora pública concursada do Ministério do Turismo desde 2008, Larissa Dutra é casada com o policial federal Gerson Dutra. Ele foi um dos agentes que participaram da segurança do então candidato Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.
Veja a íntegra da decisão da juíza:
Liminar Iphan by Carlos Estênio Brasilino on Scribd
A ação popular atendida pelo MPF foi apresentada por Marcelo Calero no momento em que Larissa foi nomeada, em maio de 2020. Em nota, Calero, que é atual secretário municipal de Governo e Integridade e deputado Federal, afirmou que a decisão foi uma “vitória contra a corrupção”.
“Usar um órgão profissional como o Iphan para atender aos amigos é o que há de pior no costume da política do Brasil. Bolsonaro foi muito claro e confessou seu crime: nomeou Larissa para favorecer Luciano Hang. Isso precisa de uma resposta clara da Justiça. E essa resposta foi dada”, diz trecho da nota.