Após chuva, nova lei de BH deixa brecha para canalizações de rios
Cursos d’água tampados são apontados como agravante para as enchentes que atingiram a capital mineira
atualizado
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O acúmulo de cursos d’água tampados em Belo Horizonte, principalmente o Ribeirão Arrudas, é apontado por especialistas como um dos motivos para que as enchentes que atingiram a capital mineira fossem mais severas. A partir do dia 5 de fevereiro, começa a vigorar o novo plano diretor da cidade, que proíbe tampar rios, mas deixa brecha para canalizações. Das 55 mortes em Minas desde a semana passada por causa das chuvas, 13 foram na capital de Minas Gerais.
Na canalização, o curso d’água é pavimentado, muitas vezes com alargamento. Pode haver transformação da calha, remoção de curvas e, em alguns casos, o rio é tampado. A nova lei diz apenas que é preciso “priorizar” que cursos d’água sejam mantidos no leito natural.
A capital mineira é cortada por quase 700 quilômetros de córregos e ribeirões, 250 deles canalizados e, parte, cobertos. O crescimento da metrópole e a falta de atenção para permeabilizar o solo tornam as enchentes comuns.
Muitas vezes, o objetivo é esconder o mau cheiro do córrego. Marcus Vinícius Polignano, do projeto ambiental Manuelzão, ligado à Universidade Federal de Minas (UFMG), diz que o “encaixotamento” dos córregos transforma cursos d’água em “canhões hidráulicos”. “No modelo da natureza, sabiamente, os cursos d’água são sinuosos, serpenteiam, para quebrar a força da água. Na canalização, coloca-se o córrego retilíneo e o concreto, o que torna a velocidade da água muito maior.”
A experiência mais recente de Belo Horizonte é a do Arrudas, o principal da cidade, cuja canalização foi há décadas. Em 2007, ele teve parte do leito coberto em trecho do centro, com construção de boulevard. Cinco vigas da estrutura foram afetadas pela pressão da água nas últimas chuvas. Duas caíram no leito. A prefeitura diz que a queda das vigas não traz riscos à estrutura.
Mais ações. Secretária de Políticas Urbanas de Belo Horizonte, Maria Caldas diz que o plano diretor traz “soluções baseadas na natureza”. Prevê ampliar áreas ambientais em 40 km² e elevar a capacidade de drenagem, com mais áreas verdes e obrigação, por construtoras, de criar caixas de coleta de água nas edificações com capacidade igual à que o terreno teria a céu aberto.
Sobre a chuva de terça-feira, Maria diz que, com ou sem canalização, o volume de água que caiu na cidade provocaria estragos.
Desabrigados
Matheus Lopes, de 24 anos, a mulher, Rita, de 17, e os dois filhos, chegaram terça-feira ao abrigo de desabrigados pela enchente em Sabará, na Grande BH. Foram alojados em uma escola, para onde foram levadas mais 10 famílias. Todos perderam suas casas na enxurrada da última semana. No estado, 53,6 mil foram tirados de casa após as tempestades deste mês.
“A gente não pode voltar porque lá é área de risco. O barranco cedeu e a casa está ameaçada”, disse Lopes, na quarta. O pedreiro Altair Antonio de Barros, de 52 anos, e a mulher, Maria Nilza, de 55, que faz tratamento de hemodiálise, se acomodavam em um colchão ao lado de roupas doadas. Também foram obrigados pela cheia a sair de casa no sábado passado. “Queremos ajuda para retomar nossa vida normal”, afirma ele.
Segundo a assistente social da prefeitura, Elizabeth Cornélio, que coordenava o abrigo, a situação é provisória e as aulas, que teriam início no dia 3, foram adiadas para o dia 10.Na capital, o aposentado Ademar Rodrigues, de 64 anos, morador do Barreiro, zona oeste, perdeu a família inteira – os três filhos e a mulher – no desmoronamento da casa em uma encosta na noite do dia 24. Ele anda pelo bairro usando roupas doadas por amigos e vizinhos porque na noite da tragédia ficou só com a do corpo. Perdeu tudo que tinha em casa.
Ele relatou a amigos e a vizinhos que estava do lado de fora da casa quando as paredes desabaram, arrastadas pela encosta do morro. “Perderam tudo”, contou Vaguinho, uma das pessoas que ajudaram no resgate dos corpos.
O próprio Ademar cavou na lama em busca da família. O enterro dos quatro foi na terça. O local está interditado pela Defesa Civil de BH, com a entrada da vila vigiada pela Guarda Civil.
Em nota, a prefeitura de da capital mineira informou que fez 2.871 cadastramentos de famílias atingidas pela chuva e foram oferecidas 560 vagas em pousadas. Cerca de 400 pessoas passaram pelo abrigo – 287 permanecem nos locais até a manhã de ontem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.