Após 38 anos, mãe e filho roubado na porta de hospital se encontram
A história foi revelada pelo Metrópoles. O reencontro foi possível graças à investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)
atualizado
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Trinta e oito anos após o seu filho ter sido tirado de seus braços enquanto ela saía da maternidade do Hospital Regional do Gama (HRG), Sueli Silva, de 56 anos, pôde finalmente abraçar Ricardo Santos Araújo. Mãe e filho se reencontraram neste domingo (05/05/2019) na cidade de Arara, na Paraíba.
A história de Sueli foi revelada pelo Metrópoles. A aproximação só foi possível graças à investigação da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que durou cerca de seis anos. O programa Fantástico, da TV Globo, viabilizou que ela fosse até o filho.
“Os meus pais que me criaram sempre me falaram que eu era filho adotivo. Me disseram que ela não tinha condições de me criar. Mas era difícil entender”, contou Ricardo. Segundo ele, após a revelação da história e a confirmação do exame de DNA, a vontade de conhecer a mãe foi crescendo.
No momento em que Ricardo revelava o desejo de estar frente a frente com Sueli, ela entrou na casa do filho e o abraçou. “Eu te amei nesses 38 anos. Nunca deixei de amar você um dia. Nunca deixei de acreditar”, disse. “Seja bem-vinda à minha vida”, respondeu Ricardo.
Sueli e Ricardo estavam conversando desde o dia 24 de abril: nessa data tiveram o primeiro contato, por videoconferência. Sueli contou ao Metrópoles como foi a conversa, que durou cerca de duas horas.
“A gente ficou se olhando por alguns segundos. Ele disse que não sabia o que falar. Pedi para ele chegar mais perto da tela. Disse que os olhos parecem com os meus, que as orelhas parecem com as minhas e que era lindo como eu. Começou a sorrir e foi um momento de descontração. De repente, ele começou a contar da vida dele. Falava sem parar”, revelou, emocionada.
Confira o relato da mãe:
História
Essa história começou em 1972. Então com 9 anos, órfã de mãe e abandonada pelo pai, Sueli e os quatro irmãos (três meninas e um garoto) foram levados pelo avô a um orfanato em Corumbá de Goiás (GO), cidade a 125 quilômetros de Brasília.
Em razão de os envolvidos na história já terem morrido ou estarem em idade muito avançada, sem condições de se defenderem, o Metrópoles optou por identificar apenas mãe e filho, além do delegado que investigou o caso.
Sueli conta que aos 13 anos teria sido estuprada pelo filho da administradora da instituição. A violência sexual ocorreu outras vezes. Ela tentou se matar, ingerindo veneno para formiga. Pediu ajuda à mulher, que ignorou os abusos sofridos pela adolescente. Acabou grávida e enviada a Brasília para morar com um casal conhecido da dona do orfanato. Ficou no local até o nascimento da filha Juliana, registrada apenas com o nome da mãe.
As duas permaneceram na capital. Sem ter a quem recorrer, Sueli disse que continuou a trabalhar para a dona do orfanato, que também seria proprietária de uma escola infantil no Guará. Mãe e filha continuaram a morar com o mesmo casal.
Em maio de 1980, Sueli conheceu um policial militar com que manteve um breve relacionamento. Na época, o homem estava de partida para o Canadá e não teria ficado sabendo que a namorada havia engravidado. “Foi tudo muito rápido. Tivemos um relacionamento de cerca de três meses. Não sabia mais como encontrá-lo, mas tinha certeza que queria ter e cuidar do meu filho”, disse Sueli.
De acordo com ela, a dona do orfanato não teria acreditado na história. Achava que a criança seria fruto de uma nova investida do filho dela. Por isso, teria ordenado ao casal que mantivesse Sueli trancada em casa até que o bebê nascesse. Em 9 de fevereiro de 1981, Luís Miguel veio ao mundo, no Hospital Regional do Gama.
Filho levado
Quando saiu da maternidade, conforme conta, teria sido recebida pelo casal com o qual morava e uma mulher que tinha um lenço amarrado na cabeça. Pediram que ela fosse ao orelhão e ligasse para a dona do orfanato. A conversa não foi nada amistosa: “Ela disse que eu devia entregar meu filho para adoção, já que não tinha condições de criá-lo. Caso contrário, ia mandar os meus irmãos para um abrigo de menores infratores”.
“Implorei, supliquei, mas ela não me deixava falar, bateu o telefone e, quando voltei em direção ao carro, em prantos, meu filho já não estava lá. A mulher que usava lenço no cabelo também desapareceu”, lembrou.
Fragilizada, ela permaneceu trabalhando e morando no mesmo local, ainda sob influência da dona do orfanato, por mais de 20 anos. Nesse período, Sueli se casou, teve outro filho, perdeu a filha mais velha após um choque anafilático e só conseguiu independência financeira em 2004, quando foi aprovada em um concurso público no Governo do Distrito Federal.
Revelação
Apenas em 2012, entretanto, ela se sentiu livre para procurar o filho. Naquele ano, a dona do orfanato morreu. Antes, muito debilitada, teria feito uma revelação a uma das irmãs de Sueli: o médico que fez o pré-natal de Luís Miguel poderia saber do paradeiro do bebê desaparecido. Na época, ela até conseguiu localizar o profissional. Questionado sobre o caso, porém, ele negou qualquer participação no sumiço do menor.
Com apenas o cartão do registro na maternidade do HRG e as poucas lembranças do filho, Sueli pensava em como Luís Miguel estaria, a altura a que haveria chegado, do que gostava ou se um dia poderia tocá-lo e ouvir a voz dele. Em todo esse tempo, a única informação que podia ajudá-la nas buscas era a de que o bebê havia nascido com uma uma anomalia chamada de sindactilia, quando dois dedos dos pés ou das mãos são grudados.
Ao Metrópoles, ela detalhou que, por muitos anos, foi convencida de que o bebê havia morrido. “A dona do orfanato em que cresci me dizia para eu parar de procurá-lo, pois, provavelmente, ele já estava morto. Mas sentia que não era verdade. Sabia que ele estava vivo. Orava todos os dias pela vida dele”, afirmou, emocionada.
Em 30 de julho de 2013, ela escreveu, à mão, uma carta enviada à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal (MPF). No texto, Sueli explica o motivo de só procurar as autoridades após mais de 30 anos dos fatos: “Passei muito tempo paralisada em pequenos trilhos, acreditando que, mesmo impotente, deveria ter feito algo no dia. Gritar, pedir socorro. Acredito que a Justiça teria me ouvido. Mas estou certa de que vou encontrar meu filho, covardemente tirado de mim”.
No documento, ela escreveu em detalhes toda a sua história desde 1972. E, finalmente, foi ouvida. A denúncia deu origem a um inquérito instaurado no mesmo ano, na 14ª Delegacia de Polícia (Gama). Com base no relato, os policiais iniciaram uma investigação complexa, que mudaria não só a vida de Sueli, mas a do filho e a da equipe envolvida nas diligências.
Criatividade e persistência
Para solucionar o caso quase quatro décadas depois, os policiais tiveram que mergulhar na história de Sueli, conhecer os personagens que fizeram parte da vida dela, adotar técnicas diferenciadas de investigação, ter criatividade e, principalmente, persistência. Na época, documentos não eram digitalizados, e alguns envolvidos já haviam falecido ou se mudado do Distrito Federal, lembrou o delegado responsável pelo inquérito, Murilo de Oliveira Freitas.
O que nos motivou durante todos esses anos foi a possibilidade de propiciar um encontro. Os crimes que teriam ocorrido eram graves. Porém, muitos estavam prescritos. Nosso propulsor foi promover esse reencontro de Sueli com um pedaço de si mesma. Foi impossível não nos sensibilizarmos com a história. Instigou, até o fim, o mais cético dos investigadores
Murilo de Oliveira Freitas, delegado responsável pelo inquérito
Com a dona do orfanato morta, os investigadores não tinham muitas pistas para iniciar a apuração. Procuraram o casal com o qual Sueli morou por muitos anos. Com idade avançada, eles não cooperaram muito. Inúmeras buscas foram feitas no arquivo do HRG e em cartórios da cidade.
“Encontramos salas inteiras abarrotadas de documentos. O prontuário de Sueli não foi localizado, desapareceu. Muitas vezes, não sabíamos o que procurar. Não tínhamos o nome em que a criança foi registrada ou até mesmo se a data de nascimento nessa certidão estaria correta”, explicou o delegado Murilo Freitas.
No ano passado, o médico responsável pelo parto foi ouvido pela Polícia Civil. Voltou a dizer que não tinha envolvimento e não se recordava bem do caso. Mas a mulher dele se lembrou de uma informação que foi fundamental para a conclusão da investigação. Disse que o porteiro do prédio onde eles moravam na época, na 103 Sul, conhecia a dona do orfanato no qual Sueli morou. Segundo a mulher, ele poderia ter pego e cuidado da criança.
Também disse aos investigadores o nome da mulher do porteiro e informou que ela teria sido professora em uma escola no Gama. “O que parecia ser uma boa pista nos colocou novamente diante de novas dificuldades. Não existia qualquer registro de funcionários no prédio referente aos anos de 1980 e 1983. O nome dado pelo médico estava incorreto”, explicou o delegado.
Os policiais recorreram à Secretaria de Educação em busca de algum dado que os pudesse levar até a professora. Mas, sem o nome completo da docente, as buscas foram frustradas. “Ninguém sabia se ela trabalhava em escola particular ou pública. Nesse momento, não tínhamos nem a certeza de que essa professora, de fato, existiu”, ressaltou o policial.
Postagem no Instagram
No final de 2018, entretanto, uma publicação no Instagram deu novo gás à investigação. Tratava-se de um texto de protesto em que familiares de uma mulher cobravam esclarecimentos sobre a morte dela, na cidade de Arara, na Paraíba. O nome batia com o que fora informado pela esposa do médico. Era a companheira do porteiro.
Com a nova pista, as investigações foram concentradas no cartório do município paraibano. Após apurações, os policiais encontraram a família do casal. Descobriram que eles tiveram dois filhos. Um deles, Ricardo Santos Araújo, com 38 anos. Os policiais apuraram, ainda, que a família residia em Brasília em 1981, data do parto de Luís Miguel.
Segundo os policiais, Ricardo e a irmã sabiam que eram adotados, mas não tinham conhecimento sobre suas mães biológicas. Acreditavam que haviam sido colocados de forma voluntária para adoção. Com fortes indícios de que Ricardo seria o bebê sequestrado na porta do Hospital Regional do Gama, entrevistaram-no por telefone.
“Foi uma ligação difícil. Era necessário uma sensibilidade ímpar. A princípio, ele não se mostrou fechado à possibilidade de a mãe biológica o procurar. Mas disse que não tinha interesse na história. Quatro dias depois, eu retornei e ele estava diferente. Afirmou que não conseguia dormir e queria entender o que aconteceu. Também confirmou que nasceu com sindactilia e operou ainda criança”, lembrou o delegado.
Caso Pedrinho
O caso é parecido com o de Pedro Júnior Rosalino Braule Pinto, Pedrinho, sequestrado em 1986 na maternidade do Hospital Santa Lúcia, na Asa Sul. Levado para Goiânia (GO), ele viveu 16 anos como filho de Vilma Martins Costa, com o nome de Osvaldo Martins Borges.
Simulando uma gravidez, Vilma sequestrou a criança para forçar o então companheiro, também Osvaldo Martins Borges, a se casar com ela. Ela acabou conseguindo seu objetivo. Ao ver a mulher supostamente grávida, Osvaldo deixou a família e criou Pedrinho com Vilma como se fosse seu filho legítimo.
Em 2002, os pais biológicos, que moram em Brasília, encontraram o menino. Ele se mudou para Brasília, mas nunca perdeu contato com Vilma, que chegou a ser condenada e cumprir pena em regime fechado. O caso inspirou o sucesso televisivo Senhora do Destino. Pedrinho virou advogado, casou-se, tem dois filhos e mora na capital do país.