Após 100 dias de “reconstrução”, governo Lula busca olhar para o futuro
Lula quer usar marca dos 100 dias para apresentar planos que tirem de seu governo a cara de passado, mas precisa conquistar o Congresso
atualizado
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O governo Lula escolheu o slogan “O Brasil voltou” para simbolizar seus 100 primeiros dias. A ideia foi contrapor as prioridades da nova gestão às dos presidentes anteriores, Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), que os petistas acusam de terem destruído políticas públicas voltadas para a população mais carente. A opção, porém, custou à nova administração uma cara de passado, pois o que se vê até agora é a reedição de programas antigos, alguns lançados há 20 anos, como o Bolsa Família.
Ciente da necessidade de criar marcas para seu terceiro mandato e produzir novidades, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cobrou de seus ministros, em reunião na última semana, que levem para o evento sobre os 100 dias marcado para a manhã desta segunda-feira (10/4), no Palácio do Planalto, seus planos e projetos para os próximos meses. “Não vou ficar mais falando das coisas que nós fizemos. Eu vou começar a falar das coisas que nós vamos fazer daqui para frente”, prometeu o chefe do Executivo.
A ideia é prestar contas para a sociedade sobre o que já foi feito e iniciar uma nova fase do governo. Após focar quase todos os primeiros esforços em auxiliar os brasileiros de baixa renda, Lula promete atender aos anseios da classe média a partir de agora, com uma fórmula que também não chega a ser nova em se tratando de governos petistas: criar condições para ampliar o crédito e incentivar o consumo.
Fazer a economia aquecer deve ser o grande objetivo da equipe de Lula nessa nova fase, mas tirar esse plano do papel não depende só do Poder Executivo e esbarra em um dos grandes problemas que o Planalto enfrenta até agora: consolidar uma base de apoio no Congresso.
Em seu quarto mês, o governo Lula ainda não conseguiu aprovar projetos relevantes no Legislativo e acompanha como espectador uma disputa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o rito de tramitação das medidas provisórias. E há 12 delas que foram editadas por Lula em janeiro e vão perigosamente se aproximando da data de vencimento, colocando em risco desde a recriação de ministérios até a confirmação do que o governo construiu até agora, como a recriação do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida e do Mais Médicos.
Esperando o arcabouço
Essa semana será decisiva para o governo Lula conseguir destravar essa relação com deputados e senadores. Além de estarem previstas as criações das primeiras comissões mistas para tramitar as MPs (mesmo sem acordo entre Lira e Pacheco), o Executivo se prepara para enviar ao Legislativo o projeto mais esperado desse semestre (e que pode se tornar a primeira grande marca do governo Lula 3): o novo arcabouço fiscal, formulado pela equipe econômica de Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento) para substituir o teto de gastos que vigorou desde o governo Temer.
As linhas gerais do plano fiscal foram bem recebidas por líderes do Congresso, mas geraram desconfiança em economistas e agentes do mercado financeiro porque ainda não está claro como se poderá aumentar a arrecadação federal em até R$ 150 bilhões por ano sem aumentar impostos, como prometeu Haddad. A chegada do texto detalhado ao Congresso será importante para saber se partidos não alinhados ideologicamente ao governo vão ajudar ou atrapalhar.
Embate com Campos Neto
O sucesso do novo arcabouço fiscal é fundamental para que Lula alcance um objetivo que tem lhe tirado do sério: a redução da taxa básica de juros da economia. Sem poder político para influenciar as decisões de um Banco Central tornado independente no governo Bolsonaro, Lula transformou em seu vilão favorito o presidente do órgão, Roberto Campos Neto, nomeado por seu antecessor para um mandato que vai até a metade do governo do petista.
A taxa básica de juros, que serve para tentar controlar a inflação, está sendo mantida pelo BC em 13,75% ao ano desde agosto do ano passado. Lula e seus aliados a consideram muito alta e entendem que esse patamar impossibilita o projeto de ampliar o crédito para o consumidor e para investidores. É em parte por isso que o governo não conseguiu tirar do papel até agora uma promessa de campanha que seria uma novidade: o programa Desenrola, que tem o objetivo de renegociar dívidas e devolver milhões de consumidores que hoje estão com o nome sujo para o mercado formal.
Para o governo, aprovar o arcabouço fiscal e ao menos apresentar um projeto de Reforma Tributária (o outro grande objetivo de Lula para a economia) serão formas de aumentar a pressão sobre o BC e tentar baixar os juros.
Futuro imediato
Lula reúne seu ministério na manhã desta segunda após voltar de viagem ao Maranhão, onde foi acompanhar o socorro às vítimas de enchentes que atingem o estado e deixaram 64 cidades em emergência.
Na terça-feira (11/4), o petista embarca com sua comitiva para a viagem para a China que precisou ser adiada porque ele pegou pneumonia. No país asiático, que é o maior parceiro comercial do Brasil, Lula deve se encontrar com o presidente Xi Jimping, assinar cerca de 20 acordos comerciais e diplomáticos já acertados e participar da cerimônia de posse de Dilma Rousseff como presidente do Banco dos Brics.
Quando voltar da Ásia, na semana que vem, Lula já terá uma ideia mais clara do quão difícil será fazer sua agenda caminhar no Congresso.