Apenas 1 em cada 4 alunos de colégios militares entra por processo seletivo
A grande maioria é parente de militares. A menor proporção de alunos por concurso está em Brasília, onde representam 4,1% das matrículas
atualizado
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A tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de inscrever sua filha mais nova no Colégio Militar de Brasília (CMB) sem passar por processo seletivo trouxe a política educacional do Exército mais uma vez à tona. Os colégios militares estão entre as melhores escolas públicas brasileiras, e, apesar de serem financiados com recursos do Orçamento da União, reservam a grande maioria das vagas para parentes de membros da força.
No último período letivo, apenas um em cada quatro alunos em colégios militares ingressou por concurso, única forma de filhos de civis entrarem em um colégio militar (com exceção da autorização expressa do comandante do Exército). As menores proporções de filhos de civis estão no CMB e no Colégio Militar de Curitiba. Nos dois casos, apenas 4,1% das matrículas são oriundas da prova.
Os números que serviram de base para o cálculo do (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, foram obtidos por meio de um pedido da Lei de Acesso à Informação (LAI).
As regras de acesso a colégios militares estão no Regulamento 69 do Exército Brasileiro. Há três maneiras de conseguir uma vaga nos colégios militares. A primeira é quando o militar se muda de cidade e tem filhos (ou dependentes) com idade escolar. O segundo é por sorteio, que atende dependentes de militares que não se enquadram nas regras do critério anterior. Por fim, há o concurso. A prova é realizada para distribuir as vagas remanescentes no colégio no 6º ano do ensino fundamental e no 1º do ensino médio.
Veja no gráfico a seguir a quantidade de matrículas por colégio militar e modalidade de entrada.
A existência dos colégios militares “tem como justificativa o fato de que os militares mudam muito de localidade”, explica a professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos. Assim, ao se mudarem, os estudantes teriam a certeza de conseguir manter os estudos em dia. Procurado, o Ministério da Defesa não respondeu até o fechamento desta edição.
Essa justificativa, entretanto, não se sustenta, na visão da professora. “Isso não se justifica, porque, como educação é direito, qualquer estudante que muda de estado tem a garantia da vaga [em escola pública regular] para ele no estado em que ele vai”, apontou. Assim, a docente caracteriza a existência dos colégios militares custeados em grande parte com recursos do Orçamento Federal como “um privilégio absurdo”.
Em 2020, pelo menos R$ 65 milhões foram repassados para colégios militares. O valor, entretanto, pode não significar a totalidade dos recursos gastos com as instituições, porque os salários de professores militares podem vir de outras fontes orçamentárias que não permitem a sua discriminação.
Usando o valor de R$ 65 milhões como referência, isso representa um total de R$ 17,5 mil para cada um dos 3,7 mil alunos inscritos em colégios militares. O valor é 363% maior do que o piso do Fundeb de gasto por aluno na educação básica, de R$ 3.768,22.
“É o Ministério da Defesa que banca esse ensino com o dinheiro público, que é nosso dinheiro”, resume a especialista. O maior investimento nas escolas, que vai de salários melhores até uma estrutura mais moderna, além da seleção dos alunos e de outros fatores, faz com que a qualidade dos colégios militares seja maior do que a das escolas públicas normais. Isso funciona como uma propaganda para a militarização das escolas.
“Ninguém discute que as outras escolas militarizadas não vão ter as condições que os colégios militares têm e não vão fazer seleção do público, o que não tem de ser feito. Os elementos de qualidade [ dos colégios militares] não têm a ver com o controle do Exército à frente da instituição”, aponta a acadêmica. “A escola pública deveria pertencer a todos e não apenas a um público.”