Ao menos 35 famílias têm direito de plantar maconha. Anvisa ignora
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu consulta pública na semana passada para ouvir a sociedade sobre o tema
atualizado
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Na semana passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou em consulta pública uma proposta para liberar o cultivo da maconha para fins medicinais e de pesquisa no país. Enquanto isso, quem já tem autorização judicial para o plantio luta para manter e ampliar o direito já conquistado. Atualmente, ao menos uma associação e 35 famílias têm habeas corpus – concedido pela Justiça – para plantar a cannabis, segundo levantamento da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma).
O número de autorizações para plantar a cannabis pode ser maior, pois não há um levantamento oficial do governo. A Anvisa, que em tese é a responsável pelo tema, não tem uma base de dados sobre o assunto. No entanto, o advogado Emílio Figueiredo, integrante da Reforma, explica que quase todos os casos passam por ele, que mantém uma espécie de placar de habeas corpus do Brasil. “Ninguém mais tem esse controle. As pessoas mandam [as decisões judiciais] para eu estar ciente”, conta.
A Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), em João Pessoa (PB), é a única entidade do país e uma das pioneiras por aqui no cultivo da maconha para fins medicinais. A história começou com o diretor e fundador da entidade, Cassiano Teixeira. Ele morou nos Estados Unidos entre 2001 e 2003, onde aprendeu sobre o assunto. Ao retornar, notou que a mãe apresentava os mesmos sintomas de uma tia, que morreu vítima de um câncer.
Ele, então, produziu o óleo a partir da cannabis em casa e os efeitos na mãe foram, na sua avaliação, surpreendentes. A partir disso, Cassiano decidiu importar o produto e ajudar outras pessoas. Apesar de importar desde 2014, somente três anos depois, em 2017, Cassiano conseguiu a autorização judicial para trazer o medicamento ao Brasil. O aumento contínuo do dólar poderia inviabilizar a continuidade do trabalho e, por isso, o diretor da Abrace decidiu começar a produzir o óleo.
Em janeiro de 2017 a associação ajudava 600 famílias. Hoje, são 2 mil beneficiados e 25 funcionários. Agora, a briga é para manter a autorização já conquistada e aumentar a produção para ajudar mais famílias.
“A maior dificuldade é continuar em uma batalha judicial, porque a Anvisa recorreu na Justiça da decisão [que autoriza o plantio]. Nós temos que nos defender o tempo todo para que não haja a cassação da liminar”, relata.
Cassiano tem medo de, caso a agência autorize o plantio no país, o trabalho da associação pode ser inviabilizado devido às exigências que podem vir no bojo da autorização. “O que a gente percebe é que lutamos muito aqui, mas não vamos ser contemplados. Nem as pequenas empresas vão conseguir entrar no mercado”, reclama. De acordo com ele, as demandas da Anvisa excluem as famílias e associações e auxiliam grandes empresas.
Pessoa jurídica
O advogado Emílio Figueiredo esclarece que a consulta pública da agência reguladora para liberação do cultivo da cannabis não vai contemplar aqueles que já têm autorização para isso. “As exigências da Anvisa são para empresas que vão fornecer o produto de forma comercial, o que a associação e as famílias fazem não é comércio. É para o corpo associativo ou para automedicação”, explica.
A consulta pública trata apenas da autorização de cultivo para pessoas jurídicas, o que exclui as famílias que já conseguiram a autorização judicial para a prática. Entre as exigências, a Anvisa determina que o plantio seja feito em casas de vegetação — um ambiente fechado, com acesso controlado e protegido.
Qualquer pessoa, empresa ou entidade poderá se manifestar na consulta pública, que vai até o dia 19 de agosto. Com o fim do prazo, a agência reguladora vai analisar as propostas e pode ainda promover debates a fim de decidir sobre a liberação.
O Palácio do Planalto já se manifestou sobre o tema e, nessa quinta-feira (21/06/2019), informou ser contrário à liberação do plantio de maconha para fins medicinais e de pesquisa, conforme estabelece consulta pública da Anvisa.
Fiscalização
Atualmente, não há um órgão específico para fiscalizar as famílias que têm autorização para o cultivo da cannabis e o trabalho que elas desenvolvem. No caso específico da Abrace, a prestação de contas é feita para o Ministério Público Federal na Paraíba.
O Metrópoles entrou em contato com a Anvisa para saber se há algum tipo de controle por parte da agência reguladora e como ficariam essas famílias caso o cultivo seja regularizado no Brasil, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. Eles destacaram, no entanto, que não mantém dados sobre quem já foi autorizado juridicamente a plantar a erva.
Procurado pela reportagem, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) explicou que não há uma estatística consolidada sobre o tema, pois não existe um detalhamento das decisões judiciais quanto à liberação do plantio da cannabis. O órgão também não tem controle sobre o plantio daqueles que conseguiram autorização uma vez que não tem competência regimental para essa atuação.