Anvisa coloca cultivo e uso medicinal da maconha em consulta pública
Nova regra prevê o plantio restrito a lugares fechados por empresas credenciadas; associações e familiares de pacientes ficam proibidos
atualizado
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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai levar à consulta pública a proposta para liberação do cultivo e da produção de maconha no País para fins medicinais e científicos. A nova regra prevê o plantio restrito a lugares fechados por empresas credenciadas. Associações e familiares de pacientes que, hoje, conseguiram autorizações na Justiça para a produção do extrato de canabidiol, ficam proibidos de manipular a planta.
Atualmente, a Anvisa já permite o registro de medicamentos feitos com substâncias como canabidiol e tetrahidrocannabinol (THC), mas só um produto importado conseguiu a regulamentação até o momento. A maioria dos pacientes que recebe prescrição médica de tratamentos com derivados da cannabis pede à Anvisa autorização para importar o produto. Até o final de 2018, cerca de 6 mil pacientes conseguiram a liberação. O problema, porém, é custo. Um tratamento por três meses chega a R$ 2 mil.
Assim como no modelo canadense, a produção da maconha para fins medicinais não poderá ser ao ar livre. As diretrizes da Anvisa só autorizam o cultivo em ambientes fechados que tiverem sistema de segurança 24 horas por dia e a edificação reforçada com sistema de dupla porta, janela de vidros duplos e paredes e dutos resistentes à invasão. As edificações não poderão ter nenhuma identificação que mostre que se produz a planta no local.
A medida pode inviabilizar financeiramente o pequeno produtor e empresas de startups, já que o custo para produção em plantio de áreas externas, em média em países como o Brasil, é de US$ 0,05 a grama e, indoor ou áreas fechadas, o valor supera US$ 1, segundo empresas ligadas ao setor consultadas pelo Estado.
A normatização proposta pela Anvisa não prevê a necessidade das empresas interessadas na produção de maconha pediram uma autorização específica à Polícia Federal, mas, de acordo com a equipe técnica da agência, durante o processo de licenciamento, a Anvisa vai pedir um parecer da PF para que o órgão autorize o início da licença de produção. Todos os registros terão a validade de dois anos renováveis. Os responsáveis técnicos e administrativos também deverão apresentar atestado de antecedentes criminais.
A venda e entrega das plantas produzidas só poderá ser feita às instituições de pesquisa, fabricante de insumos farmacêuticos e fabricantes de medicamentos. As regras de comercialização impedem, por exemplo, que pessoas físicas tenham acesso à planta de maconha de maneira legal. A medida proíbe ainda que a planta seca seja vendida e entregue para farmácias de manipulação. Até o momento, dez empresas privadas já mostraram interesse em produzir maconha no País, de acordo com a Anvisa.
Para evitar desvios, a Anvisa prevê um sistema de controle do início da produção até o consumidor final. Durante a produção, cada empresa vai ter que apresentar um plano de plantio com a previsão de colheita e produção de insumos. Todo material deverá ser embalado e etiquetado possibilitando o rastreamento eletrônico em todas as etapas do processo. O transporte só poderá ser feito por empresas especializadas e qualquer vai ter que ser comunicados a autoridade imediatamente e ser investigados em até cinco dias.
As regras de registros de medicamentos vão seguir protocolos já existentes na Anvisa. A empresa interessada em produzir terá que fazer a descrição da doença para a qual o medicamento será indicado, a relevância do medicamento para tratamento da doença e comprovação de uso seguro por meio de literatura técnico-científica e testes. É necessária também a comprovação de não haver alternativa terapêutica à doença em que o medicamento atuará. No caso de remédio já registrados em outros países, deve ser apresentado relatório técnico de avaliação do medicamento emitido pelas respectivas autoridades reguladoras estrangeiras.
As empresas que submeterem solicitação de registro de medicamentos terão um prazo de até 30 dias para submeter o dossiê de definição de preço máximo, contados a partir do primeiro dia útil após a publicação do registro do medicamento. Os medicamentos registrados terão prazo de até 365 dias para serem comercializados, contados a partir da data de publicação do registro, sob pena de cancelamento imediato.
Resistência à proposta
A principal resistência à proposta deve vir de dentro do próprio governo. Em maio, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou que seria “irresponsável” por parte da Anvisa liberar o uso de maconha medicinal: “Contra a lei, contra as evidências científicas e contra o Congresso e o Governo brasileiro!!”, disse através do Twitter. Apesar de desde 2006, a legislação prevê a possibilidade de que a União autorizar o cultivo “para fins medicinais e científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização”, o ministro é completamente contra a iniciativa.
Os grupos de trabalhos para a discussão das resoluções técnicas apresentadas nesta terça-feira, 11, foram formados em 2017. A maioria das consultas a órgãos públicos feitas por eles foram realizadas ainda sob a gestão do ex-presidente Michel Temer. Neste ano, apenas o Ministério da Saúde, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a Polícia Federal foram ouvidos através de consultas dirigidas, mecanismos para coleta de dados e informações de agentes envolvidos e afetados pela atuação regulatória.
O Estado apurou que há curso no governo um movimento para retardar a aprovação da proposta. Capitaneado pelo ministro Osmar Terra quer que o presidente Jair Bolsonaro indique um nome ligado à pasta para a vaga em aberto na diretoria da Anvisa. O indicado poderia barrar o andamento da proposta quando terminar a fase das audiências públicas.
Consulta pública
A Anvisa vai levar a proposta a ser submetida a opiniões da indústria, governo, pacientes e qualquer outro interessado no assunto por meio de um formulário no site da agência. Há ainda a possibilidade da realização de audiências públicas sobre o caso.
Após a consulta pública, os técnicos da Anvisa vão avaliar as sugestões e decidir se vai acolher ou não as contribuições sobre o texto e levar novamente o debate à reunião de diretores, para votar então as novas regras sobre o setor.