Anunciada há 1 ano pelo governo, vacina Versamune segue travada
Imunizante ainda não passou pela fase de estudos clínicos e tem enfrentado dificuldades para avançar as etapas da produção
atualizado
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Anunciada há quase 1 ano como uma das apostas do governo federal para combater a pandemia de Covid-19 no Brasil, a vacina Versamune não tem prazo para chegar ao braço dos brasileiros.
O imunizante ainda não passou pela fase de estudos clínicos, e as etapas de fabricação do fármaco têm sido marcadas por dificuldades. A vacina, produzida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e pela empresa Farmacore, foi anunciada em março de 2021 pelo ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Marcos Pontes.
O órgão federal financia o desenvolvimento do projeto, com um investimento de R$ 3,9 milhões, de acordo com dados divulgados no Painel Covid do MCTI. Em junho do ano passado, o governo anunciou que investiria R$ 415 milhões em pesquisas de vacinas nacionais contra o coronavírus.
O anúncio sobre a produção da Versamune ocorreu em 2021, logo após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, divulgarem a produção do imunizante Butanvac, fabricado no laboratório paulistano.
De acordo com a Farmacore, a Versamune usa proteína recombinante do próprio Sars-Cov-2, que causa a Covid-19, com a nanotecnologia da Versamune®, uma tecnologia patenteada para a ativação das células T do sistema imunológico e produção de anticorpos. “A vacina é a composição dos dois produtos, no momento da mistura, o Versamune incorpora a proteína e carrega o antígeno até as células do sistema imunológico”, explica o laboratório.
Atrasos
Desde o início do desenvolvimento, o processo de fabricação da Versamune sofreu duas paralisações. A primeira ocorreu devido à troca de fornecedor da proteína usada como antígeno. A empresa contratada inicialmente não tinha capacidade para aumento de escala na fabricação do insumo, o que motivou a mudança de fornecedor.
A segunda interrupção se deu pela demora na entrega de materiais ao laboratório, após a alteração de fornecedor da proteína. A produção inicial e os testes da vacina chegaram começar, mas precisaram ser suspensos. Em entrevista ao Metrópoles, Helena Faccioli, presidente e CEO da Farmacore Biotecnologia, explicou que a falta de matéria-prima afetou até o envase das vacinas.
“Houve um grande atraso na entrega de matéria-prima em geral, por causa da defasagem na cadeia de suprimentos para o setor de saúde humana, em decorrência da pandemia e escassez mundial desses produtos. Faltaram desde frascos para envase, materiais assépticos para produção, resinas, colunas, reagentes e até peças de equipamentos, utilizadas na fabricação”, afirmou.
Segundo Faccioli, o fornecimento dos materiais foi retomado e o processo voltou a ser conduzido “de forma normal”. No entanto, o laboratório não tem previsão de quando a vacina será finalizada. “Por se tratar de um produto biológico, a produção é demorada e a etapa de controle de qualidade do material final também leva muito tempo”, explica Helena.
O próximo passo é realizar testes no lote recém-produzido. Depois, o laboratório entrará em contato com a Anvisa para redefinir protocolos clínicos e iniciar os testes em humanos. “Não há data prevista para isso”, ressalta Helena.
A expectativa do laboratório era de que os estudos clínicos fossem realizados no Hospital Coração do Brasil (HCor), com 360 voluntários maiores de 18 anos de idade. No entanto, esses critérios também serão reavaliados pela Anvisa.
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Produção nacional
Ao Metrópoles, a professora Anamélia Lorenzetti Bocca, especialista em vacinas e doutora em imunologia, afirmou que a falta de insumos não deveria ser algo comum durante a fabricação de um imunizante. No entanto, ela ressalta que o Brasil não possui estrutura suficiente para atender o mercado de produção nacional. De acordo com a especialista, a maior parte dos fármacos fabricados no país é feita a partir de materiais importados.
Em relatório divulgado em agosto de 2021, a Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abifique) informou que o Brasil produz apenas 5% dos insumos utilizados na fabricação de produtos farmacêuticos.
Com a pandemia, a situação piorou, avalia a docente, que leciona na Universidade de Brasília (UnB). Ela explica que a demanda mundial por insumos sobrecarregou a indústria. Caso as matérias-primas fossem produzidas em território nacional, a escassez poderia ser evitada.
“Nesse meio clínico, você precisa ter um aporte da indústria para fazer o planejamento da produção e realizar entregas. Existe uma competição [entre os mercados]. Se a gente depende do mercado internacional, precisamos estar à mercê deles”, avaliou Anamélia.
Para a pesquisadora, o governo federal deveria investir mais verba na produção de insumos farmacêuticos. Ela avalia que a aposta do MCTI na Versamune foi precipitada e fez parte de uma “corrida política” contra o governo de São Paulo, que anunciou a produção da Butanvac no mesmo período.
“Naquele momento, estávamos tendo uma corrida política para o desenvolvimento dessas vacinas. Todo mundo acabou fazendo uma certa política e o governo anunciou sem ter olhado os pontos que envolvem o desenvolvimento de uma vacina. É preciso ter o apoio do governo na cadeia completa, não pode só dar o dinheiro para os ensaios pré-clínicos”, afirmou a professora.
Outro lado
O Metrópoles procurou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para prestar esclarecimentos sobre o financiamento de vacinas contra a Covid. No entanto, o órgão não respondeu até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.
Em nota, a Anvisa informou que a última reunião com a Farmacore ocorreu em 21 de setembro de 2021. A agência aguarda novas informações para dar seguimento ao processo.