“ANS foi omissa em caso da Prevent Senior”, diz ex-diretora da agência
Maria Stella Gregori, ex-diretora de fiscalização da ANS, critica agência por só tomar providências após relatos da CPI da Pandemia
atualizado
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São Paulo – Primeira diretora de fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e professora da PUC-SP, a advogada Maria Stella Gregori avalia que a atual diretoria da agência foi omissa em relação às denúncias que se acumulavam contra a Prevent Senior desde o ano passado.
“A ANS tinha instrumentos para observar o que estava acontecendo na Prevent Senior desde o ano passado. Tem de entender por que ela não fez isso”, ressalta a professora.
A agência reguladora só fez a primeira apuração na sede da Prevent Senior, em São Paulo, no último dia 17 de setembro. “Pelo que a gente sabe, a ANS começou a tomar providências só depois que a CPI da Pandemia e a imprensa começaram a pressioná-la”, criticou a ex-diretora.
Além de ser atualmente alvo de apuração da ANS, que tenta interrogar médicos e pacientes sobre as práticas da Prevent Senior, a operadora é investigada criminalmente pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do estado de São Paulo. A CPI da Pandemia também analisa as práticas da operadora.
A Câmara Municipal de São Paulo também instalou CPI para investigar a operadora, e a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) vota nesta quarta-feira (6/10) pedido de urgência para que seja instalada também uma comissão na casa.
Confira a entrevista com Maria Stella Gregori, ex-diretora da ANS:
Como você avalia a atuação da ANS diante das acusações contra a Prevent Senior?
A ANS foi omissa, no meu entender, porque é agência reguladora e fiscalizadora. Tem competência, sim, para analisar as acusações feitas contra a Prevent Senior e outras operadoras, como a Hapvida e o Grupo São Francisco. A Resolução 124 da ANS diz que se a operadora adotar práticas irregulares ou nocivas à política de saúde pública fica sujeita à multa de R$ 250 mil ou suspensão dos seus administradores do exercício do cargo por 180 dias. Se houver reincidência, pode ocorrer até inabilitação dos administradores ao exercício do cargo. A ANS tinha instrumentos para observar o que estava acontecendo na Prevent Senior desde o ano passado. Tem de entender por que ela não fez isso. Estou muito assustada de ter visto a inércia da ANS até este momento. A agência tem de ser célere, porque já são quase 600 mil vidas perdidas no Brasil.
Quais motivos a ANS já tinha para atuar desde o ano passado?
Desde o ano passado já ouvíamos falar que receitavam o kit covid (medicamentos como ivermectina e cloroquina que são comprovadamente ineficazes contra a Covid-19). Tenho amigos que eram conveniados, que ligavam para a empresa, faziam teleconsulta, e a empresa falava que ia mandar o kit covid para a residência. Então a ANS tinha de ter perguntado que prática é essa. Mandar um kit covid para a casa do paciente é uma prática completamente abusiva. A ANS trabalha com indícios de infrações. Se percebe que há indícios, abre um processo administrativo. Quando constata efetivamente que há infração, como já observou na questão da falta de informação aos consumidores (pela Prevent Senior), lavra um auto de infração. Pelo que a gente sabe, só agora que a ANS começou a tomar providências, depois que a CPI da Pandemia e a imprensa começaram a pressioná-la.
O que poderia acontecer com a Prevent Senior?
Se a ANS comprovar que efetivamente está com problemas assistenciais na operadora, ela pode determinar a instalação de uma direção técnica, como se fosse um “interventor”, para analisar o que está ocorrendo dentro da empresa. Se porventura em 180 dias, depois do relatório desse interventor, for constatado que não há condições de prestar o serviço, a empresa pode ser liquidada extrajudicialmente. Se por ventura isso ocorrer, consumidores não ficariam desassistidos se a ANS tomasse uma medida drástica como liquidação extrajudicial, porque a agência determinaria a portabilidade das carências. Outras operadoras assumiriam esses consumidores.
Com tudo que está sendo denunciado, há algo que chame atenção no modelo de negócio da Prevent direcionado aos idosos?
Sabe-se que empresas verticalizadas (donas de rede própria) têm menor custo, porque são elas que administram toda cadeia da prestação de serviço. O modelo em si nesse aspecto não há problema nenhum, desde que obedecendo as regras. Sabe-se que quem mais usa planos de saúde são as pessoas mais idosas. Aí é questão de a ANS olhar atentamente essas questões. No depoimento da advogada de 12 ex-médicos da Prevent Senior à CPI da Pandemia, ela disse que os executivos estavam sossegados, porque sabiam que órgãos reguladores não iriam fazer nada.
Como pode ficar configurada a responsabilidade da diretoria da ANS em caso de omissão?
Em relação ao consumidor, a responsabilidade da ANS é objetiva (não é preciso provar intenção ou dolo). A ANS também é responsável por prestar serviços adequados. Como órgão do Estado, não é preciso demonstrar negligência, imperícia ou imprudência dos diretores da agência para que sejam responsáveis juridicamente pelo que aconteceu. Por isso tem de investigar a ANS também e ainda o Conselho Federal de Medicina (CFM) por tudo o que aconteceu.