Anatel contribuirá no combate às fake news nas eleições de 2024
O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, concedeu entrevista ao Metrópoles e falou sobre eleições, combate a chamadas falsas e concurso
atualizado
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A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai atuar junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no combate às fake news em um ano eleitoral em que o maior desafio será o uso de inteligência artificial por candidatos aos cargos municipais.
O presidente da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, concedeu entrevista ao Metrópoles e falou sobre os desafios de atuar junto à Corte e da necessidade de haver celeridade no cumprimento de decisões judiciais a fim de garantir a chegada de informações corretas ao eleitor.
Baigorri ressaltou que a Anatel terá um “sistema 2.0” para remover fake news das redes a partir de decisões da Corte Eleitoral. Após fechar parceria com o TSE, em dezembro de 2023, a equipe de fiscalização da Anatel, que é a responsável por cumprir as determinações, se prepara para a total integração do sistema até o período de campanha e das eleições de 2024.
Durante a entrevista, Baigorri ressaltou que todo o processo de imprimir papel, enviar por meio de um oficial de Justiça, seguir todo o trâmite físico, como esperar por uma assinatura, enfrentar trânsito e outros, deixava o processo moroso. Agora, tudo será via sistema, integrado com as decisões dos juízes e ministros da Corte eleitoral, de forma eletrônica.
Veja trecho da entrevista:
O presidente da Anatel ainda tratou de outros temas, como projetos de lei, capacitação para inteligência artificial, concurso público e sistema para bloqueio de chamadas falsas.
Assista à entrevista na íntegra:
Leia a entrevista:
Repórter: Começo a entrevista com um tema que vai ser muito comum esse ano, que são as eleições municipais de 2024 e inteligência artificial. A gente tem uma nova regulamentação aprovada pelo TSE. É uma regulamentação inovadora, e eu queria saber como a Anatel vai atuar junto ao teste para fazer valer essas regras.
Carlos Baigorri: A Anatel já tem um acordo de cooperação técnica com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde o ano passado e, recentemente, nós fomos convidados pelo presidente e ministro Alexandre de Moraes para compor o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde).
A nossa participação nesse processo é de dar cumprimento às decisões judiciais emanadas pela Justiça Eleitoral, que são de bloqueio de sites e aplicativos, após o entendimento, pela Justiça Eleitoral, que estão atentando contra a democracia e contra o processo eleitoral.
Recebida uma decisão judicial, conforme aconteceu no último processo eleitoral, a Anatel atua junto às operadoras de telecomunicações para que elas impeçam o acesso dos seus clientes, dos seus consumidores, a esses sites que estão atentando contra a democracia.
Repórter: Desde o ano passado, a Anatel vem conversando com o TSE, se preparando para cumprir essas decisões judiciais. O senhor poderia explicar como é essa migração desse sistema 1.0 que a Anatel tinha anteriormente para o 2.0, que vai entrar em ação agora?
Calos Baigorri: No processo eleitoral de 2022, nós fomos assim, digamos, surpreendidos com diversas decisões judiciais que estavam chegando à Anatel por meio de oficiais de Justiça, onde trazia se ali, na decisão judicial, a necessidade e a determinação para que sites e aplicativos fossem retirados do ar. E nós demos cumprimento a essas decisões.
Foram diversas decisões da Justiça Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. E nós demos e tivemos de atuar junto às operadoras, e nós não estávamos preparados para isso. Depois, passado o processo eleitoral de 2022, nós percebemos que havia espaço de melhoria nesse fluxo de comunicação. Porque quando a gente pensa no processo eleitoral e no potencial lesivo que a desinformação tem para o cidadão, para o eleitor, a retirada do ar desses conteúdos, desses sites, dessas aplicações não pode demorar, se não ela afeta o processo eleitoral.
E, nesse sentido, as decisões judiciais sempre vinham com determinação para cumprimento imediato. Cumprimento em duas horas, cumprimento em uma hora. O que a gente percebeu é que esse funcionamento, digamos assim, analógico do fluxo de comunicação, não era o ideal.
Repórter: Como funcionava e como está sendo feita a migração?
Carlos Baigorri: Justiça Eleitoral ou qualquer juiz tomava uma decisão, imprimia, literalmente, num papel essa decisão judicial. O oficial de Justiça recebia, pegava esse envelope, se deslocava até o Setor de Autarquias, onde fica a sede da Anatel. Tinha que se cadastrar, subir até o 10º andar e aguardar que alguém recebesse essa decisão judicial. E tinha que ser entregue a mim ou alguém ou qualquer outro que tivesse competência para isso.
A pessoa recebia essa decisão, o envelope, abria, assinava, tinha de ir lá escanear, colocar no eletrônico da Anatel para que a decisão fosse, digamos assim, para que a gente desse efetividade a decisão. Só que quando se está falando de um processo de cumprimento de duas horas, um processo de desinformação, no processo eleitoral, todo esse fluxo de oficial de justiça ficar aguardando na salinha, imprimir e scanear não faz sentido.
Nesse intuito, eu procurei o presidente, ministro Alexandre de Moraes, para que a gente utilizasse sistemas digitais para enfrentar problemas digitais. Então, a partir daí, foi feita uma integração entre o sistema, o sistema de processo eletrônico da Justiça Eleitoral, com o sistema de processo eletrônico da Anatel, para que a gente não precise maisde todo esse tempo.
Basicamente, a Justiça Eleitoral vai tomar uma decisão. Ato contínuo nós já vamos ser comunicados dessa decisão judicial e, ato contínuo, já vamos dar efetividade a ela por meio de interação com as operadoras de telecomunicações.
Bloqueio de chamadas
Metrópoles: O senhor poderia fazer uma avaliação do Não Me Perturbe?
Baigorri: Os números são abissais. Mas, com as medidas de bloqueio dos números que estão fazendo chamadas abusivas, a gente conseguiu evitar da ordem de dezenas de bilhões de chamadas.
A gente identificou quais eram os números que estavam usando o robô para fazer chamadas massivas e começamos a bloquear da rede. Essa chamada não vai trafegar na rede. E isso cortou, digamos assim, o grosso. Ainda existem muitas chamadas acontecendo. O “Não Me Perturbe” é importante, ele tem uma limitação de quem ali consulta aquela base.
Metrópoles: As ligações de 0300 ainda continuam a chegar no meu celular…
Baigorri: Só as empresas de telecomunicações e outros setores que, se não me engano, do setor bancário, aderiram ao Não Me Perturbe. Mas, se você pensar em lojas do varejo, faculdades e outros, eles não estão no Não Me Perturbe. Ele é um bloqueio para um conjunto específico de empresas, digamos assim.
Nós estamos atuando para mudar isso e, em breve, está anunciado para o dia 27, nós vamos começar os testes com uma solução de autenticação de chamadas para impedir que as pessoas marquem os números da chamada.
Você recebe uma ligação do Banco do Brasil, por exemplo. Acho que é 4004-0001, alguma coisa assim. E aí você fala: “É o Banco do Brasil me ligando”. Você atende, e não é o Banco do Brasil, é um fraudador, o golpista que se faz passar pelo Banco do Brasil para te dar um golpe.
Ele faz o que se chama spoofing, quando você maquia o número que está fazendo a chamada. Então, esse fraudador aqui do meu exemplo, ele não está ligando da central do Banco do Brasil, está ligando um número qualquer, mas ele vai lá e é quando você vê a chamada, aparece 4004-0001 e você acha que é o Banco do Brasil.
Essa possibilidade de mudar o número, de maquiar o número que está efetivamente fazendo a chamada, é um tipo de fraude. E aí nós estamos implementando uma solução de autenticação de chamadas para impedir que isso aconteça. É um sistema chamado stir shaken, que é uma tecnologia. Nós estamos implantando-a no Brasil. Estamos ainda em fase de testes, mas, em breve, você vai ter certeza que se aparece 4004 zero zero um no seu telefone, aquele número é do Banco do Brasil.
Concurso público
Repórter: Qual a ideia desse concurso de 2024?
Carlos Baigorri: Nesse concurso público, estamos contratando 50 especialistas em regulação. Estamos exigindo questões de inteligência, de inteligência artificial, de plataformas, de desinformação, de fake news, justamente preparando o nosso quadro técnico para esses desafios que estão postos.
Querendo ou não, a sociedade como um todo e o Estado brasileiro vão ter de lidar com isso. E, como a Anatel tem sido chamada para lidar com essa situação, com esses problemas, nós precisamos ter um quadro técnico preparado para isso.
Repórter: A prova tem previsão de chamada imediata? Como é que está a situação do concurso?
Carlos Baigorri: A gente tem 50 vagas aprovadas. Assim que tiver o concurso público, a prova e a homologação do resultado, nós já vamos chamá-los. A gente está com o menor quadro da história da Anatel, então nós estamos precisando urgentemente desses servidores, não só pela quantidade, não só pelo quadro nosso que está bastante reduzido, mas também pela questão de nós estarmos precisamos de servidores novos com essa visão mais ampliada.
Repórter: Qual o perfil do servidor?
Carlos Baigorri: O perfil desse concurso agora foge um pouco ao perfil tradicional dos concursos anteriores da Anatel. A gente está saindo daquele tradicional de legislação específica, economia e engenharia, e indo para habilidades mais amplas, como as que eu mencionei aqui: de democracia, de redes sociais e de plataformas digitais, de inteligência artificial.
Querendo ou não, esse ecossistema, essas relações estão ficando cada vez mais fluidas. As barreiras que separavam telecomunicações de plataformas digitais estão ficando cada vez menos claras e as coisas começam a se misturar. A gente se encontrou lá na conferência de Barcelona, no MWC (Mobile World Congress) e, se você perceber, a principal pauta no MWC em Barcelona é inteligência artificial.
Esse mercado, esse grande ecossistema digital, está ficando cada vez mais misturado. E nós precisamos ter servidores que consigam entender o funcionamento desse ecossistema como um todo.
Repórter: É uma demanda global, não é uma demanda só do Brasil. Pelo que entendi em Barcelona precisamos entender como avançar em nosso ecossistema.
Carlos Baigorri: Com certeza. Esse ecossistema, esse mercado não existe só no Brasil, existe em todo o mundo, e é importante. Esse é um grande debate no âmbito internacional e é um desafio global. Como você colocou, seria importante ter uma regulamentação o mais transversal possível entre os países. Afinal, se cada país tiver uma regra, você começa a criar custos que inviabilizam o próprio funcionamento da rede. Quanto mais harmonizada for a regulamentação, as regras, isso é melhor para todo o globo.
Quanto mais harmonizada for a regulamentação desses sistemas, que são transnacionais, como inteligência artificial, plataformas digitais, melhor para o ecossistema como um todo.
Repórter: Esses 50 profissionais que vão ser selecionados, eles sanam o déficit da Anatel, ou qual que é hoje a necessidade de pessoal?
Carlos Baigorri: O governo foi muito, muito sensível ao nosso pleito. O Ministério da Gestão e Inovação, a ministra Esther (Dweck), foi muito sensível ao nosso pleito, e nós estamos tendo essa recomposição da nossa força de trabalho. Mesmo com essas contratações, vamos estar no menor nível de força de trabalho da história da agência, cada vez com desafios maiores. Mas nós precisamos reconhecer que o governo tem desafios muito grandes em todas as áreas.