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Anamatra: reforma trabalhista colocou Brasil em lista negra da OIT

Para Noemia Porto, presidente da associação, inclusão do país entre os que violam leis internacionais expõe falta de dignidade trabalhista

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Alessandro Dias/Anamatra
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1 de 1 Noemia-Aparecida-Garcia-Porto-presidente-Anamatra - Foto: Alessandro Dias/Anamatra

Representantes de empregadores e trabalhadores, reunidos na 108ª Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra (Suíça), definiram nesta terça-feira (11/06/2019) a chamada “lista curta”, uma espécie de lista negra que elenca países denunciados por violar normas internacionais do trabalho. Para o Brasil, é uma má notícia: o país continua a figurar neste rol, ao lado de nomes como Etiópia, Iraque, Nicarágua, Tajiquistão, Bielorrúsia, Bolívia, Cazaquistão e Laos, entre outros.

Esses países e mais 14 estão na lista por serem alvos de 24 denúncias consideradas a mais graves de uma primeira seleção feita pelos representantes de entidades patronais e de trabalhadores – a lista longa.

É um grupo que contém 40 casos previamente selecionados dentre as centenas que a OIT recebe anualmente. Uma vez incluídos na lista curta, os países serão analisadas pela Comissão de Aplicação de Normas da organização. Todos vão ser convocados a defender seus interesses perante a comissão.

“O Brasil cerrando fileiras com esses países é muito preocupante”, alerta a juíza Noemia Porto, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). “Estamos muito preocupados. Isto expõe a falta de dignidade trabalhista”.

Para a magistrada, a permanência do Brasil nessa espécie de lista negra da OIT é um reflexo da reforma trabalhista implementada pelo governo Michel Temer (MDB). Segundo ela, já em 2018 a Anamatra enviou à OIT vários documentos que atestavam o impacto negativo da nova legislação trabalhista, com informações levantadas durante o XIX Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Conamat.

Em novembro do ano passado, a associação repassou a peritos da OIT um relatório com dados sobre o primeiro ano de vigência da reforma trabalhista. Tais dados se somaram às informações do Conamat e originaram uma nova Nota Técnica da instituição, que foi enviada à 108ª Conferência Internacional da OIT.

“O que mais nos preocupa no impacto da reforma no mundo trabalhista é a falta de acesso à Justiça do Trabalho”, afirma Noemia. “Dá a impressão de que os conflitos diminuíram. Pelo contrário: eles permanecem. Mas estão fora dos olhos da justiça”, complementa.

Um outro ponto que chama a atenção, observa a juíza, é a falta de orçamento imposta à Justiça do Trabalho. “Quando se enfraquece a justiça trabalhista, quem perde é a sociedade”, observa.

Ineditismo
Para a magistrada, não é surpresa a presença do Brasil ao lado de países com baixíssimo nível de desenvolvimento humano, como a Etiópia (173º lugar no ranking da ONU). Ela relembra que, em 2017, houve um “ineditismo”, com o país configurando pela primeira vez na lista longa.

Em 2018/19, o Brasil entra definitivamente na lista curta. “Sempre se disse que a reforma trabalhista era moderna”, ressalta Noemia Porto. “Mas o que ela provocou foi uma espécie de desafiliação social dos trabalhadores”. Ou seja, segundo o raciocínio da juíza, as novas leis deixaram o trabalhador à margem de um amparo técnico-jurídico.

“A reforma tem estimulado contratações atípicas, como a pejotização e o trabalho intermitente. Isso causa o empobrecimento do salário”, observa a presidente da Anamatra.

A nota técnica enviada para a OIT, a Anamatra informa sobre os 18 meses de vigência da reforma trabalhista e contém, além dos dados oficiais citados, as sínteses dos relatórios dos peritos da OIT para as 106ª, 107ª e 108ª Conferências Internacionais do Trabalho, dos anos de 2017, 2018 e 2019, respectivamente, nas quais houve a inclusão do “caso Brasil”.

Alterar a legislação
De acordo com os relatórios, a reforma viola as Convenções nº 98, nº 151 e nº 154 da OIT, especialmente os artigos 611-A e 611-B da CLT, por não especificarem as matérias sobre as quais as negociações coletivas podem alterar a legislação trabalhista e com que alcance.

Entre outros pontos, a Anamatra repassou para a OIT as seguintes impressões – entre outras – sobre o atual contexto em que se encontram inseridas as relações de trabalho, devido às recentes alterações legislativas:

  • O desemprego atinge 13,4% dos brasileiros;
  • Ocorreram demissões em massa, com sinalização de contratação de trabalhadores como intermitentes ou autônomos;
  • A extrema pobreza entre os brasileiros aumentou de 25,7% para 26,5% entre 2016 e 2017, tendo como causas o desemprego e o aumento da informalidade;
  • Houve queda de 34% das ações na Justiça do Trabalho brasileira no ano de 2018, face às restrições do acesso à Justiça, o que também diminuiu a arrecadação de custas e contribuições previdenciárias e colocou em dúvida a própria sobrevivência institucional desse ramo especializado do Poder Judiciário;
  • Os juízes do Trabalho foram ameaçados em sua independência judicial, caso não aplicassem a reforma trabalhista de forma literal, ainda que com base na Constituição e em normas internacionais do trabalho, inclusive com ameaça de extinção da Justiça do Trabalho;
  • A reforma trabalhista criou o princípio da intervenção judicial mínima na vontade coletiva, para impor que os juízes do Trabalho apenas apreciam questões formais dos instrumentos coletivos, sem a análise sobre possíveis violações à lei, à Constituição e a normas internacionais, o que também viola o princípio da independência judicial;
  • A pejotização ou o incentivo à contratação como trabalhador autônomo ou pessoa jurídica, vem sendo motivo de preocupação entre os especialistas pela queda na arrecadação da Previdência Social, já que os ocupados, sem a devida proteção social, representam 52,6% da população, inclusive os trabalhadores vinculados a plataformas digitais, enquanto que os trabalhadores com CTPS anotada somam apenas 38,9%;
  • Em 2018 a sindicalização teve o seu menor índice no período de 6 anos;
  • O Ministério do Trabalho e Emprego foi extinto em 2019, enquanto órgão autônomo e especializado, ficando a Inspeção do Trabalho vinculada ao Ministério da Economia, pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

Péssima estratégia
Sobre o governo Jair Bolsonaro (PSL), a Anamatra não o vê com otimismo. Segundo Noemia Porto, a atual gestão adota a mesma estratégia do governo anterior, que é a de atacar peritos trabalhistas e desqualificar a própria OIT. “É uma péssima estratégia”, avalia a juíza.

Para ela, o Brasil deveria buscar aprender com a discussão internacional, empreender uma autocrítica e ver onde estão os equívocos. “Isso melhoraria em muito a nossa legislação trabalhista”, diz. (Com Agência Brasil)

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