Análise: onde foi parar a tal da política externa “sem ideologia”?
Ao brigar com a ex-presidente chilena Michelle Bachelet e ser repreendido pelo direitista Piñera, Bolsonaro sente o peso da sua ideologia
atualizado
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Quando o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito, sua promessa era montar uma política externa sem ideologias. O compromisso sinalizava um fim à estratégia Sul-Sul, colocada em prática pelo PT. Na época, o partido de Lula pregava que se fortalecessem os laços comerciais entre países do chamado Terceiro Mundo.
A iniciativa deu certo por algum tempo, sobretudo durante a crise de 2008, quando os países ricos enfrentavam graves crises econômicas. Havia ideologia, mas havia também uma noção de oportunidade.
Como efeito colateral, grandes parceiros econômicos do Brasil, como os Estados Unidos, receberam pouca atenção. Somado a isso, muitos viam nessa política uma forma de o partido desviar recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que passou a financiar obras em solo dos novos parceiros.
Frente a essas denúncias, algumas sendo apuradas e outras tantas depuradas, Bolsonaro pregou acabar com a relação Sul-Sul. Sobretudo na campanha, ele apontou para uma política pragmática. Aprofundar a relação com parceiros econômicos e foco em resultados.
O discurso começou a cair por terra antes da posse. Influenciado pelo professor de seus filhos, o escritor Olavo de Carvalho, passou a encontrar toda a sorte de defeitos na China, maior parceiro econômico do Brasil. As razões eram superficiais, baseadas em teorias da conspiração.
Na sequência, os alvos foram os países árabes. Próximo a Israel, Bolsonaro quase rifou alguns dos maiores compradores de carne brasileira ao propor a mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv, capital internacional, para Jerusalém, capital religiosa. Pesou a ideologia de parte dos evangélicos, que apoiaram a sua candidatura. E o pragmatismo econômico novamente ficou em segundo plano.
Nas últimas semanas, após a sinalização de um acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, esse, sim, digno de ser chamado de “pragmático” pelas oportunidades de negócios que poderia trazer ao país, Bolsonaro fez uma nova imersão nas proposições ideológicas.
Brigou com Emmanuel Macron, da França, como se estivesse na quinta série. No lugar de “xingar” a mãe, provocou a esposa. Elogiou ditadores que, em seus países, são repudiados pela direita e pela esquerda. Confundiu conservadorismo com atraso e recebeu reprimendas de políticos do mesmo espectro ideológico que ele.
Nesta quarta-feira (04/09/2019), após trocar ofensas com a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, de esquerda, e fazer insinuações sobre o destino do seu pai, morto pelo ditador Augusto Pinochet, que recebeu seus elogios, ouviu uma resposta de Sebastián Piñera, o presidente direitista do Chile.
“Não compartilho em absoluto com a alusão feita pelo presidente Bolsonaro a respeito de uma ex-presidente do Chile [Bachelet] e, especialmente, em um tema tão doloroso como a morte de seu pai”, rebateu.
Uma frase atribuída ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Luís Eduardo Magalhães simboliza bem o movimento do Bolsonarismo. Teria dito o político: “Quando o PT chegar ao poder, eles vão fazer tudo que a gente faz e tudo que eles acham que a gente faz”.
O PT atribuía toda a sorte de corrupções ao governo de Fernando Henrique Cardoso, mas, ao longo dos seus governos, a roubalheira passou a constar com maior frequência os noticiários.
Bolsonaro não apenas manteve laços ideológicos na condução da política externa, como fazia o PT. Ele foi adiante e fez o que acha que o PT fazia. Modulou a política externa na ideologia. Mesmo que isso custe a imagem do Brasil.