Amiloidose hereditária: 50 pessoas pedem à Justiça tratamento adequado
Medicamento Tafamidis pode ser usado, mas só é eficaz para pacientes que estão na primeira fase da doença
atualizado
Compartilhar notícia
Pacientes com amiloidose hereditária (PAF-TTR), doença genética rara e degenerativa, precisam enfrentar, no Brasil, entraves burocráticos com as entidades governamentais para definir o valor da comercialização de dois medicamentos no país e dessa forma, ter acesso a uma melhor qualidade de vida.
Já existe um medicamento no Brasil para tratar a amiloidose, o Tafamidis, mas ele só é eficaz para pacientes que estão no primeiro estágio da doença. “Há casos em que a doença já está em outro estágio, exigindo uma nova terapia, enquanto a primeira ainda não foi disponibilizada”, diz Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.
Os medicamentos para esses outros estágios já existem: o Tegsedi (inotersena) e o Onpattro (patisirana). Inclusive, de acordo com Amira, esses remédios já passaram pelo aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas estão parados enquanto a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) não decide o quanto custarão.
“Pessoas estão morrendo por falta de medicamentos, enquanto há mais de um ano a CMED calcula a base do preço dos remédios”, relata Amira.
“O órgão utilizou como base comparativa o preço de um medicamento já aprovado no país, considerando apenas a indicação de acordo com o estágio da doença, não incluindo os avanços tecnológicos envolvidos no seu desenvolvimento”, conta.
Segundo Amira Awada, cerca de 50 pacientes com amiloidose hereditária já entraram na Justiça para conseguir esses novos medicamentos e, no Brasil, por volta de 150 pessoas lidam com a doença.
Alteração genética
A amiloidose hereditária associada à transtirretina é causada por uma alteração no gene TTR, levando à formação de fibrilas anormais da proteína que se depositam nos órgãos na forma de amiloide. Essas fibras insolúveis, ao se aglomerarem no tecido extracelular de vários órgãos, comprometem suas funções.
No sistema nervoso periférico causam perda de sensibilidade, fraqueza e atrofia. Se não tratada corretamente, a amiloidose pode levar à morte em até 10 anos após o início dos sintomas, sendo menos de 5 anos para quadros de acometimento cardíaco.
Para se ter acesso a um novo medicamento ou tratamento existe todo um processo, que começa com o registro sanitário na Anvisa. Depois, vem a definição de valores na CMED, para posteriormente ser possível solicitar à Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) a incorporação do medicamento no Sistema Único de Saúde (SUS).
Na rede privada, é necessário ainda solicitar sua inclusão no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O desabafo
Moradora de uma fazenda em Jânio Quadros, no interior da Bahia, Maria Gomes, de 53 anos, convive com a falta de recursos e medicamentos necessários para tratar a amiloidose.
“Tem uns cinco anos que eu descobri que tinha essa doença, então eu não ando mais. Eu sinto muito problema, eu tenho pressão alta, sinto muita tontura e dor nas pernas. Já tem uns quatro anos que estou esperando o remédio e não chegou ainda”, diz dona Maria, que está no quadro avançado da amiloidose.
Como a doença é hereditária, dona Maria viu outros integrantes de sua família lidar com a amiloidose: “Tenho um bocado de parente que tem esse problema, mas eles já estão tomando o remédio porque foram para São Paulo. Já eu não recebi porque não aguento a viagem. Tenho dois irmãos que já morreram dessa doença”, conta.
Apesar das dificuldades, dona Maria continua perseverante: “Eu sempre passo no médico e ele fala que logo vai chegar [o remédio], mas não chegou ainda, não. Sem o medicamento, a doença piorou muito. Eu conseguia andar e agora só ando segurando no andador”.
“Desejo que venha logo para eu tomar, já morreram dois irmãos meus com esse problema. O medicamento é muito importante para que eu tenha uma melhora”, diz.
Veja o relato:
Dia após dia
Sarifa do Socorro, de 61 anos, moradora de Manuas (AM), lida com a doença desde 2016 e atualmente se encontra na fase 3. O descobrimento tardio da amiloidose hereditária fez com que as consequências se espalhassem bem rápido.
“Comecei a sentir os primeiros sintomas em 2016 e procurei ajuda médica. Ninguém sabia o que eu tinha e em outubro de 2017 eu já estava na cadeira de rodas. É uma doença bem rara: quando fui diagnosticada, o médico precisou me explicar como funcionava”, diz.
Como é uma doença hereditária, o irmão de Sarifa também foi diagnosticado com a amiloidose. “A dele começou na medula e a minha, no intestino. Eu e ele entramos em uma pesquisa e descobrimos a medicação”.
Eles tomam o Tafamidis, mas é uma medicação indicada somente para o estágio 1. “Se chegar essa nova medicação, acredito que terei uma qualidade de vida melhor. A esperança é a última que morre. Eu tenho muita fé em Deus, faço os meus pedidos todo santo dia”, diz Sarifa.
E mesmo na pandemia, dona Sarifa conta que não está parada. “Não deixei isso e nem o isolamento afetarem o meu psicológico. Todo dia acordo, faço as minhas orações, leio um livro de autoajuda. Acredito que o estrago que a doença deveria fazer ela já fez. Agora é pensamento positivo e acreditar que esse remédio virá”.
Futuro incerto
Hilton Sigalis, de 50 anos, está no estágio 1 e utiliza o medicamento já disponível no Brasil. Mas ele sabe que se a doença evoluir, não haverá tratamento. “Fui diagnosticado em 2016 e eu passei a utilizar o Tafamidis em 2017. Faço o uso pelo SUS e é bom para atuar na fase inicial da doença”, ressalta.
Sigalis conta como a doença afetou a família: “Meu pai foi portador, mas a família toda desconheceu o que ele tinha. Afinal, ficou 12 anos sem um diagnóstico, colocou marcapasso, fez hemodiálise e ficou cadeirante. Em uma ida ao hospital eu acompanhei ele e, de prontidão, o médico pensou se eu sentia alguma coisa. Falei que sentia dores na perna e o doutor pediu para fazer um teste genético. Então, levei características do meu pai e fotos, até que o teste deu positivo para amiloidose”.
“Os sintomas começam a disparar muito rápido, por isso que o diagnóstico precoce é importante. Eles só receitam a medicação se tiver no início do sintoma”, afirma Sigalis.
Sendo também representante da Associação Brasileira de Paramiloidose (Abpar), Hilton Sigalis ressalta que as medicações reivindicadas aqui no Brasil já estão sendo utilizadas em outros países. “Essa é a luta que defendemos, precisamos disso”, afirma.
Outro lado
O Metrópoles procurou a CMED por meio do Ministério da Saúde e pela Anvisa, mas até agora não houve retorno. O espaço segue aberto.
Petição para ter acesso a novas terapias
A Associação de Brasileira de Paramiloidose (ABPAR), em parceria com o Instituto Vidas Raras (IVR), busca por 1 milhão de assinaturas em petição on-line, para que a CMED reveja a classificação e a precificação de novas terapias.