Amil: instituto de seguro diz que troca na gestão de planos é absurda
“Cessão de carteira virou solução para safarem-se os empresários que faturaram mais do que deveriam”, critica Ernesto Tzirulnik
atualizado
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O presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS), Ernesto Tzirulnik, criticou a recente troca na gestão de 337 mil planos de saúde individuais da Amil. Agora, a deficitária carteira está nas mãos do empresário sérvio Nikola Lukic, de 36 anos.
Em janeiro, a Assistência Personalizada à Saúde (APS), operadora que possui apenas 11 mil usuários, assumiu os contratos da Amil. Ambas pertencem ao grupo UnitedHealth, que garantiu que todos os “benefícios continuam plenamente assegurados”. No entanto, o controle da APS foi transferido recentemente para a Fiord Capital, empresa de Lukic.
O Metrópoles revelou que o dono da Fiord Capital é acusado por cotista de um fundo de investimento gerido por ele de conflito de interesses, em um caso que envolve a recuperação judicial da Ricardo Eletro e que pode ter causado prejuízo de R$ 250 milhões ao investidor.
“Isso é um absurdo. O que vemos é um pais com seguros em geral e assistência privada à saúde sem governo nenhum. Onde estão ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] e Susep [Superintendência de Seguros Privados] nessa hora? O Brasil está se tornando um lugar de lucro fácil e de sacrifícios sociais e de consumidores. Quem ganha são os especuladores sem limites, impunes e festejados, e agentes públicos socializados pelo mercado inescrupuloso”, disparou Tzirulnik, em comentário enviado ao Metrópoles, nesta segunda-feira (7/2).
“A cessão de carteira virou solução para safarem-se os empresários que faturaram mais do que deveriam e não querem devolver os falsos resultados aos grupos de consumidores. Falta aplicar bem a lei, aperfeiçoar o sistema normativo, e falta governo”, prosseguiu o presidente do IBDS.
Denúncia
Lukic também foi sócio da Starboard, grupo especializado na recuperação de empresas em dificuldades, e esteve à frente da gestão dos fundos Titânio XV e Titânio 01 — que figuram no centro de uma disputa relacionada ao processo de recuperação judicial da Ricardo Eletro.
Lukic, a Starboard e outros sócios do grupo são acusados de fraude pela Siri Comércio e Serviços Ltda, que detém 41,5% das cotas do Titânio XV.
Ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), a Siri apontou suposta manipulação da Starboard e da empresa Socopa, administradora do Titânio XV, em uma assembleia realizada em outubro de 2020, para que fosse aprovada proposta de quitação de dívida de R$ 250 milhões do grupo Máquina de Vendas, detentora da Ricardo Eletro, com o fundo.
O valor de R$ 250 milhões se refere à debênture de uma outra empresa do grupo Máquina de Vendas e que foi adquirida, em 2019, por um dos fundos geridos por Lukic. Em agosto de 2020, a Ricardo Eletro entrou em recuperação judicial. Dois meses depois, no entanto, a assembleia do Titânio XV teria ignorado garantias e considerado quitada a dívida da debênture em troca de créditos potenciais da Ricardo Eletro em ações judiciais.
“A administradora e a gestora do fundo deixaram de registrar as alienações fiduciárias dos imóveis, não remeteram os recebíveis cedidos para as contas vinculadas e aceitaram como garantia bens já gravados por outros débitos”, assinalou a Siri, em decisão à qual o Metrópoles teve acesso.
Além disso, a cotista levanta suspeitas sobre a saída, em julho de 2020, do empresário Pedro Bianchi do quadro societário da Starboard para se tornar CEO da Máquina de Vendas, o que revelaria suposto conflito de interesse, “na medida em que o credor [Starboard] frustrado passou a integrar a direção da devedora”.
Em setembro de 2020, a Siri obteve uma decisão favorável sobre o caso. O juiz Christopher Alexander Roisin, do Tribunal de Justiça de SP, condenou Lukic, a Starboard, a Socopa e outros sócios a apresentarem documentos para fundamentar futura ação indenizatória pelo descumprimento dos deveres de diligência e lealdade na gestão do fundo.
O magistrado também determinou o envio de ofício à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a suspeita de atuação em conflito de interesse pelas partes.
Em março do ano passado, a Siri conseguiu, também, uma liminar na Justiça para suspender os efeitos da assembleia do fundo Tinânio XV.
“Siri tenta criar o caos”
Fontes ligadas à Starboard destacaram que a Siri tenta “criar o caos para obter vantagem indevida”.
Essas pessoas negam qualquer conflito de interesse no caso e que a assembleia foi manipulada. Afirmam, também, que Pedro Bianchi foi para a Máquina de Vendas por uma decisão pessoal, com o objetivo de tirar o grupo do buraco e transformá-lo em uma “nova Magazine Luiza”.
“Mas a pandemia do novo coronavírus prejudicou fortemente o grupo Máquina de Vendas; Além disso, o Ricardo Nunes, fundador da Ricardo Eletro, foi preso em julho de 2020, devido a uma operação que investigava sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Então, agora a Siri, fingindo que desconhecia o investimento que fez, está tentando receber o valor que entende que lhe cabe antes dos demais cotistas do fundo”, disse uma fonte ligada à Starboard, em conversa com o Metrópoles.
A Siri foi um dos maiores fornecedores de celulares da Ricardo Eletro e, ao entrar no fundo, aportou quase R$ 100 milhões em créditos vencidos.
Planos da Amil
Em comunicado, o UnitedHealth Group Brasil informa que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou, em 22 de dezembro de 2021, a transferência de parte da carteira de beneficiários de planos individuais da Amil para a operadora Assistência Personalizada à Saúde (APS).
“Nada muda para os beneficiários, que continuam sendo atendidos pela mesma rede credenciada, amparados pelas mesmas condições das prestações de serviços contratadas, com os mesmos valores de mensalidade e sob as mesmas regras da agência reguladora”, informou a Amil. De acordo com o jornal O Globo, a UnitedHealth vai desembolsar cerca de R$ 3 bilhões para se desfazer da carteira.
O controle da APS está agora com a Fiord Capital, do empresário sérvio Nikola Lukic. A informação foi antecipada pelo colunista Lauro Jardim.
Clientes têm apontado problemas após a transferência da carteira de planos individuais e familiares da Amil.
Em nota, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) informou que vem acompanhando o caso de perto e cobrando respostas à ANS e à operadora. “O instituto quer saber, entre outras coisas, quais foram as garantias apresentadas pela Amil e pela APS para assegurar a continuidade e a qualidade do serviço.”
“A organização também demanda uma mudança nas regras atuais para a alienação de carteira, principalmente no que diz respeito à comunicação dos consumidores e à proteção de dados pessoais sensíveis”, prosseguiu o Idec.