Amigo temporário: voluntários salvam vidas pelo telefone no CVV
Há 2,7 mil pessoas dispostas a socorrer desconhecidos pela ONG. Eles contam por que se dedicam ao projeto
atualizado
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O telefone toca e, do outro lado da linha, alguém pede socorro. Uma separação que fez a rotina perder o sentido, a morte de alguém querido, problemas com dívidas ou apenas solidão. Muitas razões levam pessoas a buscar atendimento no Centro de Valorização à Vida (CVV).
Desde 1962, a ONG atende voluntariamente quem precisa conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. A ligação passou a ser gratuita pelo número 188, desde segunda-feira (2/7). Antes, pagava-se o custo de uma chamada local, não era possível ligar de um orelhão ou de um celular sem créditos.
Um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde, assinado em 2017, permitiu o acesso gratuito ao serviço. Em 2016, o canal atendeu 1 milhão de pessoas. A expectativa é de fechar 2018 com 3 milhões de ligações, conversas por chat, e-mail e encontros presenciais.
Com isso, o volume de telefonemas aumentou e os 2,7 mil voluntários espalhados pelo Brasil não serão suficientes para atender a demanda. O CVV precisa de novos candidatos e as inscrições devem ser feitas pelo site a partir de setembro. Interessados do Brasil inteiro podem participar.
Existem 70 postos no país. Um deles fica no Edifício Brasília Rádio Center, na 702 Norte. São uma copa, escritório e duas salas de 18 metros quadrados cada, com ar-condicionado e sofá. Depois de passar por treinamento, o voluntário dedica quatro horas de um dia por semana a esse espaço.
O atendente do chamado não conhece o rosto da pessoa a ser socorrida. Mesmo assim, nos minutos seguintes, terá um elo com o ser humano ajudado. Quem são os colaboradores que abrem mão do tempo em família, de momentos de lazer, para se voluntariar em um cenário tão delicado?
A professora aposentada Ana Fátima Macedo, 51 anos, perdeu o pai para o suicídio. Hoje, ajuda outras pessoas, pois quer evitar que elas cometam o mesmo ato de desespero. “Lembro de me sentir perdida na época, não sabíamos nem onde buscar informação, apoio emocional. Isso é um motivo para eu estar aqui, as coisas escolhem a gente”, afirma.
Ela fez o curso de formação. São cinco encontros para transmitir a filosofia do CVV e fazer atendimentos simulados. Foi aprovada e, há dois meses, atende telefonemas em uma sala, na Asa Norte. “A gente tenta traduzir para aquela pessoa o que ela está sentindo. O mais importante é ouvir sem dar conselhos. Esse é o maior desafio”, pontua.
Quando começou o trabalho, Ana esperava encontrar pessoas desesperadas. Surpreendeu-se, muitas vezes, com o tom aparentemente tranquilo na voz de gente com quem conversou. “O que mais escuto é: não tenho com quem falar. Naquele momento, você é a pessoa em quem o outro depositou confiança. É uma grande responsabilidade”, relata.
Para Gilson Aguiar, 60, contador aposentado e colaborador do CVV há 17 anos, o voluntário ganha mais do que dá. “Aprendemos a respeitar o outro, a ouvir sem julgamentos e a acolher de verdade. Somos amigos temporários”, diz.
Suicidas são minoria
O aposentado leu no jornal um anúncio sobre a carência de voluntários na entidade e se ofereceu para a missão. Identificou-se com os valores do CVV e nunca mais deixou de atuar pela causa, sem cobrar nada em troca. Já atendeu em vários horários, inclusive na madrugada.
Datas comemorativas, como Dia das Mães, Natal e Ano Novo, são os picos de atendimentos. “São os momentos em que as pessoas se sentem mais sozinhas, quando os outros estão confraternizando e elas não têm ninguém para dividir os sentimentos”, relata.
Podemos não concordar com o que a pessoa está dizendo, com quem ela é, mas, naquele momento, nos obrigamos a escutá-la sem fazer juízo de valor. É um aprendizado valioso
Gilson Aguiar, voluntário
Gilson já conversou com pessoas que perderam animais de estimação e precisavam desabafar, com gente que havia acabado de ser demitida ou tinha terminado uma relação amorosa. Os suicidas, segundo ele, são minoria. “Há coisas que temos medo de dizer para quem nos conhece. Às vezes, é mais fácil se abrir para um estranho, pois ele não vai tentar interferir demais”, acredita.
O professor Márcio Peixoto, 44, abre mão das tardes de domingo com a família para atender ligações no CVV, há 5 anos. “Encontrei-me aqui, aprendi a dar valor no que realmente importa, tornei-me mais centrado e tranquilo”, avalia.
Márcio ressalta que o trabalho do CVV não tem qualquer intenção de substituir, por exemplo, formas tradicionais de terapia. “Nós damos um ombro amigo, não somos psicólogos. Para ser voluntário, basta ter 18 anos e ser aprovado no curso”, explica.
Temos milhares de amigos em redes sociais, mas, às vezes, quando precisamos verdadeiramente, não temos nenhum para nos ouvir. O CVV está aí para essas situações
Márcio Peixoto, voluntário