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Pelo menos 92 políticos ou altos funcionários governamentais da América Latina criaram empresas offshore com a ajuda dos 14 escritórios de advocacia que estão na origem dos Pandora Papers: 11,9 milhões de documentos confidenciais que se tornam públicos pela primeira vez graças a uma investigação global coordenada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês).
Esses documentos comprovam os negócios, as estruturas e as transações imobiliárias e acionárias de indivíduos que há décadas vêm definindo as políticas públicas da América Latina, a região mais desigual do mundo. Alguns deles continuam em seus cargos ou mantêm posições muito próximas do poder. Outros passaram à atividade privada. Nesta reportagem, o EL PAÍS reúne os mais destacados dentre aqueles que os veículos integrantes do CICJ revelaram no domingo.
As chamadas empresas offshore, com sede em outro país que não o domicílio fiscal de seus administradores, são legais, desde que seu proprietário as declare às autoridades do local onde reside. Frequentemente, no entanto, elas são estabelecidas em alguma jurisdição com legislação opaca, os chamados paraísos fiscais, para se aproveitar da pouca ou nula tributação e das regras de confidencialidade. Servem, em linhas gerais, para ocultar e blindar jurídica e tributariamente o verdadeiro dono de determinados ativos que podem ser financeiros, mas também podem assumir a forma de imóveis, obras de arte ou veículos. A OCDE calcula que até 27% dos ativos financeiros latino-americanos sejam desviados para offshores, o que representa o equivalente a 118 bilhões de reais em arrecadação fiscal perdida a cada ano.
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Mais de 600 jornalistas de 117 países analisaram durante dois anos os 11,9 milhões de documentos. Sites independentes, grandes jornais, repórteres freelance e canais de TV tiveram acesso aos mesmos registros que revelam negócios até agora desconhecidos em sua maioria. Os veículos associados a cada mandatário ou empresário são os que, desde o começo, conduziram a investigação em seus respectivos países.
Sebastián Piñera, presidente do Chile
Os negócios offshore de Sebastián Piñera envolvem várias empresas nas Ilhas Virgens Britânicas. As empresas do presidente remeteram valores para duas companhias registradas nesse paraíso fiscal entre 1997 e 2000. Um dos seus filhos foi diretor de uma das empresas, antes que elas fechassem, em 2018. “Hoje, nem Piñera nem sua família possuem ou controlam veículos de investimento no exterior”, alegou um porta-voz.
Luis Abinader, presidente das República Dominicana
Os documentos revelam que o presidente é o beneficiário, junto com seus irmãos, de duas empresas no Panamá, ambas criadas antes de ele assumir o cargo, que serviam para administrar ativos na República Dominicana. Até 2018, as ações dessas empresas estiveram atribuídas “ao portador”, uma fórmula utilizada para ocultar os beneficiários das companhias. Ao tomar posse como presidente, em 2020, ele declarou ter nove empresas offshore. Até a publicação desta investigação, Abinader não tinha respondido às solicitações de contato.
Guillermo Lasso Mendoza, presidente do Equador
Os Pandora Papers revelam que Lasso esteve vinculado a 14 empresas offshore no Panamá, Estados Unidos e Canadá. Ao menos 10 delas estão inativas desde antes de Lasso lançar sua candidatura presidencial de 2017. “Sempre cumpri a lei equatoriana que proíbe candidatos e funcionários públicos de manterem companhias offshore”, respondeu Lasso.
Laurent Salvador Lamothe, ex-primeiro-ministro do Haiti
Lamothe havia se desvinculado de suas companhias antes de entrar para o Governo. Mas os Pandora Papers revelam que mesmo durante seu mandato ele continuou sendo acionista de algumas companhias, como três pessoas jurídicas das Ilhas Virgens Britânicas, que a Trident Trust criou entre 2002 e 2008. Lamothe não quis responder às perguntas, alegando se tratar de “assuntos privados”, e afirmou que não usou seu cargo para “promover nenhum interesse comercial”.
Porfirio Lobo Sosa, ex-presidente de Honduras
Os arquivos internos do escritório Alemán, Cordero, Galindo & Lee revelam que Lobo criou três companhias no Panamá, sendo duas delas na época em que foi presidente. Os documentos também apontam que sua mulher esteve ligada a outra companhia offshore, e seu filho, a duas. Lobo argumentou que as criou para administrar um empréstimo no Panamá, por questões de segurança e para aproveitar taxas de juros preferenciais.
Apuração no Contra Corriente
Horacio Cartes, ex-presidente do Paraguai
Os documentos revelam que, durante sua etapa como presidente do Paraguai, Cartes e sua família estiveram vinculados a sociedades offshore que possuíam bens num valor superior a US$ 1 milhão. Através de uma das companhias, com sede no Panamá, mantinha uma conta num banco do seu país e um apartamento em Miami. Um procurador legal de Cartes admitiu o vínculo com uma dessas empresas, mas alegou que este foi notificado ao fisco paraguaio.
Andrés Pastrana, ex-presidente da Colômbia
Andrés Pastrana é dono de uma empresa panamenha desde 2016. A offshore, que tem outra companhia colombiana como acionista, controla uma conta bancária nos Estados Unidos. Os beneficiários finais de todo o esquema são o ex-presidente e sua família. Pastrana alegou que “buscava converter pesos em dólares para internacionalizar um patrimônio” e afirmou ter reportado a existência da empresa às autoridades fiscais.
César Gaviria, ex-presidente da Colômbia
Os Pandora Papers revelam a relação entre várias companhias estabelecidas no Panamá e Ilhas Virgens Britânicas e vinculadas a Gaviria e a familiares próximos, inclusive seus filhos. O ex-presidente não quis responder sobre essas empresas, alegando que a informação financeira dos colombianos está protegida por sigilo documental.
Francisco Flores, ex-presidente de El Salvador
Francisco Flores foi o beneficiário de várias empresas criadas no Panamá em 2005 e nas Ilhas Virgens Britânicas em 2006. Uma delas apareceu na investigação judicial sobre uma possível malversação de recursos de emergência para zonas do país afetadas por um terremoto. As offshores de Flores teriam depositado quase um milhão de dólares numa conta de Flores em um banco panamenho. O ex-presidente morreu em 2016.
Alfredo Félix Cristiani Burkard, ex-presidente de El Salvador
Alfredo Cristiani foi diretor, proprietário ou presidente de pelo menos 15 offshores nas Ilhas Virgens Britânicas e no Panamá. A primeira foi criada em 1992, quando ele ocupava a presidência. Vários membros de sua família foram sócios ou diretores na maioria das companhias. Sete dessas pessoas jurídicas permaneciam ativas em 2018. Cristiani não quis responder, mas um representante legal dele informou que todos os negócios feitos pelo ex-mandatário respeitaram a legislação.
Juan Carlos Varela, ex-presidente do Panamá
Varela foi dono de uma companhia registrada nas Ilhas Virgens Britânicas durante toda a sua etapa no Governo, inclusive durante sua presidência. Continua sendo acionista da companhia e, afirma, notificou isso às autoridades durante sua candidatura à presidência do país.
Ernesto Pérez Balladares, ex-presidente do Panamá
Os documentos vazados apontam o ex-presidente como diretor de três companhias offshore, das quais duas criadas durante seu mandato. Pérez Balladares aparece vinculado a outra empresa nas Ilhas Virgens envolvida num caso de subornos no Panamá. As três filhas e a esposa do ex-mandatário também estão no vazamento. Nem o ex-presidente nem suas filhas responderam a diversos pedidos para fazer comentários.
Ricardo Martinelli Berrocal, ex-presidente do Panamá
Martinelli aparece como acionista e operador registrado de várias companhias offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Também está vinculado a duas companhias que foram incorporadas em Belize e transferidas para o Panamá a pedido do banco BPA, de Andorra. Como parte da investigação do caso Odebrecht, empreiteira brasileira que está no centro do maior escândalo de corrupção da história da América Latina, um ex-executivo da empresa declarou que as offshores eram usadas para pagar subornos aos filhos de Martinelli em troca de contratos públicos. O ex-presidente respondeu que nunca foi cliente do escritório Alcogal nem está vinculado às empresas apontadas no caso Odebrecht.
Pedro Pablo Kuczynski, ex-presidente do Peru
Os Pandora Papers oferecem novos dados sobre a Dorado Asset Management Ltd., uma companhia aberta nas Ilhas Virgens Britânicas por Kuczynski quando era ministro das Finanças. A empresa esteve no centro das acusações de corrupção contra o ex-presidente durante a investigação local do caso Odebrecht. O advogado do ex-presidente não quis responder aos vários pedidos de esclarecimentos feitos pelo ICIJ.