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Amarras do tráfico humano: em busca do sonho, vítimas acham cativeiro

Impulsionados pelo desejo de conquistar uma vida melhor, brasileiras deixam o país e são surpreendidos no exterior. Era tudo ilusão

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Arte/Metrópoles
Tráfico humano
1 de 1 Tráfico humano - Foto: Arte/Metrópoles

Com a promessa de receber um bom salário, alimentação e moradia para cuidar do cachorro de uma família, *Maria, uma jovem de 18 anos, deixou o Brasil em direção à Itália. A vontade de melhorar de vida pulsava. Partiu rumo ao desconhecido, mas foi surpreendida: ao chegar na residência combinada, o casal que a esperava recolheu seu passaporte e, nesse momento, percebeu que fora enganada. Foi assim que o tráfico humano se apresentou e o sonho virou pesadelo.

A jovem foi submetida a trabalho escravo de 6h às 23h, diariamente. Tinha que lavar, passar, cozinhar e realizar todo o tipo de serviço na casa. Quando pediu para retornar ao Brasil, teve a permissão negada. Segundo o casal, ela tinha uma dívida de 5 mil euros (cerca de R$ 22 mil) a pagar. Certamente, o salário de *Maria não era suficiente para quitar as despesas. Então, compraram a ela roupas sensuais e lhe apresentaram o mundo da prostituição. Essa era a condição para voltar ao seu lar.

Depois de relutar por muito tempo, sem qualquer meio de comunicação, *Maria não tinha mais esperanças. Por sorte, enquanto vasculhava a casa do casal, encontrou um computador velho e, com ele, a salvação. Conseguiu enviar um e-mail à família pedindo socorro. Com a ajuda da polícia italiana, ela chegou ao Projeto Resgate Brasil, uma ONG que atua em diversos países, e a trouxe de volta. A história consta no último relatório da organização, obtido pelo Metrópoles.

Segundo Marco Aurélio de Sousa, secretário-executivo do projeto, cerca de 80% dos indivíduos que foram vítimas de tráfico e posteriormente resgatados pela ONG são do sexo feminino. Desse total de mulheres, 90% foram submetidas ao trabalho sexual escravo.

Marco Aurélio ainda explica que muitas viajam sabendo que terão que se prostituir em outro país, mas não são alertadas sobre outras condições impostas pelos aliciadores, que só são reveladas após desembarcarem no destino final. Sem dinheiro e condições de voltar para casa, elas acabam sem saída.

“Geralmente, quando chegam ao destino, essas meninas precisam entregar o passaporte. Ele só é devolvido depois que uma dívida de mais de R$ 15 mil é paga. Ou seja, elas ficam trancadas sem poder voltar para casa e são submetidas a todo o tipo de trabalho escravo”, alerta Marco Aurélio.

Tráfico de pessoas
É necessário entender o que é o tráfico humano para identificar a dimensão desse problema que afeta não somente o Brasil, mas o mundo inteiro. Para isso, a Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo, traz definições sobre o crime de comércio de seres humanos.

“Tráfico de pessoas é o recrutamento, o transporte, transferência, alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, para fins de exploração”, diz trecho do protocolo.

O secretário-executivo do Projeto Resgate Brasil afirma que, na prática, é comum associarmos o tráfico de pessoas a casos de indivíduos que se dispõe a atravessar fronteiras ilegalmente com a ajuda de terceiros. Mas, para ele, é importante entender que há diferença nesses casos.

Todo traficado é um imigrante, mas nem todo imigrante é traficado

Marco Aurélio, secretário-executivo do Projeto Resgate Brasil

Marco Aurélio afirma que as situações divergem no momento da chegada: enquanto um imigrante entra no país e fica livre para se movimentar, o traficado é preso, perde os documentos e é obrigado a realizar trabalhos exploratórios até pagar uma dívida, que nem sempre existe.

O último Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, divulgado em fevereiro deste ano pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), registrou um número recorde de casos: mais de 25 mil em 2016. No entanto, também há o que se comemorar. A taxa de condenação de traficantes foi a maior já registrada até as últimas atualizações.

Ainda segundo o relatório, traficantes do mundo todo têm preferência por mulheres e meninas. Isso porque a maioria delas são exploradas sexualmente. De acordo com a ONU, essa é a principal forma de tráfico humano enfrentado até os dias atuais. Em outros casos, as vítimas são submetidas a casamentos forçados. Já os homens, em sua maioria, são aliciados para o trabalho escravo.

Em outra história, também de uma vítima acolhida pela ONG, é possível identificar as promessas de amor como isca. A convite do namorado, *Luiza viajou à Suíça com o desejo de casar. Parecia tão real, que a jovem fez as malas e deixou o país. Chegando, a decepção foi total: começou a sofrer todo o tipo de violência. A intenção do casamento era falsa, ele queria usá-la como escrava sexual. Assustada, ela pediu a passagem para retornar ao Brasil e não foi acatada. Teve que fugir. Ficou no aeroporto durante três dias até receber ajuda.

Dados no Brasil
De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) revela um número expressivo de mulheres vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Os dados mais recentes, que são de 2014 a 2016, contabilizam 321 brasileiros traficados com essa finalidade – sendo 317 mulheres e apenas cinco homens.

Ainda com base no relatório da SPM, os números diminuem quando se trata de tráfico humano para fins de trabalho escravo. No mesmo período, o total foi de 175 indivíduos traficados. Do montante, 123 são mulheres e 52 homens – o que comprova a teoria de que pessoas do sexo feminino são os principais alvos.

O Ministério da Saúde também fez um levantamento a respeito do tráfico de pessoas para exploração sexual. Em concordância com as estatísticas da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, os dados também apresentam as mulheres como protagonistas. No total, 408 foram vítimas de aliciadores para fins sexuais – 301 mulheres e 107 homens.

Dados também foram obtidos através de pesquisas da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio de denúncias no Disque 100. Foram registradas 256 vítimas de tráfico de pessoas para exploração sexual. Desses 166 eram mulheres e 90 homens.

De acordo com o Ministério da Saúde, pessoas entre 30 e 59 anos formam a maioria das vítimas do tráfico de pessoas. Em seguida, crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos. Jovens de 20 a 29 anos são os terceiros alvos dos aliciadores. Recém-nascidos e crianças de até 9 anos também fazem parte da estatística. Já os idosos, são os que menos aparecem na lista.

Com base no Disque 100, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência, os dados mudam. Crianças e adolescentes de 12 a 17 anos são as principais vítimas. Depois, crianças de 0 a 11 anos . Em seguida os recém-nascidos, jovens de 18 a 30 anos e idosos.


Madeleine McCann
O desaparecimento da menina britânica Madeleine McCann, em maio de 2007, quando tinha apenas três anos, é um dos mais famosos casos não solucionados até hoje. Nas férias, a família McCann viajou para Algarve, em Portugal, e foi lá que tudo aconteceu. Os pais de Madeleine deixaram-na com seus dois irmãos para ir a um restaurante próximo. Mas, ao retornar para o apartamento, a cama estava vazia e Maddie, como era chamada, havia sumido.

O ex-investigador escocês Colin Sutton sustenta a probabilidade de Madeleine ter sido raptada por uma rede de tráfico de pessoas e, posteriormente, vendida a uma família rica. No entanto, não há nenhuma prova que comprove essa teoria. A plataforma de streaming Netflix lançou um documentário sobre o caso.

  • *Nome fictício para proteger o sigilo das personagens

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