Alvo de mineradoras, parque goiano abre guerra por recursos do BNDES
MPGO e governo divergem sobre implementação de plano de manejo de parque de Terra Ronca, elaborado em 2003; unidade é famosa por cavernas
atualizado
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Goiânia – Cobiçada por mineradoras, hidrelétricas e outros empreendimentos de grande impacto ambiental, a área do Parque Estadual de Terra Ronca, no nordeste goiano, famoso por suas cavernas, abriu nova guerra entre o Ministério Público de Goiás (MPGO) e o governo do estado, que se articula para implementar, a toque de caixa, plano de manejo elaborado há 18 anos.
O objetivo do governo é não perder a possibilidade de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para concessão da área a alguma empresa privada interessada na gestão da unidade ambiental. Segmentos da comunidade reclamam por não serem ouvidos nem terem acesso ao documento da proposta em prazo adequado.
Ao Metrópoles, a secretária estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andrea Vulcanis, disse, nesta segunda-feira (5/4), que vai enviar resposta ao MPGO, até o final do dia, com rejeição ao pedido do órgão para suspender o processo de aprovação do plano de manejo. “Não tem razão técnica nem jurídica para atendimento da recomendação”, afirmou.
O parque fica no município de São Domingos, a 640 quilômetros de Goiânia, na divisa com a Bahia. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) quer aprovação da proposta de plano de manejo dele, para que seja permitida concessão da área com financiamento do BNDES.
O plano de manejo é indispensável para que alguma empresa privada inicie a administração do parque, em breve, como pretende a Semad. Por isso, a pasta tenta aproveitar uma proposta dele engavetada desde 2003, já que, à época, o governo do estado e ambientalistas entenderam que estava muito mal elaborada e, por isso, não foi implementada.
Risco de frustrar leilão
No entanto, a preocupação da secretária é não frustrar o banco para evitar custos ao governo de Goiás. “Se o leilão for frustrado, uma das causas é o plano de manejo, a gente paga os custos que o BNDES realizar para o processo de concessionamento”, acentuou.
Para não sofrer qualquer penalidade do banco, a Semad publicou, no Diário Oficial do Estado (DOE), instrução normativa sobre o plano de manejo, na última quarta-feira (31/3), um dia após o promotor de Justiça Rodrigo Carvalho Marambaia recomendar a suspensão do processo.
“Estamos dentro do programa de concessão do BNDES e tínhamos previsto, no contrato com o banco, prazo até 31 de março para aprovar plano de manejo sob pena de a unidade sair do programa ou [o estado pagar] multa”, afirmou a secretária. “Já que existe plano de manejo, [vamos] torná-lo aprovado e, em seguida, entrar com processo de atualização”, disse.
“Sem previsão legal”
O representante do MPGO criticou a postura da titular da Semad. “Não existe previsão legal para que a revisão do plano de manejo seja feita em data posterior à sua aprovação”, destacou o promotor. A unidade de conservação foi criada, pela Lei Estadual nº 10.789/1989, e tem rios subterrâneos, formações rochosas raras, cachoeiras e piscinas naturais.
A secretária admite que “há necessidade” de se realizar novo plano, com revisão. “O [novo] plano já começou. Está na parte espeleológica, que é das cavernas. Então, está em fase bem avançada e deve estar concluído em maio”, explicou. Segundo ela, a secretaria já iniciou a contratação de empresa para atualização do plano de 2003.
Em audiência pública, no dia 24 de março, a secretária confirmou a intenção de aprovar o plano de manejo desengavetado do parque goiano, que, segundo ela, foi aprovado com ampla participação pública, na época.
Perito ambiental do MP-GO presente à audiência, Thiago Brito, elaborou, posteriormente, um relatório no qual desaconselhar a aprovação do plano sem a delimitação de Zona de Amortecimento (ZA), por poder ocasionar riscos ao equilíbrio ambiental do parque. Segundo ele, empreendimentos minerários, hidrelétricos e outros com significativo potencial danoso poderiam se instalar nas suas imediações.
A falta de transparência da secretaria, porém, foi apontada por lideranças comunitárias, guias e integrantes do conselho consultivo da unidade de conservação. A Associação Ecológica de Monitores e Condutores Ambientais (Aema) e o Grupo Espeleológico Anjos do Subterrâneo (GREASb) também reivindicaram participação no processo de produção do plano de manejo.
Apenas um dia
O plano de manejo, segundo o MPGO, foi disponibilizado à população somente no dia 28 de março, e o prazo-limite para contribuições, fixado para o dia seguinte, o que aumentou ainda mais a pressão contra o governo do estado.
“Um lapso temporal irrazoável para a ampla divulgação, em face da complexidade da matéria a ser discutida e da exiguidade do tempo disponível para análise do plano de manejo pelo Conselho Consultivo do Parque, organizações não-governamentais (ONGs), população do entorno, lideranças comunitárias e sociedade civil como um todo”, ressaltou o promotor.
Ao contrário do que disse a população, a secretária afirmou que o motivo da reunião “foi explicado”. “As pessoas, às vezes, não entendem”, alegou. “A legislação não obriga o estado a ouvir ninguém para provar plano de manejo de parque estadual. Foi mera liberalidade nossa”, afirmou.
Em meio à polêmica, o assunto passou a repercutir também na internet. Até a tarde desta segunda-feira, quase 1 mil pessoas assinaram petição pública on-line em defesa da participação da sociedade civil no processo de elaboração e implementação do plano de manejo.
Se a secretaria insistir no processo mesmo com a recomendação contrária do promotor, o MPGO deverá propor ação judicial para suspender o plano de manejo e até responsabilizar os responsáveis, em caso de possíveis danos.
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Riqueza do parque
O Parque Estadual de Terra Ronca tem 57 mil hectares e foi criado em 1989, pelo então governador Henrique Santillo, para preservar a flora, a fauna, os mananciais e um conjunto de cavernas naturais subterrâneas. Centenas delas já foram identificadas na região, mas apenas cinco estão abertas à visitação.
As cavernas abertas ao público são Terra Ronca 1 e 2, Angélica, São Bernardo e São Mateus. A São Vicente, que é acessada somente por um rapel de 40 metros e em cujo interior o Rio São Vicente forma 12 cachoeiras, deve ser aberta, em breve. Não há data definida.
Com patrimônio natural esculpido há milhões de anos, o parque tem Plano Emergencial de Visitação definido em portaria publicada em 2012. O público só pode acessar a área com a companhia de guias credenciados.
A entrada da caverna Terra Ronca 1, a mais visitada, possui 96 metros de altura e 120 metros de largura.