Além de Marielle, delação de Lessa revela outros crimes
Anexos da delação ainda estão em segredo de Justiça. PF acredita que materiais recolhidos com alvos podem trazer mais informações
atualizado
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A delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco (PSol) e do motorista Anderson Gomes, pode trazer luz e colaborar com a elucidação de outras investigações em andamento. Isso porque anexos do documento, ainda em segredo de Justiça, citam outros 11 crimes praticados pelo grupo de matadores.
Agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve oferecer denúncia do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, responsável pelo caso.
O relatório do inquérito da Polícia Federal aponta como mandantes do crime os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, acusado de garantir que o caso não fosse elucidado. Os três estão detidos, preventivamente, no presídio federal de Brasília.
A PF também acredita que, das apreensões de celulares, computadores e documentos nos imóveis dos alvos, podem vir informações que corroborem a apuração de outros casos. O propósito da corporação é que, após seis anos dos assassinatos de Marielle e Anderson, ainda surjam mais evidências contra os acusados no material recolhido.
Entre as principais suspeitas, está a de que Rivaldo tenha recebido propina para evitar que as investigações da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) chegassem aos reais autores e mandantes do crime. Conforme Lessa informou em sua colaboração, o delegado foi pago de forma antecipada.
“Nós sentimos até bastante firmeza pela magnitude da coisa, tá lidando com o diretor da DH; se o diretor da DH faz uma exigência dessa, na minha concepção, ela já tem uma linha traçada para desviar o assunto”, diz Lessa num trecho da delação.
Crimes investigados
As investigações do delegado da PF Guilhermo Catramby, em conjunto com o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio (MPRJ), ainda abriram o flanco para a conclusão de inquéritos que há pelo menos 12 anos continuam sem solução nos escaninhos da DHC.
Neste caso, os promotores vão prosseguir com as apurações relacionadas aos assassinatos do candidato a vereador e então presidente da Portela, Marcos Falcon, em 2016; e do contraventor Haylton Escafura, filho de José Caruzzo Escafura, o Piruinha; entre outros. Alguns deles conectados à disputa pelo domínio territorial pelas milícias e pela contravenção.
Fontes vinculadas à investigação ressaltam, no entanto, as dificuldades na obtenção de provas num período tão distante da data do crime, ocorrido em 14 de março de 2018. Para confirmar tudo que Lessa disse no acordo de colaboração premiada, seriam necessárias imagens de locais usados como pontos de encontro, por exemplo.
Entre os obstáculos, estão o tempo que se passou desde o crime, já que as imagens não estão mais armazenadas — os registros das antenas das companhias de celular também não são guardados por longo período.
Entrada da PF
Apesar da entrada tardia da Polícia Federal no caso e da complexidade da investigação, o delegado e oito agentes federais mergulharam na apuração em fevereiro do ano passado. O grupo foi convocado pelo então ministro da Justiça, Flávio Dino, que assumiu a pasta prometendo chegar aos mandantes do duplo homicídio. Os policiais da PF revisitaram tudo o que havia sido apurado até então.
Dino fez um acordo com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, de apoio nas investigações, mas depois assumiu o caso de vez, o que acabou sendo um alívio, segundo fontes, para a Polícia Civil. O Gaeco continuou comprometido com a apuração.
Durante as diligências, mesmo com as complicações criadas, como o plantio de uma falsa testemunha e o desfazimento de provas importantes, inclusive com o sumiço de imagens e até de celulares de alvos, foi possível avançar. Outro documento importante que serviu de norte foi o relatório do delegado federal Leandro Almada, que desvendou a primeira farsa do caso, no episódio que ficou conhecido como “investigação da investigação”.
Por ironia do destino, Almada foi o delegado escolhido pela Diretoria da PF, durante a ascensão do governo Lula, em 2023, como superintendente da corporação no Rio.
Em seu relatório, de quase 600 páginas, ele apontou que Rivaldo foi quem levou a falsa testemunha, o então policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, na presença do delegado Giniton Lages e do comissário da Polícia Civil Marco Antônio de Barros Pinto, o Marquinho, que atuaram na primeira fase do caso Marielle, em maio de 2018.
O delator farsante apontou o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica, e o vereador Marcello Siciliano, como autor e mandante do crime, respectivamente. Tudo não passava de cortina de fumaça ou, “embuchamento”, no jargão policial, para que o caso fosse atribuído a eles e encerrado de forma mais rápida.
Na conclusão do documento, Almada indiciou Ferreirinha. Embora tenha investigado Domingos Brazão como mandante, ele o deixou de fora, sem, no entanto, descartá-lo totalmente. Esse foi o fio da meada, que, com um ano de apuração da nova equipe da PF, levou Lessa a colaborar.