Águas de São Pedro, a estância turística sem McDonald’s, maternidade… e assassinatos
Município de 81 anos é o menor de São Paulo e tem segundo melhor IDH do país. Únicos assassinatos no local aconteceram há 27 anos
atualizado
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São Paulo – Águas de São Pedro, a menor cidade do estado de São Paulo e a segunda menor em extensão territorial no Brasil, registrou apenas dois assassinatos em 81 anos de história. O crime – os homicídios de uma comerciante local e de sua neta de 1 ano – aconteceu em 1994, quando o hoje prefeito, João Victor Barboza, tinha apenas 4 anos (hoje ele tem 31), e a primeira-dama e secretária de Promoção Social, Amanda Gonçalves, hoje com 25, nem era nascida.
Em 2021, o município registrou apenas um furto de veículo, um roubo e nove furtos. O cenário, de maneira geral, vem se repetindo ao longo dos anos. “A cidade não registra muitos furtos, assalto à mão armada eu nunca registrei”, conta o investigador Orlando Rozante Júnior, 70 anos, que é único agente da Delegacia de Águas de São Pedro há dois anos.
A tranquilidade e a quase inexistente criminalidade de Águas de São Pedro são motivos para que Wanessa Cheli, 39 anos, de São Paulo, não pense mais em morar em outra cidade. A profissional do setor de eventos corporativos começou a morar com a tia na pequena cidade em fevereiro, após ficar desempregada por causa da pandemia e não conseguir mais pagar o aluguel no bairro da Mooca, na imensa capital paulista.
“A qualidade de vida daqui não tem comparação. Não quero mais sair daqui. Para mim, é muito melhor que pegar duas horas de metrô e ônibus. O portão da minha casa fica aberto. Em São Paulo, eu fechava o portão e mais três trancas na porta de casa”, disse Wanessa, que agora é subgerente de uma loja de vestuário e vai para o trabalho à pé, em uma caminhada de 15 minutos.
A reportagem do Metrópoles encontrou a mulher fumando distraída e usando o celular no banco da praça enquanto esperava dar 9h para começar o expediente. Acostumada com os furtos e roubos na Avenida Faria Lima, Wanessa confessa que esse momento de relaxamento, que se repete também no horário de almoço em Águas de São Pedro, é impensável na capital paulista mesmo em frente à polícia.
Em Águas de São Pedro, o que pode assustar turistas e moradores durante os passeios nas praças e ruas são tucanos, quatis e calangos que convivem no espaço urbano com gatos e cachorros.
Qualidade de vida
Águas de São Pedro tem o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, que avalia o acesso da população a renda, educação e saúde. No ranking estadual e nacional, a estância turística perde apenas para São Caetano que também fica no estado de São Paulo.
Na opinião do prefeito João Victor Barboza (Cidadania), a excelência no ensino e a qualidade de vida são fundamentais para que a cidade não tenha violência.
“É uma junção de fatores. A cidade tem apenas três saídas, fica difícil de a pessoa fazer alguma coisa, porque se fecharmos os acessos ela não consegue fugir daqui. O planejamento da cidade é preponderante também”, afirmou Barboza sobre a marca de 27 anos sem homicídios.
Segurança Pública
O aparato de segurança pública da cidade de 3.588 habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se resume a um sistema de câmeras de monitoramento, uma base e uma viatura da guarda municipal e o mesmo para a Polícia Militar.
O próprio prefeito destaca que a população, que tem 40% de idosos, é bastante ativa para relatar atividades suspeitas. Essa atuação é reconhecida pelo Conselho de Segurança Pública, que mantém no WhatsApp o grupo Vigilância Solidária, que pode acionar a Polícia Militar e a guarda municipal.
Turismo em Águas de São Pedro
O turismo é a principal fonte de renda da cidade, que nos fins de semana chega a registrar até 10 mil visitantes que passam pelo Fontanário Municipal, local que reúne as águas das fontes hidrominerais Gioconda, Juventude e Almeida Salles. Outros pontos que fazem parte do roteiro turístico são dois parques, o Spa Thermal e o Caminho do Sol, local inspirado nos pontos de peregrinação Caminhos de Santiago, na Espanha.
O turista Rodrigo Lobo, 37 anos, saiu cedo de Piracicaba com a família para passar a quinta-feira (14/10) em Águas de São Pedro, quando a reportagem do Metrópoles estava na cidade para apurar o que leva o município a exibir tamanha tranquilidade. O grupo se planejou para pegar um pouco de água com enxofre no Fontanário, tomar um banho relaxante no Spa Thermal e almoçar. Interessado no lazer e na tranquilidade que a cidade oferece, Rodrigo afirmou que não tem medo de violência quando está na cidade: “Em comparação com outros pontos turísticos, não tem essa preocupação”.
Os principais eventos turísticos para Águas de São Pedro são carnaval, Natal, virada de ano e um encontro nacional de carros antigos. Nessas datas, a cidade recebe 15 mil turistas e chega a precisar contratar segurança privada. Apesar do grande volume de visitantes comparado com a população de 3,5 mil habitantes, não é comum que ocorram incidentes violentos.
Não tem em Águas de São Pedro
A moradora Wanessa Cheli tem muitos elogios para a estância turística, mas não esconde que a pequena cidade também não é capaz de atender a todas as expectativas. “Não podemos ter tudo também”, avalia, ao comentar que precisa se deslocar para municípios vizinhos quando está com vontade de comida japonesa ou McDonald’s.
No caso de sushi, a cidade até tem opções. Mas não entraram no roteiro de Wanessa.
E, logo após a crítica, a moradora pondera: “O que é compensador vale mais. A parte da qualidade de vida vale muito mais”.
Além da ausência de assassinatos e de McDonald’s, Águas de São Pedro também não tem equipamentos públicos e profissionais comuns em cidades maiores, como hospital, maternidade, cemitério… e delegado.
O único equipamento municipal de saúde é a Unidade Básica de Saúde (UBS), portanto é raro encontrar pessoas que nasceram de fato em Águas de São Pedro. Nos registros mais recentes, apenas 26 partos foram feitos na cidade no período de 1993 a 1996, quando, por uma alteração nas regras sanitárias, permitiu-se os nascimentos na estrutura local.
Já os mortos de Águas de São Pedro são levados para cemitério da cidade vizinha São Pedro, que também cede o delegado Gilberto Carlos Fernandes Junior para atendimento na repartição pública de Águas.
Crimes mais comuns em Águas de São Pedro
Golpes por aplicativos de mensagem são parte do que Águas de São Pedro tem em comum com cidades grandes. “O crime que mais acontece na cidade são os golpes de internet, os estelionatos. As pessoas recebem telefonemas se passando por filho, parente e a pessoa cai. Esse tipo de crime acontece duas a três vezes por dia aqui”, afirmou o investigador Orlando Rozante Júnior.
Essas ocorrências, porém, nem entram nos dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado de São Paulo, conforme tabela abaixo, que reúnem informações dos últimos 20 anos.
Ano | Homicídio Doloso | Furto | Roubo | Furto e Roubo de Veículo |
2020 | 0 | 28 | 2 | 3 |
2019 | 0 | 31 | 2 | 3 |
2018 | 0 | 18 | 0 | 3 |
2017 | 0 | 21 | 1 | 4 |
2016 | 0 | 30 | 2 | 3 |
2015 | 0 | 39 | 2 | 2 |
2014 | 0 | 40 | 4 | 6 |
2013 | 0 | 41 | 7 | 5 |
2012 | 0 | 65 | 6 | 7 |
2011 | 0 | 46 | 3 | 1 |
2010 | 0 | 40 | 3 | 2 |
2009 | 0 | 55 | 9 | 4 |
2008 | 0 | 65 | 5 | 2 |
2007 | 0 | 73 | 4 | 1 |
2006 | 0 | 72 | 2 | 7 |
2005 | 0 | 61 | 3 | 3 |
2004 | 0 | 68 | 4 | 6 |
2003 | 0 | 47 | 6 | 6 |
2002 | 0 | 48 | 4 | 4 |
2001 | 0 | 52 | 4 | 11 |
“Existem aqueles desentendimentos, casais em bares que brigam. Os crimes são de baixa periculosidade”, complementou o investigador da delegacia de Águas de São Pedro.
Rozante contou que o dia a dia da delegacia se resume a. basicamente, orientar a população. “Uma atuação social, de ensinar o povo sobre leis e a demanda desse tipo de atividade policial é muito grande, porque por qualquer coisa é: ‘Vou passar na delegacia para resolver’, ‘Vou perguntar para o policial como fazer'”, relata o investigador se referindo à postura dos moradores.
Entre as questões que são levadas para o posto policial, ele menciona inadimplência de aluguel e dificuldades no processo de compra e venda de carros. O investigador acredita que falta educar a população sobre as leis brasileiras.
Crime histórico em Águas de São Pedro
O único registro de homicídio em Águas de São Pedro faz parte da memória de quem mora na cidade há mais tempo. “Foi em 1994, bem chocante”, relembra Alexandre Marques, 40 anos, controlador interno. “Foi uma pessoa bem conhecida na cidade e a neta dela, de 1 ano. É um crime que até hoje não foi desvendado. Era uma pessoa de uma família muito tradicional daqui, tinha comércio aqui na cidade.”
Ele se refere ao duplo assassinato de Fátima Rinaldi Dante, 40 anos, e de sua neta Maria Virgínia Dante, de 1 ano. Foi o primeiro homicídio na história do município, que na época tinha 54 anos de fundação.
A menina de 1 ano foi encontrada deitada no sofá da casa da avó com com um tiro no rosto. A comerciante de 40 anos estava caída na porta do quarto, com três tiros nas costas.