Advogada condenada em caso Prevent Senior critica juiz: “Misógino”
Advogada que entregou dossiê contra a Prevent Senior foi condenada a pagar R$ 300 mil em indenização por danos morais à empresa
atualizado
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Quando compareceu a uma audiência na CPI da Covid-19, em 2021, para denunciar crimes supostamente cometidos pela operadora de saúde Prevent Senior, a advogada Bruna Morato não imaginava que um dia seria condenada a pagar por danos morais à empresa que ela delatou. Acontece que, dois anos depois, em 24 de fevereiro último, uma sentença do juiz Gustavo Coube de Carvalho, da 5ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que ela pague R$ 300 mil à companhia.
A indenização foi motivada por uma entrevista que a advogada deu ao canal no YouTube Rede TVT, em 2 de outubro de 2021, justamente para explicar as acusações contra a Prevent Senior.
Bruna representa ex-médicos da empresa, que organizaram um dossiê em que expunham práticas que ferem o princípio de ética da medicina, como administrar medicamentos ineficazes sem o consentimento de pacientes e adulterar resultados de um estudo para demonstrar falsa eficácia do remédio — estamos falando da hidroxicloroquina.
Na entrevista ao canal no YouTube, a advogada compara a atuação da Prevent Senior com “máfias” e “milícias”. Para o juiz, a advogada se excedeu nas afirmações e deveria “saber que investigações em curso, indiciamentos e relatórios de comissões parlamentares de inquérito não se confundem com culpa formada” e acrescenta que, apesar de celebrado, o preceito da presunção de inocência parece “ter perdido a natureza vinculante e peremptória que tinham outrora, ao menos para alguns tipos de crimes, e para alguns tipos de réus”.
Coube de Carvalho diz ainda que, deixando de lado “opiniões individuais e o espectro político das partes”, a advogada precisaria de uma decisão judicial transitada em julgado — ou seja, sem chance de recurso — que condenasse a Prevent Senior.
Sem a condenação definitiva, para o magistrado, a fala da advogada seria ilícita e poderia se caracterizar como “assassinato de reputação de empresa de grande porte”, tipo penal que não existe na jurisprudência brasileira.
“Denunciamos para expor a fraude do tratamento precoce”, diz ex-médico da Prevent
“Consideradas as circunstâncias subjetivas e objetivas do caso, e tendo em vista o duplo objetivo de atenuar o dano e desestimular a reiteração da conduta, sem dar ensejo ao enriquecimento sem causa, fixo a reparação por dano moral em trezentos mil reais (R$ 300 mil)”, finaliza Coube de Carvalho. Ele ainda fixa os honorários advocatícios em 13% do valor da condenação.
Processo polêmico
Não demorou até que associações se pronunciassem em defesa da advogada. A Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de São Paulo (OAB-SP) emitiu nota, classificando a sentença do juiz da 5ª Vara Cível do TJSP como um “ataque frontal ao livre exercício da advocacia” e um “absurdo jurídico”.
A Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas de Covid-19 (Avico), entendeu que a condenação “viola frontalmente os princípios constitucionalmente assegurados do contraditório e da ampla defesa”.
“O juiz se equivoca ao praticar falsos silogismos na busca de qualificar a atuação da advogada como uma tentativa de macular a reputação da empresa em questão. Ocorre que os apontamentos feitos pela advogada nada mais são do que relativos a dados amplamente divulgados nos meios de comunicação hegemônicos e que já vinham confirmando a atuação criminosa da empresa na medida em que as denúncias se acumulavam”, destaca a entidade.
Parcial, misógino e perverso
A advogada Bruna Morato classifica a atitude do juiz como parcial, misógina e perversa.
“O juiz foi parcial. Além de desconsiderar todas as provas que eu anexei, ele não me deu a oportunidade de ser ouvida. Ele fez o que fez sem marcar uma única audiência, impedindo que eu prestasse meu depoimento, sendo que sou ré, e sem ter a oportunidade de levar testemunhas. É muito perverso fazer isso num caso como esse”, avaliou a advogada.
“Duvido se fosse o [Antônio Carlos de Almeida Castro] Kakay, se fosse o [Alberto] Toron, se fosse qualquer outro grande escritório, se ele teria esse tratamento. Não estou puxando militância desnecessária, não sou aquelas feministas, mas nesse caso, realmente, senti uma tentativa de me calar, não pela condenação, mas, pela forma como foi feito, foi misógino”, apontou Bruna.
Além de não ouvir a ré do caso, a única prova documental usada pelo juiz foi o inquérito da Polícia Civil do Estado de São Paulo (PCSP) devolvido pelo Ministério Público. A polícia pediu pelo arquivamento do processo, mas os procuradores discordaram e pediram mais investigações.
Atualmente, a Prevent Senior é investigada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo nos âmbitos criminal e cível, pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Conselho Regional de Medicina. A empresa também assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que confirmou parte das acusações feitas pelo dossiê na CPI da Pandemia. A íntegra do termo pode ser lida no site pra própria empresa.
MPSP discorda da Polícia Civil e mantém inquérito sobre Prevent Senior
O outro lado
A reportagem procurou o Tribunal de Justiça de São Paulo para dar oportunidade de o magistrado Gustavo Coube de Carvalho comentar o teor da matéria, mas a Corte respondeu que o juiz só pode se manifestar nos autos. O advogado Alexandre Fidalgo, que representa a Prevent Senior na ação que condenou a advogada, afirmou que a sentença do juiz foi “certeira”.
“O que eu posso dizer é que a sentença que condenou a advogada foi certeira. Tratam-se de acusações fortíssimas que ela fez e sem provas. Sempre que acontece essa situação de alguém acusar alguém sem provas, merece ser punido. O juiz agiu certíssimo”, argumenta Fidalgo.
A empresa não se manifestou sobre as acusações feitas pela advogada e por outros médicos na CPI da pandemia.