Adesão “envergonhada” do Centrão ao governo não garante votos a Lula
PP e Republicanos ganham espaço no primeiro-escalão de Lula, mas não prometem adesão e articulação deve continuar cara para o governo
atualizado
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Vencedor da última eleição por uma margem bem pequena, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu dos eleitores uma Câmara dos Deputados com perfil conservador e formada majoritariamente por parlamentares de partidos que estavam alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A dificuldade para avançar a agenda do Executivo nesse cenário hostil tem marcado o governo e Lula fez, na última semana, o gesto mais agressivo até agora para tentar melhorar a governabilidade: alocar na Esplanada dos Ministérios representantes de partidos que se recusam a admitir fazer parte da base: PP e Republicanos. Mesmo assim, não há garantias de que o Planalto passe a ter uma vida fácil no Congresso.
“O governo de coalizão, como a gente conhecia e com o qual Lula operou em seus mandatos anteriores não existe mais”, avalia o cientista político André César. “As negociações agora são pauta a pauta, voto a voto, e isso joga o preço das votações lá em cima”, completa ele, referindo-se à necessidade de liberação generosa de emendas parlamentares para garantir aprovações – prática que marcou o primeiro semestre e que vai continuar sendo regra, ainda que Lula tenha optado por enfrentar o desgaste de colocar no governo ministros do grupo político do deputado federal Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Os apoiadores do governo e membros da base mais sólida de apoio a ele no Congresso encaram com um misto de tristeza e sensação de inevitabilidade a entrada de André Fufuca, do PP, no lugar da ex-atleta Ana Moser no Esporte e de Silvio Costa Filho, do Republicanos, na pasta de Portos e Aeroportos, que até então estava com Márcio França, do PSB.
O partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin, aliás, foi quem mais perdeu na reforma, pois França fica como ministro, mas das Micro e Pequenas Empresas, que está nascendo de uma costela justamente do ministério comandado por Alckmin, o da Indústria e Comércio. “Lula escolheu agir depois de muita enrolação, mas o resultado da reforma é incerto porque PP e Republicanos não embarcam de verdade e o PSB, que ficou com um puxadinho, está incomodado. A relação com a Câmara segue dura”, afirma André César.
Fazendo contas
Duras derrotas no primeiro semestre em pautas que interessavam ao governo mas não ao Centrão mostraram a Lula que sua base sólida é muito limitada na Câmara. No início de maio, por exemplo, o governo só conseguiu 136 votos favoráveis quando a Câmara derrubou trechos de um decreto de Lula mudando o marco legal do saneamento básico, que havia sido aprovado no governo passado e não agrada o atual.
Esses 136 votos não seriam suficientes sequer para barrar uma eventual abertura de processo de impeachment, que exige que ao menos 172 parlamentares votem contra ou se abstenham.
Já para aprovar um Projeto de Lei Completar é necessária a maioria absoluta dos 513 votos da Câmara, ou seja, 257 votos. E, para passar uma emenda à Constituição, o sarrafo é mais alto ainda: são precisos 308 votos.
Se todos os deputados dos partidos com alguma ligação com o governo dessem seus votos, a base de Lula teria quase 400 deputados, mas não é isso que acontece.
O Republicanos, por exemplo, emitiu nota logo após o anúncio de Silvio Costa Filho como ministro dizendo que “vem a público reiterar, mais uma vez, que não fará parte da base do governo Lula e seguirá atuando de forma independente”. Já no PP, o presidente da legenda, Ciro Nogueira, ex-ministro de Bolsonaro, joga contra o apoio ao governo.
Juntos, esses dois partidos do Centrão têm 90 votos na Câmara, mas mesmo em suas expectativas mais otimistas o governo espera ganhar deles algo como 50 a 70 votos. Projeções mais realistas apontam para um ganho menor, de 30 a 40 votos.
Tudo depende da pauta
Como o primeiro semestre mostrou, tudo depende, além da liberação de emendas, de quais pautas estão em votação. Quando é uma pauta econômica que tem apoio no Centrão, como a Reforma Tributária, os votos aparecem. Quando são pautas mais ideológicas e queridas pelos partidos de esquerda, o caminho fica muito mais difícil.
E boa parte dos planos do governo para os próximos meses são relativos à agenda econômica do ministro Fernando Haddad. Há outras frentes, porém. O ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, conta que o governo quer avançar com a pauta dos programas sociais e com a promoção da economia verde. Esses dois assuntos enfrentam resistência entre os parlamentares conservadores e líderes no Congresso não acham que Fufuca e Costa Filho tenham influência para mudar muito esse cenário.
Governo guarda mais espaços para negociar
Além de continuar liberando emendas para os parlamentares, o governo pretende entregar mais espaços para o Centrão à medida que votações importantes entrarem na agenda. A articulação que resultou na minirreforma eleitoral também encaminhou a entrega ao PP de uma joia da coroa do Executivo, a administração da Caixa Econômica Federal, que paga os benefícios sociais e pode ser um grande ativo eleitoral em 2024, ano de eleições municipais.
A efetivação da entrega, porém, não vai acontecer antes que o governo possa medir o resultado na prática, em votos, dos espaços que já cedeu. Para além da Caixa, o governo Lula também mantém em aberto a possibilidade de ceder a aliados do Centrão a presidência da Funasa, dos Correios e da Embratur, que hoje está com o petista Marcelo Freixo.
Ensaio para uma reforma ministerial maior no fim do ano
Em resumo, enquanto no Senado a situação é mais confortável para Lula, a relação com a Câmara deverá seguir instável, sujeita a fracassos e exigindo negociação constante.
Lula resistiu por mais de dois meses a fazer essa minirreforma por saber que do desgaste que viria com ela e por não querer admitir erros na montagem de seu ministério. Após o presidente ceder, o governo vai avaliar os efeitos práticos da mudança e tentar planejar melhor uma reforma mais ampla no primeiro-escalão, essa sim planejada por Lula, mas para o fim do ano.
As mudanças futuras, avaliam aliados de Lula, serão mais profundas, com vistas às eleições municipais do ano que vem e a escolha do próximo presidente da Câmara, já que Arthur Lira não poderá mais se reeleger para o cargo.