Triplo homicídio em GO: juíza vê elo entre autor e grupo de extermínio
Ex-vigilante revela ser contratado para “capturas informais” e cita grupo que faz “justiça própria”. Para juíza, há “indícios concretos”
atualizado
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Goiânia – O ex-vigilante penitenciário temporário Thiago Tavares Pimentel, de 44 anos, preso acusado de matar três pessoas em uma chácara no interior de Goiás em fevereiro deste ano, falou da existência de um grupo de extermínio em Goiás, formado por policiais, que faria “justiça própria”.
Embora Thiago negue que faça parte do bando, para a juíza de Silvânia, Nathália Bueno Arantes da Costa, há “indícios concretos” de que o ex-vigilante e a amante dele sejam ligados a um grupo de extermínio. A amante de Thiago, Luiza Nery Vieira Ricardo, de 39, também é acusada do triplo homicídio.
A revelação sobre a existência do grupo feita pelo ex-vigilante consta em dois depoimentos para a Polícia Civil, realizados logo após a prisão dele por suspeita de assassinar um caseiro, a esposa dele e a filha dela, na zona rural do município de Silvânia (GO). O crime ocorreu na noite do último dia 2 de fevereiro.
Veja quem são as vítimas:
Nos depoimentos, Thiago negou que faça parte do alegado grupo de extermínio. Mas confessou que realiza serviços ilegais de escolta e captura de suspeitos, usando arma de fogo. Ele seria contratado por dois servidores do sistema prisional. Thiago não é mais vigilante penitenciário desde março de 2020.
Mensagens de texto encontradas no celular do ex-vigilante mostram a relação dele com esses dois supostos servidores. Também há ligação com uma terceira pessoa, que é identificada nos contatos como policial militar. A esse indivíduo Thiago chega a pedir um “ferro”, que é a gíria para arma de fogo.
Motivação
Segundo o Ministério Público de Goiás (MPGO), o casal de amantes Thiago e Luiza planejou durante meses o assassinato do caseiro Denismar Ricardo, de 49 anos. Mensagens e áudios de WhatsApp mostram esse planejamento.
Luiza é ex-esposa de Denismar. O casal se separou em 2017, depois que Luiza acusou o caseiro de estuprar uma filha que ela tinha de um relacionamento anterior. Denismar sempre negou o crime e foi absolvido pela Justiça.
Além disso, no processo de divórcio, o caseiro ganhou na Justiça o direito de ficar com um carro que estava na posse de Luiza.
A sangue frio
No início da noite de 2 de fevereiro, Thiago e um comparsa, ainda não identificado, foram até a chácara em que Denismar vivia com a atual mulher, Suzana Matos Vileforte, também de 49 anos. A dupla se passou por policiais procurando por armas e executou a tiros Suzana e Denismar.
Acontece que a filha de Suzana, a jovem Jessica Vileforte de Paiva, de 29 anos, também estava na chácara, na companhia da namorada dela, para fazer conservas de guariroba para vender.
Thiago então teria atirado contra a cabeça das duas jovens para não deixar testemunhas. Jéssica morreu na hora. A namorada dela foi baleada apenas na mão que levou ao rosto para se proteger. Ela se fingiu de morta e conseguiu fugir.
Extermínio
O ex-vigilante se entregou para a polícia dois dias depois do crime em Alexânia. O carro usado no triplo homicídio, um Corsa prata, foi abandonado na chácara com dois celulares no porta-luvas. O veículo estava no nome da esposa de Thiago.
Diante dos policiais, ele acabou confessando os três assassinatos, mas também fez revelações sobre a existência de um grupo criminoso.
Em um primeiro depoimento, Thiago Pimentel disse que costumava emprestar o carro para um grupo de extermínio, formado por um policial civil, um policial militar e um agente prisional, sendo dois de Goiânia. Esse grupo seria responsável por fazer “justiça própria, sobretudo assassinando criminosos”.
Nessa primeira versão, o ex-vigilante disse que emprestou o carro para esse grupo no dia do crime e que esqueceu dois celulares no porta-luvas.
Serviço em off
Já no segundo depoimento, Thiago confessou o crime, mas disse que a intenção inicial era “dar uma boa surra” no caseiro Denismar. Ele disse que o comparsa no triplo homicídio foi um colega policial civil.
Além de confessar o triplo homicídio, o ex-vigilante contou que desde que foi exonerado como vigilante, em 2020, passou a fazer serviços de escolta e captura em off (informalmente), contratado por duas pessoas vinculadas ao sistema prisional, identificadas apenas como “Martins” e “Anderson Soares”.
Thiago disse que costumava usar arma de fogo nesses trabalhos informais, mesmo sabendo ser ilegal.
Mensagens reveladoras
Um relatório da Polícia Civil destacou trocas de mensagens por WhatsApp entre o ex-vigilante Thiago e três contatos, identificados como Soares, Martins e PM Denis.
A maior parte das mensagens é entre Thiago e Soares, a quem o ex-vigilante chama de “chefe”. Entre julho de 2021 e janeiro de 2022, Soares convocou Thiago para pelo menos 14 “missões” ou “trabalhos”.
Na maior parte, essas missões não são detalhadas na conversa por WhatsApp. Em uma delas fala-se em substituir uma pessoa no serviço de escolta e em escala de trabalho no sistema prisional. Todas elas são em um período que Thiago não é mais vigilante prisional.
Em agosto de 2021, Soares pede o número do armamento que Thiago está portando, porque ele não teria lançado a informação em um livro. Já em 25 de setembro do mesmo ano, Soares alerta Thiago: “Não se atrase irmão. Importante roupa paisano”.
Veja algumas mensagens:
Conversas no dia do crime
Soares e Thiago chegam a conversar por WhatsApp na véspera e no dia do crime. Em 1º de fevereiro deste ano, um dia antes do triplo homicídio, Soares diz: “Guerreiro, você vai levantar aquela situação hoje? Temos que ter precisão nas informações. E hoje é o dia. Estamos sem prazo. Fico no aguardo”.
Já no dia 2 de fevereiro, dia dos assassinatos, os dois conversaram pela manhã. “Bom dia guerreiro. Bora trabalhar. Vamos precisar de veículo. 14 horas na saída de Planalmira sentido Caldas”, escreveu Soares.
Thiago então responde que vai chegar um pouco mais tarde e que está “arrumando veículo para missão”. Os três homicídios ocorreram nesse mesmo dia, no início da noite.
Pede suporte
Com o contato denominado Martins, o ex-vigilante reclama do ex-marido da amante, a quem se refere como “demônio”. Ele afirmou, em conversa de novembro de 2021, que precisa de equipamento e apoio. Ele também disse na ocasião que já havia pedido apoio para outro colega, com suporte físico e moral.
“Resolver essa situação se tornou questão de vida ou morte familiar”, escreveu Thiago para o colega Martins, que responde apenas duas semanas depois: “Irmão. Oferta de 5.000 no serviço”.
Já no dia 13 de janeiro, Thiago envia uma mensagem para um contato identificado como PM Denis. “Irmão, ferro, preciso de ferro.” Denis responde que também precisa e está sem. “Ferro” é uma gíria para “arma de fogo”.
Áudios para amante
Thiago chegou a citar os colegas Soares e Martins em um áudio enviado para a amante, Luiza, no qual, segundo as investigações, ele relatou uma tentativa frustrada de assassinar o caseiro Denismar.
Na gravação, o ex-vigilante afirmou não ter sido possível “resolver a situação” porque a chácara estava muito cheia e passaram muitas viaturas. Ele então resolve deixar o local, a pedido do chefe Soares, que precisava dele e de Martins em outro serviço.
Indícios concretos
Na decisão judicial que determina a prisão preventiva de Thiago Tavares e de Luiza Nery, a juíza Nathália Bueno cita entre as justificativas “indícios concretos de que sejam ligados a grupo de extermínio”.
Segundo a decisão judicial, o comparsa do ex-vigilante ainda não tinha sido identificado. Um novo inquérito foi aberto para a continuidade das investigações. A reportagem entrou em contato com o delegado que investiga o caso atualmente, Leonardo Sanches, e não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Respostas
Procurada pelo Metrópoles, a Diretoria-Geral de Administração Penitenciária (DGAP) confirmou que Thiago não integra mais o quadro de servidores do órgão e informou que não foi notificada sobre a participação de servidores nos supostos crimes citados pela matéria. Ainda segundo o órgão, a Polícia Civil continua a investigar e aguarda a conclusão do inquérito para tomar providências, caso seja necessário.
O Ministério Público informou que acompanha as investigações na busca de uma terceira pessoa que estaria envolvida no triplo homicídio. Também foi instaurado procedimento para investigar ocorrência de serviços ilegais de escolta e capturas supostamente praticados pelo ex-vigilante. Até o momento não há evidência da participação de mais de três pessoas no crime, segundo o MP.
O Metrópoles também entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Civil, a PM, Ministério Público e a defesa do ex-vigilante. Não houve resposta até a publicação desta matéria.