Ações contra vagas de cotistas negros em concursos se repetem no país
Candidatos negros aprovados são ameaçados por ações judiciais que refutam cotas de concursos para professor no Amazonas, Bahia e Goiás
atualizado
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Casos em que cotas raciais de concursos públicos são questionadas na Justiça se repetem no país. A reportagem apurou pelo menos três casos em que candidatos brancos entraram com ação judicial reivindicando vaga originalmente destinada para candidatos negros.
Um dos casos, já mostrado pelo Metrópoles, foi registrado em concurso para professor universitário da Universidade Federal de Goiás (UFG). Ocorre que situações bastante similares se repetiram em concursos públicos para magistratura na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
No caso da UFG e da UFBA, decisões judiciais determinaram a nomeação do candidato branco no lugar do cotista negro.
Já na UFAM, o Judiciário determinou que o candidato negro não seja nomeado até o trânsito em julgado, que é quando a ação judicial chega ao fim e não há mais possibilidade de recurso.
Regras questionadas
Em resumo, nas três ações, as regras dos editais desses concursos são questionadas. A Lei de Cotas diz que 20% das vagas dos concursos públicos devem ser destinadas para cotistas.
No entanto, segundo a legislação, o concurso deve ter 3 vagas ou mais para que a cota seja aplicada.
Acontece que concursos públicos para professor universitário raramente tem mais de uma vaga para cada área específica ou departamento.
Dessa maneira, há pelo menos três anos, universidades públicas têm realizado concursos unificados para professor universitário, em que são consideradas todas as vagas de magistratura, de diferentes áreas, e parte delas (20%) são reservadas para as cotas.
Disputa de versões
Os estudantes que estão questionando esse modelo alegam que as vagas deveriam ser consideradas individualmente, já que os candidatos só podem escolher uma área para se inscrever no certame.
As universidades, por sua vez, defendem que sem adotar esse modelo nos editais, que consideram legal, seria praticamente impossível conseguir aplicar a Lei de Cotas em concursos públicos para a magistratura superior.
Risco para cotas
A mestre em enfermagem M.G.C.B., que pediu para não ser identificada, passou como candidata cotista para a vaga reservada a negros do concurso de professor de magistério superior da UFAM.
Entretanto, a nomeação dela foi questionada pela candidata que passou em primeiro lugar no sistema universal e não foi aprovada.
“Estou entrando em crise. Isso é muito sério. (…). O que me deixou mais incomodada, no primeiro momento, foi que me senti vivendo um racismo estrutural. Em um segundo momento, eu estou vendo que isso é um risco para todas as ações afirmativas”, disse M.G.C.B.
Protestos
Na UFG houve protesto de estudantes da pós-graduação nas últimas semanas, por conta da decisão judicial que determinou a nomeação de um candidato branco no lugar da candidata cotista negra.
A vaga disputada no caso de Goiás é a de professor do magistério superior, na área de telejornalismo e audiovisual, da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC). O concurso tinha 15 vagas de diferentes departamentos, mas essa vaga da FIC era para candidato negro, segundo o edital.
Estudantes organizaram uma petição na internet contra a decisão judicial e fizeram protestos na universidade com cartazes em que consideram a decisão racista e um risco para a política de cotas raciais.
Veja fotos:
Caso inverso
Nem todas as universidades federais usam esse modelo de edital em seus concursos. Há também casos em que os concursos consideram a individualidade das vagas para professor de cada departamento, diminuindo a quantidade de vagas para cotistas.
Na Universidade Federal do Piauí (UFPI), por exemplo, um edital desse ano previa 21 vagas para magistrado superior, sendo que nenhuma delas era reservada para cotas.
O caso acabou gerando uma manifestação do Ministério Público Federal do Piauí (MPF-PI) em junho, que recomendou a reserva de 20% das vagas e que todas elas fossem consideradas sem fracionamento.
A recomendação do MPF-PI é justamente para a UFPI fazer esse mesmo modelo de edital de concurso que é questionado Brasil afora.
Disputa inviável
No caso da Federal da Bahia, a vaga disputada no Judiciário é para professor da área de Farmacologia, do Instituto de Ciências da Saúde. O resultado do concurso foi divulgado em outubro de 2021, com o candidato cotista negro Felipe Hugo Alencar como vencedor.
A farmacêutica Quiara Lovatti, que ficou em primeiro lugar no sistema universal, conseguiu a nomeação por decisão judicial. O caso ainda tramita no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), já que Felipe entrou com recurso.
“Quando se disputa apenas uma vaga, a aplicação de tal norma (reserva para cotas) é inviável, é impossível”, defendeu a advogada de Quiara, Débora Figueredo, no processo judicial.
O concurso da UFBA tinha 48 vagas, sendo 10 para candidatos negros e duas para candidatos com deficiência, sendo que cada vaga era de um departamento diferente.
Escolha das vagas
A escolha de qual vaga será reservada para cotista varia em cada concurso.
Em Goiás, a Universidade Federal separa, para candidatos negros, a primeira vaga de cada cinco que surgem, para professor universitário. As vagas só costumam surgir quando um professor se aposenta ou morre.
Nesse modelo da UFG, a condição da vaga como sendo de cotista já aparece informada no edital antes das inscrições. A chance de aprovação dos candidatos brancos no caso dessas vagas é se não haver concorrentes negros ou se nenhum cotista passar nas avaliações.
Já no Amazonas, a Universidade Federal só define as vagas para cotistas após a homologação das inscrições, mas a regra já é estipulada no edital inicial. Segundo o edital, as vagas com mais inscritos que se declaram negros são reservadas para aplicar as cotas raciais.