Acessos a contas de Bolsonaro batem com datas do calendário eleitoral
“Ambos os servidores fizeram vários acessos o ano todo, concentrados em determinados períodos”, afirmou Marcos Cintra, secretário da Receita
atualizado
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A Receita Federal identificou que os dois servidores que acessaram dados do presidente Jair Bolsonaro e de seus familiares fizeram várias consultas ao longo de 2018 e em períodos que coincidem com datas importantes do calendário eleitoral, disse ao Estadão/Broadcast o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.
“Ambos os servidores fizeram vários acessos o ano todo, concentrados em determinados períodos. Está comprovado e está nas mãos da polícia. Nem o secretário da Receita pode entrar e fuçar o que quiser”, afirmou Cintra.
A reportagem apurou que foram levantados dados de irmãos e tios do presidente, além do próprio Bolsonaro. Em depoimento à Polícia Federal, um dos servidores investigados, Odilon Alves Filho, disse que fez apenas um acesso e consultou apenas dados cadastrais, por curiosidade. Ele é irmão da deputada Norma Ayub (DEM-SP).
A Receita abriu sindicância depois de a corregedoria ter sido informada de que dados confidenciais do presidente e de vários CPFs relacionados à família Bolsonaro estavam sendo acessados – os sistemas do órgão são monitorados e cada consulta é registrada.
Cintra disse que pediu à Polícia Federal que apure se há outras pessoas envolvidas no caso. “Pedimos à PF que investigue se há ligações externas, se isso faz parte de um plano maior, se tem gente por trás”, afirmou.
O secretário avisou Bolsonaro da sindicância no fim de janeiro e disse que o presidente pediu que fosse dado andamento à investigação “como qualquer outro caso”. Cintra teve vários encontros com Bolsonaro nos últimos meses. Na sexta-feira, Bolsonaro disse no Twitter que os servidores procuravam “algo para vazar” e tentar incriminá-lo antes das eleições.
Os acessos aos dados foram feitos em datas próximas a convenções de partidos, no início do segundo turno e logo depois do resultado das eleições, entre outras. A PF foi acionada no fim de janeiro e, de acordo com fontes, está agora investigando a dimensão dos acessos e que dados os servidores, ambos administrativos, conseguiram levantar. Na quinta-feira, os policiais apreenderam computadores e ouviram os servidores. A operação está em andamento e o sigilo foi redobrado.
Foi aberto um processo disciplinar dentro do Fisco, que pode levar à suspensão ou exoneração dos investigados. Além de Alves, que trabalha em uma delegacia da Receita em Cachoeiro do Itapemirim (ES), é investigado um segundo servidor vinculado à delegacia da Receita Federal de Campinas (SP), que acessou dados na cidade de Sumaré (SP). Os dois servidores teriam agido de forma separada.
Apesar de ainda não ser o presidente naquela época, a consulta a dados de Bolsonaro já não poderia ser feito por servidores sem justificativa, já que ele era uma “pessoa politicamente exposta”. Políticos e familiares fazem parte dessa lista em que há um controle ainda maior no sistema da Receita e, quando os dados são consultados, é gerado um alerta para o superior imediato do servidor.
De acordo com o advogado Yamato Ayub Alves, irmão de Odilon, ele admitiu ter feito um acesso a dados cadastrais do presidente, no dia 30 de outubro – dois dias depois do segundo turno das eleições presidenciais e quando já se sabia que Bolsonaro havia sido eleito presidente.
Ayub disse que o irmão acessou apenas dados do chamado sistema Via, que permite consulta a nome, CPF e endereço, e não entrou em um segundo sistema da Receita que tem dados fiscais, como a declaração de Imposto de Renda do contribuinte. “Ele fez isso de forma ingênua, sem maldade. Não houve vazamento nem quebra de sigilo”, afirmou.
A deputada corroborou a versão apresentada pelo irmão no depoimento. “Meu irmão não fez isso fez isso [vários acessos], eu o conheço. Ele é Bolsonaro doente, eu também fiz campanha para o Bolsonaro”, completou Norma.
Odilon Filho é funcionário público desde 1983 e é agente administrativo da Receita na agência de Cachoeiro do Itapemirim. Ele ingressou no órgão em 1981 e recebe cerca de R$ 5 mil por mês.