Ação civil suspensa pelo MPF e cartas mostram abandono da Cinemateca
Galpão da instituição com maior acervo audiovisual da América do Sul pegou fogo nesta quinta-feira (29/7) e obras históricas foram atingidas
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo – Há dois meses, o Ministério Público Federal (MPF) suspendeu uma ação civil contra a União que denunciava o abandono da Cinemateca Brasileira, sediada em São Paulo. Uma das maiores preocupações dos trabalhadores era o risco de incêndio devido à falta de conservação adequada ao acervo. A ameaça se consolidou nesta quinta-feira (29/7) no galpão localizado na Vila Leopoldina, zona oeste da capital, que pegou fogo no fim da tarde.
O prédio atingido não é a sede principal da Cinemateca, é um imóvel destinado a reservas específicas de guarda de acervos, áreas de processamento de acervos fílmicos e documentais, laboratório de impressão fotográfica digital, bem como demais instalações administrativas, de apoio e serviços.
A suspensão da ação civil do MPF se deu após o governo federal se comprometer a mostrar as ações direcionadas à preservação do maior acervo da América do Sul em até 45 dias, o que não ocorreu até o momento.
Risco de incêndio
“Tal urgência é por demais agravada diante da comprovada aceleração da degradação do acervo e do perigo real de incêndio”, dizia trecho do documento.
A ação expunha a “omissão” e o “abandono” do governo federal na preservação da Cinemateca e chegou a citar outros incêndios provocados por abandono, como o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em setembro de 2018 e o Museu da Língua Portuguesa, em 2015.
“A sociedade brasileira sofreu a perda de inúmeros bens materiais e imateriais dessa natureza. E, entre essas perdas, algumas foram tragicamente irreversíveis. Cite-se, como exemplo, o incêndio do Museu Nacional em 2018, maior museu de história natural do Brasil, onde havia acervo de 20 milhões de itens; incêndio do Teatro Cultura Artística, em 2008; incêndio em 2010, que atingiu o laboratório de répteis do Instituto Butantan, destruindo um dos principais acervos de cobras do mundo; incêndio do Memorial da América Latina, em 2013; incêndio do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas, em Belo Horizonte, que tem um dos maiores acervos de fósseis de mamíferos do Brasil; incêndio no Centro Cultural Liceu de Artes e Ofícios em 2014; incêndio do Museu da Língua Portuguesa em 2015 etc”, destacou a ação.
Manifesto
O risco de incêndio também foi explicitado em um manifesto em defesa da Cinemateca Brasileira divulgado em abril deste ano. O documento explica que um eventual novo incêndio seria o quinto da história da instituição e que o perigo era iminente.
“A possibilidade de autocombustão das películas em nitrato de celulose e o consequente risco de incêndio frequentemente recebem mais atenção da mídia e do público. A instituição enfrentou quatro incêndios em seus 74 anos, sendo o último em 2016, com a destruição de cerca de 500 obras. O risco de um novo incêndio é real. O acompanhamento técnico contínuo é a principal forma de prevenção. A situação do acervo em acetato de celulose também é crítica. O conjunto está estimado em torno de 240 mil rolos, e corresponde à maior parte do acervo audiovisual da Cinemateca Brasileira. Tal acervo demanda temperatura e umidade constantes e, na falta de tais condições, sofre aceleração drástica de seu processo de deterioração. O acompanhamento técnico e as demais ações de preservação, inclusive processamento em laboratório, também são vitais”.
Manifesto dos trabalhadores da Cinemateca Brasileira
São Paulo, 12 de abril de 2021
Sem trabalhadores não se preservam acervos!https://t.co/UPRgo5IxdI pic.twitter.com/QX1V1b6N2h
— Trabalhadores da Cinemateca Brasileira (@trabalhadorescb) April 12, 2021
Salários atrasados
O descaso com a instituição também se estendeu aos funcionários, que, em junho do ano passado, afirmaram que estavam há dois meses sem receber salários. Em uma carta obtida pelo Metrópoles na ocasião, eles relataram que a Cinemateca, a TV Escola e a TV INES, todas sob a gestão da Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), estavam “ameaçadas de extinção”.
“Mesmo sem receber o acordado no contrato com a Cinemateca – de acordo com o adendo no contrato da TV Escola com o MEC – a ACERP bancou como pode, para que a Cinemateca tivesse um mínimo de estrutura para se manter aberta até março. Agora, esgotado o dinheiro em caixa, não apenas a Cinemateca, mas também a TV Escola, a TV INES e a própria ACERP estão ameaçadas de extinção e seus funcionários completaram dois meses sem receber salários. Benefícios como os vales alimentação e transporte não foram repassados esse mês e os planos de saúde estão prestes a acabar, o que é desumano nesse período de pandemia”, afirmou a carta.