“Acabou com nossa família”, diz viúva de engenheiro morto por coronel
Oficial reformado da Polícia Militar confessou ter matado engenheiro com tiro no pescoço em Goiás, mas não foi preso. Família pede justiça
atualizado
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Goiânia – Após 16 anos de casamento, a autônoma Kelly Brito da Silva, de 38 anos, perdeu o esposo, o engenheiro Erceli Miguel Pinto, de 49, de uma forma brutal. Ele foi assassinado na porta da casa em que o casal morava com os dois filhos adolescentes, na Vila Brasília, em Aparecida de Goiânia, na manhã do último sábado (16/4).
“Ele desceu para comprar pão. Logo que desceu, escutei um barulho igual a bomba. Quando cheguei, ele estava lá caído”, contou a autônoma ao Metrópoles.
Os filhos gêmeos do casal também desceram e viram o pai agonizando no chão ensanguentado.
Miguel, como era conhecido o engenheiro, morreu com um tiro no pescoço que acertou a jugular da esquerda para a direita. Ele morreu rapidamente, ainda no local. O crime foi na rua, em plena luz do dia
Confissão
O autor do disparo que deixou uma viúva e dois órfãos foi o coronel da reserva da Polícia Militar de Goiás (PMGO) Clovis de Sousa e Silva, de 62 anos. Ele assumiu o crime na noite de sábado e deu depoimento na delegacia dois dias depois, mas não foi preso.
“Ele tem que estar preso. Ele já sabia que ia matar e que não seria preso em flagrante. (…). Nós não estamos dormindo, nem comendo. Ele acabou com nossa família. Tememos pelas nossas vidas também. Estamos mortos”, disse Kelly Brito.
Segundo testemunhas, o coronel estava de roupa e boné preto no momento do assassinato, o que foi confirmado por câmeras de monitoramento. O coronel alega que encontrou a vítima por acaso.
Apesar de confessar o crime, a arma usada no homicídio não foi entregue para o Grupo de Investigação de Homicídios (GIH) de Aparecida de Goiânia. O coronel não foi preso porque a polícia entendeu que não havia flagrante. No entanto, ele ainda pode ser preso de forma preventiva, caso a Polícia Civil faça um pedido e o Judiciário acate.
Ameaças
O coronel Clovis e o engenheiro Miguel já se conheciam anteriormente. O engenheiro foi contratado em 2020 para construir uma casa popular para o oficial da PM na Vila Redenção, segundo processo no Judiciário. A residência seria para o filho do coronel.
Depois da residência entregue, Clovis entrou na Justiça contra Miguel, alegando que a casa não teria ficado com a qualidade prevista no contrato. Kelly defende que a casa foi sim entregue da forma correta e que, durante a briga judicial, Miguel chegou a ser ameaçado por uma pessoa ligada ao coronel.
“Ele não se conformou com a casa e começou a ameaçar a gente. Falou que ia pegar ele (Miguel) na hora que fosse comprar pão. E foi na hora mesmo que matou ele. A gente já tinha esquecido, passou mais de ano dessas ameaças”, relatou a autônoma.
Em outra ocasião, Miguel teria recebido uma foto da esposa em um local público, acompanhada da mensagem: “Já sei até quem é a sua esposa”. “O filho dele (do coronel) falou na minha frente: ‘Toma cuidado com meu pai. Meu pai não é bicho de se cheirar não’. Isso foi uma forma de ameaça”, contou Kelly.
Fé
Segundo Kelly, o marido não gostaria de pegar serviço com o coronel, pois ele seria conhecido por ser uma pessoa agressiva e por judicializar obras. No entanto, o engenheiro estaria com dificuldades de conseguir trabalhos, por causa da pandemia.
No dia em que o coronel ofereceu a empreitada para o engenheiro, Miguel teria pedido um serviço para Deus em oração. Logo depois, teria ido caminhar em um parque, onde encontrou o coronel, que ao oferecer o trabalho, teria dito: “Deus está te mandando um presente”.
“Ele (Miguel) entendeu que era a mensagem de Deus para pegar o serviço”, contou Kelly. O engenheiro é evangélico e seria uma pessoa de muita fé, segundo a esposa.
Indignação
Além da indignação com a morte violenta do marido e liberdade do autor, Kelly também ficou indignada com o depoimento do coronel na delegacia. O coronel disse que o engenheiro agrediu ele verbalmente e o empurrou, por isso teria tirado a arma para atirar para cima, mas teria acertado o pescoço sem querer.
“O Miguel era temente a Deus, nunca teve coragem de fazer mal para ninguém. Pode perguntar para todo mundo, que vai confirmar. Ele foi a melhor pessoa que conheci na vida, tinha o coração bom”, defendeu a viúva com a voz embargada.
Investigação
A morte de Miguel está sendo apurada pela GIH de Aparecida de Goiânia. O delegado responsável pelo caso, Rogério Bicalho disse que ainda não pode informar se vai pedir ou não a prisão preventiva do oficial. Familiares da vítima devem ser ouvidos na próxima semana.
Segundo o delegado, a arma do crime não foi localizada. O coronel disse que a jogou fora em uma fazenda próxima ao terminal de passageiros Padre Pelágio, mas não quis especificar o local ou o tipo da arma. Uma imagem de uma câmera de monitoramento captou o momento exato do crime, mas ainda não foi divulgada.
O Metrópoles vem tentando contato com o coronel desde o último domingo (17/4), mas ele não respondeu. A Secretaria de Segurança Pública e a Polícia Militar também não responderam à reportagem.