Acabar com o crime no Rio, uma velha promessa
Atual braço-direito de Temer chegou a afirmar em 1986 que poria fim à violência em seis meses
atualizado
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“O governo, que está tirando o país da maior recessão da sua história, agora vai tirar o Rio de Janeiro das mãos da violência”, indicou sem modéstia um anúncio do governo Michel Temer publicado no jornal O Globo em fevereiro, na esteira da intervenção na segurança pública do estado.
Tão persistentes quanto a violência crônica que assola o Rio há mais de três décadas são as promessas das autoridades locais e federais de solucionar o problema.
Durante a campanha eleitoral daquele ano, o candidato Wellington Moreira Franco (PMDB) disse que iria “acabar com a violência no Rio em seis meses”.
Moreira foi eleito. Aumentou investimentos e ordenou que a “polícia subisse os morros”. Mas os índices de crimes continuaram a crescer, e o governador se tornou motivo de chacota. Deixou o cargo em 1991. Entre a posse e saída, a taxa de homicídios saltou 39%.
Moreira Franco prometeu acabar com violência em seis meses em 1986.
Moreira ainda teve que enfrentar um vexame adicional: seu preparador físico foi preso em 1990 por envolvimento no sequestro de Roberto Medina, o idealizador do Rock in Rio que também havia sido o marqueteiro da campanha do governador. Segundo Moreira, foi Medina que insistiu para ele prometer na TV que acabaria com a violência em poucos meses.
Hoje Moreira é ministro da Secretaria-Geral da Presidência e atua como um dos principais articuladores da intervenção federal no Rio.
Brizola, Alencar e o Exército
O fracasso de Moreira nos anos 1980 não impediu que os sucessores fizessem promessas ambiciosas. Em 1991, Leonel Brizola (PDT), que já havia ocupado o governo entre 1983 e 1987, prometeu “enfrentar os bandidos” e ser “ainda mais vigoroso” contra policiais corruptos que participassem de grupos de extermínio.
No poder, Brizola voltou a adotar as políticas para reduzir abusos contra moradores de favelas por PMs do seu governo anterior. Criou uma delegacia antissequestro e o embrião do disque-denúncia. Mas a violência permaneceu alta, e grupos de extermínio continuaram a agir. Foi a época das chacinas da Candelária e de Vigário Geral, cometidas por PMs.
Brizola deixou o cargo no início de 1994, para concorrer à Presidência. Naquele ano, a taxa de homicídios alcançou 48,7 por cada 100 mil habitantes – 23% a mais do que em 1991.
O sucessor Nilo Batista, que ficou nove meses no cargo, não se saiu melhor. Em 1994, o Rio vivenciaria a Operação Rio I, que marcou a primeira de várias participações das Forças Armadas contra o crime no Rio. A ação foi imposta pelo presidente Itamar Franco contra a vontade do governador.
Desta vez, generais prometeram acabar com o poder de traficantes e policiais corruptos. “Os homens que não prestarem serão afastados”, disse o general Gilberto Serra, porta-voz da operação. A ação chegou ao fim sem diminuir a criminalidade e marcada por abusos, mas ajudou a campanha de Marcello Alencar (PSDB), apoiado por Itamar.
No governo, Alencar nomeou um general para chefiar a segurança e retomou a política de confronto nas favelas, rechaçada por Brizola. “Os marginais que estão me ouvindo sabem que eu vou combatê-los, que eu sou intransigente”, disse. Criou ainda uma bônus para PMs por desempenho contra criminosos. Apelidada de “gratificação faroeste”, foi um estímulo para a letalidade policial.
Alguns crimes, como sequestro, caíram, mas em 1995 o Rio veria a taxa de homicídios saltar para 61,9 para cada 100 mil habitantes, a mais alta já registrada.
O ciclo Garotinho-Benedita-Garotinho
Em 1998, com os homicídios batendo a marca de 55,3 por 100 mil habitantes (o dobro da média nacional), o candidato Anthony Garotinho (então no PDT), propôs um “serviço militar alternativo” para aproveitar jovens não selecionados pelo Exército. “Vamos recrutar a preço muito pequeno, como que o Exército paga pelo alistamento e aumentar o policiamento ostensivo”. O plano causou estranheza na imprensa e nunca avançou.
No poder, Garotinho tentou uma abordagem mista, convidou pesquisadores a elaborar planos para lidar com a criminalidade e reformar a polícia. Ao mesmo tempo, nomeou um general linha-dura para comandar a segurança.
“Você vai sentir uma mudança de conceito. O policiamento ostensivo vai ser maior. Nós vamos tombar gradativamente todos os itens da criminalidade”, disse Garotinho à época.
Por alguns meses, parecia que a abordagem dos especialistas estava vencendo, mas logo surgiram disputas com a linha-dura, que acabou prevalecendo. Em abril de 2002, Garotinho deixou o cargo e se candidatou à Presidência, sem diminuir a maior parte doas ocorrências.
O governo ficou para a vice, Benedita da Silva (PT), que prometeu uma nova abordagem. “Até então só se apagou incêndio”, disse ela.
Benedita logo passou a enfrentar motins em presídios e, em junho, a prefeitura do Rio foi metralhada. O governo federal prometeu ajudar. “Vamos definir algo efetivo, que não seja demagógico, algo para valer, porque não dá mais para aguentar tanta violência”, disse o presidente Fernando Henrique.
Não houve nova abordagem. Benedita acabou apostando no combate aberto contra facções. A polícia passou a matar mais: foram 900 mortes em 2002, contra 397 em 1998.No final de 2002, a taxa de homicídios alcançou 56,5 por 100 mil habitantes, ainda o dobro da média nacional.o ex-governador Anthony Garotinho, que também fracassou em diminuir o crime.
Em 2003, Rosinha Matheus (então no PSB), mulher do ex-governador Garotinho, assumiu o governo. “Não vamos negociar com bandido”, disse. “Essa questão não terá meias palavras nem muita conversa.” Temendo uma intervenção federal, nomeou o marido, que tinha bom trânsito em Brasília, para chefiar a Secretaria de Segurança.
Os índices de violência não retrocederam e uma nova força começou a se expandir no Rio: milícias formadas por PMs, bombeiros e ex-policiais. Em 2004, seis comunidades do Rio eram dominadas pelos grupos. Em 2014, o total passava de 148. O próprio sucessor de Garotinho na pasta da Segurança, Marcelo Itagiba, foi acusado de ligação com milicianos.
As promessas de Cabral
Em 2007, Sérgio Cabral (PMDB) assumiu o governo. “Nosso governo não vai se intimidar, não vai tergiversar para garantir tranquilidade e segurança ao povo. Esses facínoras, esses covardes terão a resposta de um governo sério. Vamos ganhar a guerra contra os criminosos”, disse na posse.
No início daquele ano, o presidente Lula, aliado de Cabral, comparou a violência no Rio a ações terroristas. “Essa barbaridade que aconteceu no Rio não pode ser tratada como crime comum. Isso é terrorismo e tem que ser combatido com uma polícia forte e com a mão forte do Estado brasileiro”.
O governador lançou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que previam uma polícia comunitária permanente nas favelas. Inicialmente, pareceu funcionar. Ocorrências caíram e ações violentas de bandidos foram encaradas como reação desesperada ao sucesso do programa. Cabral também investiu no enfrentamento. Em 2007, policiais mataram 1.330 pessoas.
Lula – e posteriormente Dilma – também disponibilizaram homens das Forças Armadas. Entre 2008 e 2015, militares foram acionados no Rio em oito ocasiões. Em 2012, o índice de homicídios caiu para 25,1 por 100 mil habitantes, abaixo da média nacional.
Mas as UPPs começaram a mostrar falhas. O programa previa uma segunda fase que iria dotar as favelas de serviços públicos de qualidade, mas essa etapa nunca se concretizou. No poder, o grupo de Cabral saqueou os cofres do estado. A corrupção, aliada aos problemas econômicos, acabou travando investimentos. A partir de 2013, os homicídios voltaram a crescer. Policiais passaram a morrer mais. Em 2017, 134 foram assassinados – maior número em 15 anos.
Cabral ainda conseguiu eleger um sucessor, Luiz Fernando Pezão. “Não vai faltar dinheiro para a segurança pública e para nenhuma política pública”, disse o novo governador em 2015.
Mas sem recursos, Pezão recorreu ao Planalto. “O governo dará respostas duras, firmes e adotará todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas”, disse Michel Temer ao assinar o decreto de intervenção.
Na cerimônia de assinatura estava o ministro e ex-governador Moreira Franco, que 32 anos antes prometera acabar com a violência no Rio em seis meses.