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Abuso, abandono e moscas: a luta de Jamile e Mateus para sobreviver

Jamile, que não sabe a própria idade com certeza, luta para criar o filho, Mateus, em uma rotina de descaso do poder público e desesperança

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Jamile
1 de 1 Jamile - Foto: João Paulo Guimarães/Metrópoles

Trairi (CE) – Trairi é uma cidade do Ceará com quase 57 mil habitantes. Fica a duas horas e meia de Fortaleza, próxima de Jericoacoara, point badalado do turismo milionário do Ceará, com diárias em hotéis que chegam a R$ 2 mil. Trairi também tem praias, mas o que chama a atenção na cidade são as turbinas de energia eólica espalhados por todo o território do município. São equipamentos de empresas internacionais, cujo investimento chega a bilhões de reais.

As turbinas são vistas através da vegetação, das praias e do centro da cidade. Trairi deveria ser uma cidade rica, inteligente e cheia de oportunidades profissionais, graças ao turismo e aos investimentos em tecnologias sustentáveis. Não é.

O IDH de Trairi é de 0,606, indicador considerado de médio desenvolvimento, mas isso não fica visível ao circular em vias rurais e locais como a Comunidade de Flecheiras. É lá que se desenrola a história de Jamile, uma menina com problemas mentais que a comunidade apelidou de Onça, graças ao seu comportamento violento e desconfiado. É a história de uma realidade tão trágica quanto, infelizmente, rotineira entre os despossuídos que se espalham pelo país.

Tem abuso, descaso, luta incessante pelos mais limitados padrões de sobrevivência. E moscas.

Quando se chega à casa de Jamile, ela recebe o visitante com um sorriso e um abraço tímido. A menina chamada de Onça que se apresenta é diferente do que a comunidade insiste em contar.

Me apresento e pergunto quantos anos ela tem. Jamile não sabe dizer. A mãe da menina também não sabe a idade da filha. Uma certidão de nascimento recente mostra que Jamile tem 19 anos, mas a própria família não consegue garantir que seja essa a idade real da menina. Algumas pessoas acreditam que Jamile tenha 14 anos, outras falam em 16.

Ela tem um filho chamado Mateus. A criança, de 3 anos, vive na casa com a mãe, a avó, Maria Erenilce Conceição, três irmãos e o padrasto de Jamille. Quando Jamile engravidou pela primeira vez, o padrasto a expulsou de casa com o consentimento da mãe.

Ela morou por dois dias na rua, até que vizinhos a acolheram. Flecheiras é comandada por facções criminosas, que souberam da situação da menina e intervieram. O padrasto de Jamile recebeu um ultimato: se algo acontecesse à menina, ele morreria. A facção mandou que o homem entregasse a casa para a menina. Agora, ela não pode mais ser expulsa.

A menina não consegue dizer quem é o pai de Mateus. Está novamente grávida, mas não sabe de quantos meses, pois não está fazendo o pré-natal.

Três anos

Mateus aparece logo depois para se agarrar em suas pernas. É uma criança tímida e triste. Usa apenas uma cueca. Tem várias feridas espalhadas pelo corpo. Nelas, pousam moscas – que não são afastadas. A imagem é chocante. Mateus está coberto por saliva. Ele se senta no chão ao lado de Jamile, urina e fica sentado na poça.

O menino tem o rosto inchado por um corte na parte externa da bochecha, outro corte inflamado na orelha e frieiras nos pés. A criança sente dor e baba muito.

Mateus está em estado de desnutrição crônica, anêmico, ictérico e com a barriga inchada pelo quadro de verminoses. Passado o choque, entramos em contato com um farmacêutico, que traz remédios e pomada para poder tratar de forma superficial as feridas da criança e as verminoses. Pedimos que Jamile dê um banho em Mateus, mas ela fica receosa de gastar a água da bica. O padrasto está em casa, e ela tem medo dele, mesmo depois da ação das facções criminosas.

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Moscas pousam em Mateus
Menino está coberto de feridas
Mateus é filho da jovem Jamile
Até mesmo o banho é regulado na casa de Jamile
Apesar das feridas, criança não havia sido atendida por médicos
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Filho de Jamile, Mateus, sofre com frieiras e feridas pelo corpo

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Moscas pousam em Mateus

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Menino está coberto de feridas

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Mateus é filho da jovem Jamile

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Até mesmo o banho é regulado na casa de Jamile

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Apesar das feridas, criança não havia sido atendida por médicos

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Casa onde moram Jamile e sua família

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Comunidade é dominada por facções

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Facções determinaram que padrasto deveria deixar casa com Jamile

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Mateus ao lado de Jamile

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Visita de equipes do Cras e do Creas à casa, após denúncias

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Mãe de Jamile

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Alimentação da família é muito limitada

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Casa de Jamile é pequena

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Casa fica no interior do Ceará

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Ao entrar na comunidade, logo se vê, em vários pontos, as pichações que demarcam território de controle do crime no bairro. O crime organizado de Trairi não perdoa os homens que batem ou estupram mulheres. A sentença é a morte.

Promessa de atendimento

A assistente social de Flecheiras, Viana Viane, foi procurada e disse que agirá para tentar melhorar a situação da família – ao menos, garantir atendimento mínimo para as necessidades de Jamile e Mateus.

“Nós vamos encaminhar a Jamile para o pronto-socorro de Flecheiras para os exames de gravidez, e Mateus também será encaminhado para atendimento. Ontem [quinta-feira, 31/3), a enfermeira foi lá, mas não encontrou a Jamile. A enfermeira encontrou a mãe dela na rua e nós combinamos com dona Preta (a mãe de Jamile) para segunda de manhã, mas caso eles não estejam em casa e faltem nos exames então a gente vai se informar com a enfermeira do pronto-socorro, porque aí vai ser feita uma busca. Se essa família continuar nessa situação, vão ser tomadas medidas.”

Depois de ser pressionada nas redes sociais, a prefeitura da cidade enviou equipes do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) à casa da família. Agora, a promessa é de que Jamile e Mateus serão encaminhados para o Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e o menino receberá tratamento médico.

Mas Jamile e Mateus não estão fora de risco. Nem perto disso. A burocracia do poder público faz o atendimento demorar. Enquanto não é encaminhada para tratamento, Jamile continua morando na mesma casa. Na mesma realidade, com os mesmos personagens, com a mesma desesperança.

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