“A vida tem que continuar”, diz jovem que levou machadada em Suzano
Em casa, após receber alta, garoto diz que deseja retomar a rotina na escola Raul Brasil: “Precisamos impedir que massacres ocorram de novo”
atualizado
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Enviados especiais a Suzano (SP) – Alameda Armando Alcântara, Suzano (SP). Foi para este endereço que um dos personagens mais emblemáticos do massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em que dois atiradores mataram 10 pessoas e feriram duas dezenas, voltou na manhã desse sábado (16/3). Sorridente, José Vitor Ramos Lemos, 18 anos, teve alta do hospital após dois dias internado. Ele é o menino visto nas filmagens correndo da escola com um machado cravado no ombro.
Subindo as escadas com cautela, José Vitor reencontrou a família. A avó Dalva Pereira Ramos, 73, ao vê-lo, caiu no choro. “Eu sabia que você ia voltar. Acredito num Deus forte e que ele estendeu a mão sobre você na hora que aquilo aconteceu”, agradecia em oração.
O pai do menino, o enfermeiro Marco Antônio de Lemos, 49, e a mãe, a dona de casa Sandra Regina, 49, respiravam aliviados. A família recebeu o Metrópoles junto do filho na sua casa para contar o que viveram nas 72 horas que sucederam o massacre desencadeado pelos ex-alunos da escola Guilherme Taucci Medeiros, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25.
A mãe do jovem lembra que foi a primeira a receber a notícia do ataque. Ao entrar no carro para sair a procura do filho, ela não sabia da gravidade do que tinha acontecido. “Eu estranhei a ligação do hospital. Pensei que ele tinha se machucado fazendo esporte. Mas, quando saí de casa, percebi a movimentação dos helicópteros. Nesse momento, caiu a ficha”, lembra.
Sandra conta que o trajeto até a escola, apesar de curto, parecia demorar uma eternidade. “Eu dirigia e nunca chegava. Quando avistei a porta do colégio, havia um amontoado de gente, polícia, ambulâncias e bombeiros. Tive a certeza que meu filho tinha morrido”, conta.
Mal sabia ela que, minutos antes, seu filho havia travado uma luta pela vida. Um dos atiradores o atacou com um machado. A arma branca fincada no lado direito do corpo por pouco não tirou a sua vida. A machadinha ficou apenas a 3cm de uma artéria. José Vitor conta que o agressor só não o feriu mais porque o conseguiu impedir que ele retirasse o instrumento do seu corpo.
O menino relembra o desespero de buscar ajuda e só encontrar o desamparo. “Eu corria pela rua pedindo ajuda, mas as pessoas me olhavam com estranheza e não reagiam. Eu gritava por ajuda. Muito rapidamente, decidi correr para o hospital. Foi o que me salvou”, detalha.
Ao deixar o colégio, José viu mortos e muito sangue espalhado. Já sabia a dimensão do que havia acontecido. “Foi uma cena horrível. Estava todo mundo na cantina, era hora da merenda. O mais triste foi ver a tia [a funcionária Marilena Umezu] caída no chão”, lamenta.
Mesmo com a situação delicada, ele se preocupava com os amigos. “Vi muita gente tentando pular o muro. Era uma gritaria grande. Muitos corriam sem saber para onde. Eu só queria saber como estavam meus amigos e a minha namorada [uma garota de 16 anos, estudante do mesmo colégio]”, descreve.
Com a cidade em colapso, pais, amigos e parentes ficaram sem reação. “Todo mundo estava desesperado. Ninguém sabia o que estava acontecendo. Na busca por informações, muita gente descobriu que o filho tinha morrido ou estava gravemente ferido. Era a pior notícia”, lembra Marco Antônio, o pai.
Ao encontrar a Polícia Militar e ser informado do ocorrido, Marco Antônio chegou a ver a arma que feriu o filho. “Ele [policial] foi ao carro e mostrou o machado embalado, não dava para ver muita coisa, mas era grande”, frisa, ao simular a dimensão com a mão.
Como pai do menino é enfermeiro, ele conseguiu localizar o filho. Já no hospital, o garoto havia passado pela cirurgia que salvou a sua vida. “Eu o vi quando ainda estava sedado no centro cirúrgico. O médico, um conhecido antigo de trabalho, me tranquilizava, dizendo que meu filho estava bem e que, apesar da gravidade, o ferimento não havia comprometido o braço dele”, detalha.
Sem informações, a mãe sentia outra coisa em seu coração. “Eu já imaginava meu filho sem braço. Pensava que ele não conseguiria se reabilitar. Graças a Deus, meu filho está aqui, perfeito. Foi a melhor notícia que recebi! Saber que ele está bem é um alívio”, comemora.
José Vitor terá que fazer sessões de fisioterapia. Para a recuperação completa, a equipe médica estima 90 dias. O jovem levou uma quantidade tão grande de pontos que a família não sabe precisar o número exato.
Família em polvorosa
A movimentação no sobrado simples é intensa na volta de José Vitor Ramos Lemos para casa. A todo momento chegam primos, tios, amigos e outros conhecidos. A escada estreita ficou cheia de gente. Entre lágrimas e sorrisos, abraços aliviados são trocados. Dona Dalva, uma mulher forte apesar da idade, se agitava para preparar o almoço. A felicidade a deixava perdida.
“Todos eles [netos de dona Dalva] são muito mimados. Sou aquela avó carinhosa mesmo”, frisa para a reportagem, ao fazer um carinho em José Vitor, que retribuiu com um sorriso.
Uma prima do jovem, de 20 anos, está morando em Buenos Aires, na Argentina. Ela estuda medicina. Os dois conversaram por vídeo e a moça parecia muito preocupada, só queria saber como José Vitor se sentia. Com sorriso mesclando alegria e intimidade, ele resumia: “suave”.
Entre as prioridades de José, está cortar o cabelo e revisitar a quadra de basquete. O sonho dele é ser atleta do esporte. “Eu jogo desde os 11 anos. Gosto muito”, destaca. A paixão pelo time é tamanha que o jovem trajava, no momento da entrevista, a camisa do time de basquete de Suzano.
Sem ressentimento
Mesmo depois do ataque à sua escola, José Vitor está decidido a permanecer no Raul Brasil. Ele ainda não sabe quando visitará o cenário de um dos traumas mais sangrentos que o município, distante 50km de São Paulo, viveu. “A vida tem que continuar. Temos que superar, passar por cima. Daqui a um tempo, isso será apenas uma lembrança triste”, comenta.
Será que um policial armado na porta da escola teria evitado isso? Será que, se eles [os atiradores] tivessem sido acompanhados, teria sido diferente? Eu não sei. Mas alguma coisa tem de ser feita para que essa história não se repita nunca mais
José Vitor Ramos Lemos, sobrevivente do ataque de Suzano
A família encerra a entrevista mostrando um grande quadro de fotografias preso na parede da sala. Ali, muitos espaços em branco começam a ser preenchidos hoje. O que eles querem tem nome. Paz. Desejam que ela não fique presa apenas no muro daquele sobrado, mas que atinja a todos. “Tem que seguir em frente”, diz o menino, que sorri com a alma.
Veja fotos do enterro de Samuel, uma das vítimas:
Veja fotos dos primeiros sepultamentos e velórios:
Crime e polícia
Segundo as autoridades locais, a chegada da polícia na cena do massacre evitou que os criminosos matassem e ferissem mais gente (23 pessoas foram atendidas em hospitais da região). As investigações apontam que a dupla criminosa planejou o massacre durante um ano.
Imagens captadas por câmeras de segurança da rua onde fica a escola e da entrada da unidade de ensino mostram os criminosos chegando ao local e o ataque às vítimas. Após Guilherme Taucci Medeiros atirar contra alunos e funcionários, Luiz Henrique de Castro atingia com golpes de machado quem já estava no chão.
Quem eram
Os dois responsáveis pelo massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), eram ex-alunos do colégio e usaram armas atípicas para atacar estudantes e funcionários. O crime aconteceu no horário do intervalo, por volta de 9h30, quando os alunos estavam fora das salas. Dez pessoas morreram – incluindo os autores e o tio de um deles, que não estava no colégio).
Os criminosos foram identificados como Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25. O aniversário de Luiz Henrique seria no próximo dia 16, quando ele faria 26 anos. Já Monteiro atingiria a maioridade no dia 5 de julho.
O veículo que foi utilizado no massacre foi roubado da concessionária do tio de Guilherme morto antes de os assassinos irem ao colégio. Tanto o comerciante quanto a dupla de executores foram sepultados nessa quinta (14), em cerimônias reservadas e acompanhadas por poucos familiares.
Veja imagens do massacre em Suzano:
Relatos
Sobreviventes contaram ao Metrópoles terem passado ao lado de corpos de amigos para escaparem da fúria dos criminosos. Um estudante chegou ao hospital mais próximo ainda com o machado usado por Luiz Henrique cravado no ombro. A notícia de que havia algo errado na escola, onde boa parte da população estudou ou tem algum conhecido matriculado, se espalhou rapidamente. Desesperados,familiares também correram para o colégio à procura de suas crianças.
Apelos pela paz
Antes mesmo da divulgação de que outras pessoas poderiam estar envolvidas no crime e circulando pela cidade, o medo de novos ataques já dominava os moradores de Suzano. A comunidade tem se unido em oração – antes dos velórios e sepultamentos, participaram de missa e vigília em frente à Escola Estadual Raul Brasil. Lá deixaram flores, velas e mensagens em honra aos mortos e feridos na tragédia.