A vida nababesca de Roberto Caldas, o juiz que espancava a ex-mulher
O conhecido defensor de causas humanitárias e trabalhistas encobria socialmente a vida de luxo e, em casa, assediava até mesmo as empregadas
atualizado
Compartilhar notícia
O juiz recém-afastado da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) Roberto Caldas costumava dividir a vida entre dois mundos distintos. Se, por um lado, mantinha temperamento agressivo dentro de casa, onde espancava a ex-mulher Michella Marys; fora dela, era conhecido pelo fino trato aos amigos. No dia a dia, também separava as coisas: enquanto mantinha uma vida de extremo luxo, preferia não ostentar a riqueza quando deixava o lar para defender causas bilionárias de trabalhadores.
Reconhecido internacionalmente pela defesa humanitária, o advogado escolhido para representar o Brasil como juiz no órgão internacional acumulou riquezas graças, especialmente, a uma causa de vários bilhões a qual ajudou a vencer em defesa de sindicatos e de trabalhadores. Mas, por trás do verniz de uma carreira bem-sucedida, Caldas é acusado de assediar moral e sexualmente as próprias funcionárias para quem esbanjava uma vida aparentemente perfeita, temperada pela sofisticação e glamour.
A separação não se resumia à relação conturbada com a ex-mulher, ele também conseguia distanciar a vida extremamente luxuosa que bancava em casa daquela de advogado defensor de grandes sindicatos de trabalhadores e causas sociais.
Conhecidos relatam que, nos tribunais, Roberto Caldas dificilmente ostentava relógios, joias e carros de alto valor. Preferia exibir coisas caras apenas dentro da casa, no Lago Sul, onde vivia com a família até pouco tempo atrás.
Avaliada em R$ 50 milhões por corretores especializados, a mansão de 2,4 mil metros de área total, sete quartos e nove vagas de garagem carrega a assinatura do badalado arquiteto Ruy Ohtake e guarda, dentro dela, inúmeras obras de arte. Há mural exclusivo de Athos Bulcão, uma peça de 3m e 150kg da artista plástica Tomie Ohtake e ainda móveis assinados por nomes internacionais, como Philippe Starck e Oscar Niemeyer. Pela internet, a casa foi anunciada para aluguel por uma imobiliária de luxo por R$ 100 mil mensais.
Fontes do mercado imobiliário relatam que apenas um dos lavabos foi acabado com mármore Nero Portoro no piso, com direito a fragmentos de ouro, e madrepérolas na parede. A cozinha Boffi italiana, segundo cotaram, pode chegar ao custo de US$ 200 mil (ou R$ 738 mil) para alguém que sonha ter uma igual na própria casa.
Todas as informações e detalhes do acabamento estão disponíveis no site onde a casa foi anunciada. Além disso, há um elevador panorâmico com vista privilegiada para a Ponte JK, um dos principais atrativos turísticos de Brasília.
Luxo em casa, simplicidade na rua
No entanto, apesar de possuir uma boa cartela de imóveis próprios em seu nome, incluindo um confortável apartamento no Noroeste, terrenos no Lago Sul e em Aracaju (SE), o advogado preferia demonstrar discrição no meio jurídico: usava, por exemplo, um Honda Accord para se locomover. Apesar de ser um carro considerado sofisticado, é, sem dúvida, menos glamoroso se comparado às opções bem mais valorizadas que frequentam a garagem da casa, como o Audi TT – que pode custar até três vezes mais.
A separação desses dois mundos pode ser considerada estratégica. Afinal, foi o temperamento social que garantiu a Roberto Caldas a grande articulação política e jurídica durante os 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores no Palácio do Planalto.
Após ser alçado como um aliado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), como espécie de “gratidão” por ter desarticulado um processo de impeachment que seria ingressado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o ex-presidente “presenteou” o advogado com uma das cadeiras da Comissão de Ética da Presidência da República. O cargo não era remunerado, mas o projetou internacionalmente entre os defensores dos princípios morais.
Também foi escolhido por Lula para ser juiz ad hoc da Corte Interamericana, antes de ser designado titular da mesma instituição durante o governo de Dilma Rousseff (PT). Recebia um salário de US$ 7,5 mil (o equivalente a R$ 27.150,00 por mês).
Apesar de o cargo na Corte não ter sido a principal fonte de renda, o prestígio fez com que Caldas passasse a receber autoridades para jantares sofisticados na residência do Lago Sul, como a então ministra dos Direitos Humanos e hoje deputada federal Maria do Rosário (PT-RS); os ex-ministros Tarso Genro (PT) e José Eduardo Cardozo (PT); além de um dos nomes tidos como mais próximos a ele: o ministro do STF Luís Roberto Barroso. Servidos à francesa e com bebida importada, os jantares eram constantes na casa do advogado.
Roberto Caldas chegou a ser cotado para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), ainda na época de Lula. A empreitada, contudo, foi fracassada.
Segundo fontes do meio jurídico, a confiança de Roberto Caldas com autoridades do PT era tão grande que ele teria sido fundamental em processos de escolhas de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Joaquim Barbosa, com quem dividiu os corredores da Universidade de Brasília (UnB), Rosa Weber e, inclusive, a atual presidente da Suprema Corte, Carmen Lúcia, de quem teria participado, inclusive, da sabatina a portas fechadas no gabinete presidencial.
A amigos, ele chegou a criticar os recentes posicionamentos da presidente do STF contra integrantes do PT: “Ingrata”, relataram.
Causa bilionária
Com a badalação do mundo das autoridades, as portas passaram a se abrir para o escritório do advogado trabalhista. Caldas e associados venceram a causa dos bilhões de reais contra a empresa Eternit, obrigada a indenizar trabalhadores contaminados pela exposição prolongada ao amianto. Os danos morais coletivos e a assistência médica foram pagos a cerca de 10 mil trabalhadores. O fato foi comemorado pelo advogado e juristas envolvidos na ação, além de amigos próximos.
Alguns deles, inclusive, foram surpreendidos com a acusação da ex-mulher ao bajulado advogado trabalhista. Nessa segunda (14), o Metrópoles ouviu três pessoas que mantinham relacionamento pessoal e social com o advogado defensor das causas humanitárias. Todos ficaram perplexos ao saber que Caldas tinha personalidade bruta e agressiva dentro de casa.
Nome do escritório alterado
Após a divulgação do escândalo, o escritório de advocacia onde era sócio – Roberto, Mauro e Advogados –, que ocupa dois andares de um prédio estratégico no centro de Brasília, retirou o nome do acusado da página oficial na internet, apesar de ainda manter o endereço eletrônico www.robertoemauro.adv.br e do nome original nas buscas do Google.
Procurado, o agora escritório Mauro Menezes e advogados não havia se pronunciado até a atualização desta matéria. Da mesma forma, o advogado e juiz afastado da Corte Interamericana de Direitos Humanos Roberto Caldas é procurado desde sábado (12) pela reportagem, mas não retornou os contatos feitos pelo Metrópoles.
A defesa do juiz afastado também foi procurada, mas o então responsável, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, deixou o caso e não comunicou quem assumiria a defesa de Caldas.
Ex-ministra dos Direitos Humanos, a hoje deputada federal Maria do Rosário também foi contatada pela reportagem. Apesar de ser questionada em diversos aspectos, a assessoria da parlamentar resumiu a resposta a um recente texto publicado em seu perfil do Twitter.
“A ex-esposa do juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Roberto Caldas o denunciou por violência contra ela. Apresentou gravações de agressões. Como alguém que atua em Direitos Humanos, a sensação é ainda mais grave. Reafirmo minha posição: acredito nas mulheres vítimas”, reescreveu.
A assessoria dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff não atenderam e não retornaram as ligações da reportagem. Da mesma forma, a assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal também foi acionada, mas não se posicionou até a última atualização deste texto.
A reportagem procurou novamente Michella Marys, mas a ex-mulher de Roberto Caldas não foi localizada nessa segunda-feira (14). Responsável pela defesa dela, o advogado Pedro Calmon preferiu não comentar o assunto.