“A OAB não pode ter lado”, diz 1ª mulher presidente da entidade em SP
Em crítica ao presidente da OAB nacional, Patrícia Vanzolini diz que órgão “deve atuar, mas não pode ser mais lenha na fogueira”
atualizado
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São Paulo – A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) elegeu pela primeira vez, em quase 90 anos de história, uma mulher como presidente. Caberá à criminalista e professora Patricia Vanzolini, de 49 anos, defender, no período de 2022 a 2024, o Estado de Direito e os advogados, missões que considera básicas para o órgão de classe.
“Na minha gestão, um dos nossos compromissos é levar paridade de gênero e justiça racial como política transversal da ordem”, diz.
Ela também promete manter uma atuação mais diligente da OAB-SP contra projetos de lei e decisões judiciais que ataquem direitos fundamentais. “É uma questão de coragem institucional, de se expor, de desagradar alguns”, enumera.
Apesar de defender uma atuação mais “corajosa” da entidade em defesa da sociedade, Patrícia diz que vai se diferenciar da postura do presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, por entendê-la como parcial. “A OAB não pode ter lado”, afirma. Confira trechos de entrevista concedida ao Metrópoles:
Quais são as questões nacionais mais urgentes?
A OAB deve atuar, mas não pode ser mais lenha na fogueira. Precisamos ter cuidado com lutas que vamos encampar, até para que sejam lutas da democracia, da cidadania, que não tenham atuação político-partidária. Faço críticas ao Felipe Santa Cruz pelo fato de ter se vinculado a partido politico e se lançado candidato a governador. Foi uma sombra de suspeita às manifestações dele, sem entrar no mérito dessas manifestações. A OAB não pode ser mais um ator com interesse na causa, não pode ter lado. Tem que ter o lado da democracia, das instituições. Me preocupa muito a fragilização das nossas instituições, sobretudo da instituição mais democrática que nós temos que são as eleições. Quando começaram rumores de que se não tivesse voto em papel não ia ter eleições, achei isso extremamente perigoso.
Pretende dar atuação mais externa à OAB?
A OAB abandonou a advocacia para se preocupar com questões sociais. Perdeu relevância em todas as frentes de atuação e precisa recuperá-la. A defesa da classe pode parecer um objetivo menor, corporativista, mas a defesa das prerrogativas, dos direitos, do exercício profissional também é uma defesa importante da democracia. Não são coisas excludentes. Mas também precisamos atuar na defesa da democracias e das instituições. E isso já começamos a fazer com interlocução com a Assembleia Legislativa, com o Tribunal de Justiça, com o Governo do Estado. É preciso que a OAB tenha assento nessas discussões, possa opinar, pautar discussões e, inclusive, se opor a decisões de políticas públicas que ela ache atentatória a direitos fundamentais.
Como pretende dar mais relevância a essa atuação externa?
A primeira coisa é aproximar a OAB dos poderes. Na nossa visita à Assembleia já alinhamos uma sala da OAB dentro da Alesp. Existe sala da defensoria e da promotoria. E alinhamos a formação de uma frente parlamentar da advocacia. Talvez o público veja mais a atuação da OAB na hora de judicializar, mas se a gente puder cortar males pela raiz… Precisa ser uma coisa em cima do lance. Precisamos ter uma interlocução muito amiúde no Tribunal de Justiça e nos tribunais regionais federais. Na última gestão houve um silêncio eloquente. Uma manifestação do presidente da OAB em SP tem muito peso. É uma questão de coragem institucional, de se expor, de desagradar alguns.
Quais são as questões mais urgentes de defesa da cidadania e do Estado de Direito?
Violência policial é uma questão muito grave. Na nossa conversa com o presidente do TJ, ele até justificou que há necessidade de recursos para a compra de câmeras para policiais, o que reduz muito a violência. Tem também a questão do sistema penitenciário que goza de pouca simpatia de políticos: dar condições mais humanas e mais dignas no cárcere, e o respeito da lei. Temos um sistema penitenciário que é muito diferente do que está escrito na lei. As condições de trabalho para os advogados que atuam em penitenciárias são muito ruins. Mulheres reiteradamente passam por detectores de metais e precisam tirar o sutiã. Ambiente penitenciário é muito pródigo em violação de direitos de todo mundo e é uma área que politico não gosta de atuar muito. Então a OAB precisa atuar pela garantia de direitos mínimos e com a comissão de direitos humanos para impedir prisões arbitrarias e atuações do Estado que coíbam a liberdade de expressão em manifestações.
Como você vê o atual momento de crise institucional?
Vejo com preocupação a falta de credibilidade das instituições tanto por parte da sociedade como por parte delas mesmos. Choque entre instituições não é preocupante, é saudável e bem-vindo. Representa o sistema de freios e contrapesos. É natural que o STF controle o Legislativo. Acho preocupante quando você vê rumores, teses de fechamento do Supremo, de fechamento do Congresso, ou impugnação de governantes que foram regularmente eleitos por razões majoritariamente políticas. A OAB nesse momento é em si mesma uma instituição, embora não do Estado. É forte. Tem grande credibilidade. É preciso em primeiro lugar que ela retome a credibilidade que veio perdendo ao longo do tempo e que contribua para a credibilidade das instituições.
O que acha de propostas de candidatos presidenciais cuja promessa é o combate à corrupção?
Combate à corrupção não tem que ser pauta de governo. É assunto de polícia. Está no Código Penal. Não tem sentido um governante se eleger dizendo que vai combater o homicídio. Isso está no Código Penal. Governante precisa ter um programa de governo abrangente, que revele sua função a respeito da função do Estado. Esse protagonismo do combate à corrupção, essa pauta fácil, é uma grande falácia que empobrece muito o debate. É evidente que nenhum governo é a favor da corrupção, salvo os corruptos que devem ser punidos. Isso é caso de polícia e a polícia tem de agir de forma autônoma. Função do presidente é governar um país complexo que depende de capacidade e de visão de nação. É um assunto para a psicologia como essa pauta anticorrupção capta o imaginário popular como se fosse a coisa mais importante e relevante que governante tenha a fazer.
Como a OAB pode atuar contra a violência que vitima mulheres?
É comprovado que o índice de violência contra a mulher é proporcional ao índice de desigualdade de gênero. Todas essas circunstâncias de desigualdade de gênero são o caldo de cultura que fazem eclodir a violência aguda, o feminicídio, o estupro… Na medida em que a OAB possa contribuir em primeiro lugar contra a desigualdade do gênero, ela já contribui no médio prazo para a redução da violência contra a mulher. Pode fazer isso de muitas formas. Elegendo uma mulher já é ponto positivo, e promovendo políticas públicas que ampliem esse tipo de ação afirmativa. Minha chapa tem 50% de mulheres, com três na diretoria. Na minha gestão, um dos nossos compromissos é levar paridade de gênero e justiça racial como política transversal da ordem. Tivemos recentemente lista sêxtupla (para indicação de novo desembargador) em que houve só uma indicada mulher. Minha gestão precisa levar a paridade às ultimas consequências e fomentar a paridade. Ensinar escritórios a instituir políticas de paridade. Para combater a violência mais aguda, contra a mulher, advogada, etc, entendemos que precisa haver um letramento. É preciso que ministremos cursos para os nossos advogados sobre machismo e racismo estruturais para desnaturalizar essas práticas. É preciso que a defesa das prerrogativas fique atenta e cuidadosa com qualquer denúncia de violação com viés de gênero e racial. E que cobremos punições para que sejam evitadas essas práticas.