“A Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada”, critica procurador
Deltan Dallagnol afirmou também que a “classe política está à espreita de uma oportunidade para se livrar da prisão”
atualizado
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Coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol afirma que as reações de políticos acuados pelas investigações surgem de três formas: a tentativa do governo de enfraquecer instituições, como a Polícia Federal, ataques aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada, e o esvaziamento das punições, com propostas de anistia. Esta, a “mais descarada”, na avaliação do procurador.
Na quarta-feira (12/7), dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi condenado a nove anos e meio de prisão, pelo juiz federal Sérgio Moro, Dallagnol recebeu a reportagem, no “QG” da Lava Jato, em Curitiba (PR), para uma entrevista exclusiva.
Na sala de reuniões da força-tarefa, onde são negociadas as delações premiadas da Lava Jato, o investigador falou dos ataques à operação, a carga de trabalho por vir, sobre a necessidade do fim do foro privilegiado e da necessidade de apoio popular para que o escândalo Petrobras não siga o mesmo destino da Operações Mãos Limpas, na Itália.O investigador criticou também o “sufocamento da Lava Jato” na PF e afirmou que “a classe política está à espreita de uma oportunidade para se livrar da prisão”.
A Lava Jato em Curitiba acabou ou caminha para o fim?
Existe um mundo de corrupção para ser investigado. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras. O número de fases da operação diminuiu em 2017, mas isso não decorre da falta de matéria-prima ou de linhas de investigação, mas, sim, de outros fatores, como a falta de mão de obra na Polícia Federal. Além disso, muitas frentes de investigação esbarraram no foro privilegiado e hoje uma parte da energia de nossa equipe é investida em semear outras investigações país afora. Quando se faz um acordo de colaboração como o da Odebrecht, são investidos meses de trabalho que permitem revelar milhares de crimes, mas apenas uma parcela disso fica em Curitiba.
Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato em Curitiba
“Existe um mundo de corrupção para ser investigado. Puxam-se penas e não vêm apenas galinhas, mas granjas inteiras.
Há muito o que se investigar no escândalo Petrobras?
Há centenas de pessoas sob investigação e novas linhas de trabalho não param de surgir. Há áreas da Petrobras em que a apuração ainda está amadurecendo, como a de comunicação e a de serviços terceirizados. A equipe suíça está em pleno vapor e investiga mais de mil contas e menos de metade desse material foi encaminhado ao Brasil. O crescimento dos pedidos de cooperação internacional da Lava Jato de 183, em março, para 279, hoje, mostra a intensificação do intercâmbio para a produção de provas. Há todos os desmembramentos da Odebrecht que ficaram em Curitiba — só aí perto de 50 investigações. Inúmeras ações cíveis contra a corrupção estão pendentes, inclusive contra partidos políticos. Bancos poderão ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior. Há casos pendentes envolvendo diversas empreiteiras, Belo Monte, Pasadena… Enfim, ninguém aqui pode reclamar de falta de trabalho.
O fim de um grupo específico da Lava Jato na PF prejudica as apurações?
No governo atual, enquanto a força-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas seis fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivamente à investigação fosse dissolvido. A dissolução acaba com a especialização do conhecimento, o que prejudicará a eficiência e os resultados. Além disso, impede o controle social sobre o quanto a equipe está ou não estruturada e se está investindo para que as apurações avancem. Veja-se que, recentemente, em um período de 10 dias, a Lava Jato recuperou quase R$ 1 bilhão, quando a regra é que investigações no Brasil não recuperem nenhum centavo. Se queremos que corruptos respondam pelos crimes e o dinheiro volte pra sociedade, é preciso manter os esforços de investigação. A polícia se comprometeu a reestruturar o grupo de trabalho exclusivo, mas isso depende de receber mais delegados para a Lava Jato.
A Lava Jato vive a fase mais atribulada com o avanço das investigações contra políticos?
Apenas a delação da Odebrecht colocou sob suspeita quase um terço dos senadores e dos ministros e quase metade dos governadores. Vemos grande parte da classe política à espreita, aguardando apenas uma boa oportunidade para se livrar do risco de prisão. A reação vem de três formas. A primeira é o enfraquecimento das instituições. Exemplo disso é o sufocamento da Polícia Federal. Tentou-se isso também por meio de projetos de abuso de autoridade que abrem a porteira para a punição de autoridades que agem dentro da lei. A segunda é um ataque aos instrumentos de investigação, como a colaboração premiada. A terceira é a mais descarada, o esvaziamento das punições, que se tentou com o projeto da anistia. Eles não vão parar. É preciso que a sociedade continue os parando.
“No governo atual, enquanto a força-tarefa de procuradores cresceu, a Lava Jato na Polícia Federal foi sufocada. Basta ver que só uma das últimas seis fases da Lava Jato partiu da polícia. O número de delegados foi reduzido para menos de metade e isso fez com que o núcleo de trabalho que se dedicava exclusivamente à investigação fosse dissolvido.
Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato em Curitiba
A Lava Jato criou um Estado de Exceção?
Só no sentido de que a responsabilização dos corruptos é uma exceção no Brasil. Os réus da Lava Jato têm os melhores advogados, as decisões da Lava Jato são questionadas em três tribunais independentes e ainda assim há uma avalanche de decisões confirmando a regularidade das investigações. A verdade é que se queremos um país onde impere a lei, um verdadeiro Estado de Direito, os poderosos devem responder por seus atos. Contudo, injustiças históricas e arraigadas não serão rompidas sem uma gritaria dos poderosos.
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Caio Farah afirmou, recentemente, o caso mais parecido com a Lava Jato, conceitualmente, é o Brown v. Board of Education. Nele, em 1954, a Suprema Corte americana julgou inconstitucional a segregação racial em escolas públicas. A realidade da segregação conflitava com a regra constitucional de igualdade debaixo da lei.
Aqui também a corrupção sistêmica viola as noções mais elementares da constituição de nossa nação. O poder é delegado pelo povo para que governantes o exerçam em favor do interesse público, mas os corruptos usurpam o poder em benefício próprio. Por ser um uso do poder de modo absolutamente ilegítimo, o filósofo John Locke chegou a chamar a corrupção sistêmica de uma forma de tirania.Nos Estados Unidos, foi o engajamento da sociedade, para além das instituições, que conseguiu vencer, em grande medida, a injustiça social. É nossa responsabilidade, como sociedade, fazer o mesmo por aqui.
O foro privilegiado vai acabar no Brasil?
Torcemos que o projeto aprovado no Senado, que restringe o foro a poucas pessoas no país, seja examinado logo pela Câmara, mas duvido que isso aconteça por razões óbvias. Além disso, aguardamos ansiosamente que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes devolva para votação o julgamento que tende a restringir a extensão do foro privilegiado. Essa é a melhor chance.
As delações premiadas, que sustentaram a expansão da Lava Jato, vivem seu momento de ataques mais agudos. As delações não vão parar?
Existe uma longa fila de candidatos à colaboração. A realização dos acordos depende de uma série de fatores, como o potencial de expandir as investigações, a força das provas apresentadas, a verossimilhança das informações quando comparadas ao que já é sabido, o quanto é possível ou provável que se alcançasse o mesmo resultado sem o acordo nos desdobramentos naturais da apuração, a atualidade do esquema criminoso, o potencial danoso dos crimes revelados, o número e a importância dos agentes implicados na estrutura das organizações criminosas etc.
Os acordos continuam e continuarão sendo um mecanismo da investigação. Jamais como um ponto de chegada, mas como um ótimo ponta pé inicial.
O que o delator precisa fazer para obter imunidade total numa investigação?
O ideal é punir integralmente todos os criminosos por todos os crimes, mas em regra isso não é possível quando se trata de corrupção. A delação segue uma lógica negocial. Se bate à porta uma pessoa que jamais foi investigada e informa ter provas de crimes muito graves e totalmente novos, mas condiciona sua colaboração à imunidade, uma decisão precisa ser tomada. É melhor punir os demais criminosos e ressarcir a sociedade, dando imunidade ao colaborador, ou não punir ninguém? Para se entender um acordo, deve-se ter em mente qual era a alternativa que cada parte tinha à celebração do acordo. É claro que, normalmente, a realidade é mais complexa do que o exemplo que dei e o desfecho depende das alternativas disponíveis no caso concreto. A regra é que os benefícios dados ao colaborador devem ser os mínimos possíveis dentro do que a negociação permita alcançar. Como resultado, em geral, a redução da pena varia na proporção do quanto a colaboração contribui para a investigação e a sociedade, tomando em conta fatores como aqueles apontados em resposta à sua pergunta anterior.
“Infelizmente, para alguns, o combate à corrupção foi apenas um pretexto para afastar o governo anterior e, agora, buscam defender o presidente Temer e impedir que seja julgado pelo Supremo pelos gravíssimos crimes de que foi acusado.
Deltan Dallagnol, procurador da Lava Jato em Curitiba
Muitos setores que antes apoiavam a Lava Jato, desembarcaram ou mesmo mudaram de lado. O senhor sente que as investigações foram usadas para ajudar a destituir o governo Dilma?
Quando os investigados são políticos, seus oponentes passam a fazer uso político dos fatos descobertos. A recente condenação de Lula é um exemplo. Correligionários alegaram que não há provas, e opositores afirmaram que há provas abundantes. Você acha que a maior parte deles está realmente preocupada com qual é a verdade sobre os crimes julgados? Já as investigações são técnicas, imparciais e apartidárias. O único compromisso do Ministério Público e do Judiciário é com a justiça, mas não há como impedir o uso político das informações e provas.
Infelizmente, para alguns, o combate à corrupção foi apenas um pretexto para afastar o governo anterior e, agora, buscam defender o presidente Temer e impedir que seja julgado pelo Supremo pelos gravíssimos crimes de que foi acusado. A bancada do governo, nesse contexto, trocou vários integrantes da Comissão de Constituição e Justiça em seu afã para proteger o presidente Temer. Ali, o argumento se inverteu: para governistas, a acusação não tem provas; para oposicionistas, está muito bem fundamentada.
O senhor acha que a Lava Jato vai melhorar a ética pública no país ou só aumentar a tensão entre Judiciário, Executivo e Legislativo?
A resposta a essa pergunta depende de uma variável que não controlamos, que é a reação da sociedade. Se queremos reduzir os índices de corrupção, é preciso ir além da Lava Jato, que é apenas um primeiro passo. São necessárias reformas política e no sistema de justiça, para começo de conversa. Para trazer uma maior conscientização sobre essa necessidade, escrevi o livro “A Luta Contra a Corrupção”. Não foi porque estava sobrando tempo. O objetivo foi contribuir para que a população possa exercer uma cidadania mais consciente nesse momento crítico para a história brasileira. A corrupção incomoda todos nós e vivemos a grande chance brasileira de enfrentar esse problema.
Na Mãos Limpas, surgiu uma pauta política de projetos de lei contra a corrupção, mas os políticos habilmente a substituíram por uma pauta contra supostos abusos dos procuradores e juízes. Vimos isso acontecer aqui, quando foram votadas as 10 Medidas Contra a Corrupção, as quais foram desfiguradas e substituídas por um projeto supostamente contra abusos de autoridade, mas que na prática dificulta a investigação legítima de pessoas poderosas. Além disso, na Itália, se avançou para esvaziar as investigações e as punições. Ou a sociedade dobra os corruptos, ou os corruptos continuarão colocando o país de joelhos. É preciso recuperarmos nossa dignidade e isso passa por punição dos corruptos, renovação política e reformas.