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Há 60 anos, militares colocavam tropas nas ruas para pressionar a saída do então presidente, João Goulart. Durante as 72 horas seguintes, diversas movimentações, políticas e por parte das Forças Armadas, terminaram com a deposição do presidente eleito e deram início a um período sombrio na história do Brasil, marcado por violações aos direitos humanos.
O golpe militar, que eclodiu na madrugada de 31 de março de 1964, vinha se desenhando há algum tempo. Em agosto de 1961, ocorreu a renúncia do presidente Jânio Quadros — que havia assumido o cargo em janeiro do mesmo ano.
João Goulart, o Jango, então, assumiu a cadeira interinamente. Suas funções, no entanto, eram limitadas, pois o Congresso Nacional havia aprovado uma emenda constitucional que instituía o regime parlamentarista.
No início de 1963, um plebiscito determinou a volta do regime presidencialista no Brasil e devolveu a Jango os poderes de presidente da República. Ao longo do ano, os ânimos se acirram, com a falta de consenso entre governo, parlamento e militares em relação às reformas agrária, bancária, administrativa, além de outras medidas propostas por Jango.
O golpe também foi avalizado por forças externas, que defendiam acabar com a “ameaça comunista” em países da América Latina, em um contexto de Guerra Fria. O acúmulo das tensões culminaram em um golpe que destituiu o presidente e colocou militares à frente do país por 21 anos (1964-1985).
Estima-se que mais de 400 pessoas foram mortas pelo regime militar. Além disso, ao menos 50 mil foram presas, somente nos primeiros meses da ditadura, e cerca de 20 mil passaram por tortura. Os dados são da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, e que foi encerrada durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Veja a linha do tempo dos acontecimentos que culminaram no golpe militar de 1964:
Herança do golpe
A período ditatorial deixou consequências na vida social e política do país, segundo o professor de história Geovanne Soares, especialista em ditadura pela Universidade de Brasília (UnB). De acordo com o estudioso, há um “legado institucional”, que pode ser observado na forma de fazer política e em algumas corporações, como a Polícia Militar.
“A Polícia Militar tem um jeito muito único de agir. Em várias situações, sejam certas, sejam erradas, mas em algumas situações se parecendo muito com atos muitas vezes vistos somente no período da ditadura”, avalia Soares. “E não só isso, institucional mesmo, no jeito de fazer política, os partidos políticos. A gente vê o próprio governo federal sempre fazendo conchavos com alta hierarquia”, destaca.
Para ele, passados 60 anos do golpe, a situação da democracia no país ainda é de fragilidade. Essa percepção é reforçada pela invasão às sedes dos Três Poderes, ocorrida em 8 de janeiro de 2023.
“O não respeito a essas instituições, como o Supremo Tribunal Federal (STF), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou então o Conselho Nacional de Justiça, tudo isso é sempre posto em xeque”, observa o professor. “Uma parte da população não se enxerga, não sente a representatividade, como alguns políticos ou algumas pessoas que são ligadas a essas instituições”, completa.
Na avaliação de Soares, é preciso que o país faça um trabalho de resgate da memória para que o episódio não seja esquecido, e a democracia se fortaleça.
“Vários aspectos específicos dessa ditadura militar não foram devidamente abordados, e não foram também esclarecidos, como a tortura. A tortura realmente foi algo muito praticado e algo pouco falado. Então, essa memória é muito importante para poder a gente ter essa consciência para não se repetir”, ressalta.