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Médico que acorrentou caseiro “justifica”: “Brincadeira errada”

Doutor Marcim foi condenado pelo crime de racismo a 2 anos e 6 meses de prisão, além de multa de R$ 300 mil, por acorrentar seu caseiro

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Imagem colorida de médico que acorrentou caseiro e foi condenado por racismo
1 de 1 Imagem colorida de médico que acorrentou caseiro e foi condenado por racismo - Foto: Reprodução

Goiânia – O médico Márcio Antônio Souza Júnior, conhecido por Doutor Marcim, condenado pelo crime de racismo a 2 anos e 6 meses de prisão, disse à juíza Erika Barbosa Gomes Cavalcante, da Vara Criminal da comarca de Goiás, que estipulou a pena, que fez uma “brincadeira errada”. Ele foi responsável por filmar e divulgar vídeos em que um homem negro, que era seu caseiro, aparece com mãos, pés e pescoço acorrentados, simulando o período escravocrata.

O crime aconteceu no dia 15 de fevereiro de 2022, na Fazenda Jatobá, na Cidade de Goiás, antiga capital do estado. O inquérito iniciado na delegacia local foi remetido ao Grupo Especializado no Atendimento às Vítimas de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), em Goiânia.

No vídeo que gerou a investigação, o médico mostra o homem preso às correntes e diz: “Aí, ó, falei para ele estudar, mas ele não quer. Então, vai ficar na minha senzala”.

“[O funcionário disse] que não teve nenhuma vontade de gravar os vídeos e não vê a situação como uma brincadeira, pois se fosse, estariam todos iguais no vídeo, esclarecendo, por fim, que não são amigos”, destaca a sentença da Justiça, segundo o G1.

Danos morais coletivos

Conforme a decisão da juíza, o médico também terá de pagar R$ 300 mil a título de indenização, por danos morais coletivos, cujo valor será dividido entre a Associação Quilombo Alto Santana e a Associação Mulheres Coralinas.

Como consta no processo, o homem que aparece no vídeo trabalhava na fazenda do acusado, onde recebia um salário mínimo para fazer serviço pesado. No dia do fato, o acusado o achou para mostrar os apetrechos que ficavam na igrejinha da fazenda, quando colocou as correntes em seu pescoço e em suas mãos, e começou a gravar o vídeo pelo celular.

Na ocasião, ele falava que o ofendido estava em sua senzala por não estudar e logo postou o vídeo nas redes sociais. No mesmo dia, passados alguns minutos da publicação, ligaram para o acusado e pediram para que fosse retirado o vídeo. Nos autos, ele explicou que não tinha como retirar o vídeo, mas que decidiu gravar um segundo vídeo.

O caso ganhou repercussão nacional e internacional. O Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) foi acionado. Foram apreendidos uma gargalheira (objeto utilizado para aprisionar pessoas escravizadas pelo pescoço); um par de grilhões para mãos sem corrente (objeto utilizado para aprisionar pessoas escravizadas pelas mãos); e um par de grilhões para pés com corrente (objeto utilizado para aprisionar pessoas escravizadas pelos pés). Após ter sido citado, o acusado apresentou respostas durante audiência de instrução e julgamento.

Racismo recreativo

Ao analisar os autos, a juíza Erika Barbosa argumentou que ficou comprovada, haja vista a intenção do acusado de ultrajar a dignidade do ofendido e a coletividade mediante a postagem de vídeo com conteúdo racista, em atitude inteiramente preconceituosa e discriminatória, relativa à raça e à cor, ofendendo-lhe a honra por meio de postagens nas redes sociais, “o que, sem dúvida alguma, caracteriza o tipo penal previsto no art. 20, §2º, da Lei n.º 7.716/1989”.

A magistrada explicou que o acusado assumiu o risco ao produzir o vídeo e o resultado lesivo foi enorme para a comunidade negra, que se sentiu extremamente ofendida, já que há um vídeo de representação da senzala e a condição do negro.

“O vídeo é explícito ao retratar o racismo, já que o caso reforça o estereótipo da sociedade, com o grau de racismo estrutural. Não faz diferença se o caso se trata de uma brincadeira, já que no crime de racismo recreativo, por ser crime de mera conduta, é analisado o dano causado à coletividade, e não o elemento subjetivo do autor”, pontuou.

Danos morais coletivos

Para a magistrada, o racismo recreativo é racismo, e, no caso, teve ali uma honra coletiva que foi ferida e que o fato de o acusado se retratar publicamente só reafirma o que ocorreu.

“Ainda que, no caso em tela, pelo conjunto probatório exposto, verifico não haver dúvidas de que o acusado, de forma livre e consciente, praticou discriminação e preconceito de raça e cor, por meio de publicação de vídeo em sua rede social do Instagram. É inquestionável que o vídeo publicado pelo acusado em suas redes sociais do Instagram gerou profunda indignação na sociedade, principalmente em relação às pessoas negras, as quais enviaram, de forma imediata, diversas notas de repúdio juntadas aos autos”, frisou.

Ainda conforme a juíza, não há dúvida de que a manifestação preconceituosa e discriminatória do acusado feriu a dignidade da comunidade negra, nacional e internacional, sendo que o caso ganhou grande repercussão, conforme se infere no Relatório de Ordem de Missão Policial, em que demonstra que a repercussão negativa foi constatada em jornais de grande circulação.

“No presente caso, é notório que toda a população negra foi ofendida, de modo que a indenização não se restringe à esfera individual, mas a toda coletividade, o que gera o dever de indenizar em danos morais coletivos”, finalizou.

Defesa irá recorrer

A defesa do médico afirma que ele é inocente e que recorrerá da condenação. “Reitera ser inocente e que não teve qualquer intenção de ofender, menosprezar, discriminar qualquer pessoa ou promover esse tipo de atitude, inaceitável em nossa sociedade. Recorrerá contra essa injusta condenação ao Tribunal de Justiça”, alegou em nota.

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