100 dias: promessas cumpridas têm pé no passado e freio do Congresso
Governo Lula cumpriu promessa de aumento real do salário mínimo e relançou programas de gestões passadas, como o Minha Casa, Minha Vida
atualizado
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Afetado pela demora em consolidar uma base de apoio no Congresso e atrapalhado na largada pelos ataques golpistas de 8 de janeiro, o terceiro governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva chega aos 100 dias patinando para tirar do papel as promessas de campanha. Os avanços até agora foram parciais e muitos, como o Bolsa Família, são reedições de políticas de gestões anteriores e ainda precisam do aval do Parlamento para se confirmarem.
Os primeiros esforços do governo estão sendo para cumprir promessas que impactam na população de menor renda e o compromisso mais significativo até agora foi um reajuste real, ou seja, acima da inflação, para o salário mínimo.
Enfrentando pressões para evitar um descontrole fiscal, a equipe de Lula encontrou espaço nas contas públicas – muito graças à PEC da Transição, que furou o teto de gastos -, para elevar o mínimo pago para trabalhadores e aposentados de R$ 1.302 para R$ 1.320, mas que só deve valer a partir de maio. O aumento acima da inflação foi de 2,8%, o que corresponde ao maior reajuste real desde 2012 e o primeiro em cinco anos, pois, ao logo do governo de Jair Bolsonaro (PL), o valor só foi reajustado pela inflação.
Apesar desse reajuste real, trata-se de uma promessa parcialmente cumprida, pois Lula garantiu, ao longo da campanha, que pretendia conceder ganhos reais aos trabalhadores nos quatro anos de seu governo. Para cumprir esse compromisso, o petista terá de conseguir equilibrar as contas públicas e fazer o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescer.
Os servidores públicos federais também estão perto de ser atendidos em uma promessa de campanha. Após cinco anos com os vencimentos congelados, o governo encaminhou ao Congresso a proposta de reajuste salarial. O texto prevê um reajuste linear de 9% a partir de 1º de maio, além de aumento de R$ 200 no auxílio-alimentação.
Mais promessas das áreas econômica e social
Por Medida Provisória (MP), o governo Lula cumpriu a promessa de manter em R$ 600 por família o valor do Auxílio Brasil, valor que vinha sendo pago no governo Bolsonaro de forma temporária, adicionou ainda mais R$ 150 por filho pequeno e rebatizou o programa como Bolsa Família, nome que tinha nos outros quatro governos petistas. Para que a medida vire lei e seja garantida, porém, falta o Executivo desarmar as resistências no Congresso e votar essa e outras MPs.
É o mesmo caso de outro programa recriado e que também era uma promessa de campanha: o Minha Casa, Minha Vida. Também colocada em vigor via MP que ainda precisa ser votada, a nova política habitacional do governo federal visa atender prioritariamente famílias com renda bruta mensal de até R$ 2.640 (antes os subsídios eram principalmente para famílias com renda menor, de até R$ 1 mil). Com o teto ampliando, a expectativa é oferecer subsídio de 85% a 95% a essas famílias de baixa renda para a compra dos imóveis.
Outro programa de outros governos, reeditado em 2023, é o Mais Médicos, que foi anunciado em março com o objetivo de suprir a carência de profissionais de saúde em municípios do interior e periferias das grandes cidades. Dessa vez, porém, foi evitada a polêmica com a contratação de médicos cubanos e o foco é em empregar profissionais brasileiros, apesar de estrangeiros não estarem vetados.
Um dos compromissos voltados para a classe média, a revisão nas cobranças do Imposto de Renda é uma promessa parcialmente cumprida até agora. Na campanha, Lula se comprometeu a isentar do IR os trabalhadores com salários de até R$ 5 mil. O que foi confirmado até agora, porém, foi a isenção para quem recebe até R$ 2.640, com a promessa de chegar ao número citado na campanha ao longo do mandado.
Uma difícil construção de base
Complicada desde a transição entre os governos, uma vez que a atual legislatura tem maioria de políticos mais naturalmente ligados à centro-direita, a construção da base de apoio ao governo Lula no Congresso foi atrapalhada ainda pela disputa entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, em torno do rito de tramitações das MPs.
Para políticos experientes e analistas, porém, é improvável que os parlamentares estejam dispostos a inviabilizar o governo Lula já de saída. O mais provável é que os líderes políticos estejam, como se diz entre os parlamentares, criando dificuldades para colher benefícios.
Nos corredores do Congresso o que mais se escuta são reclamações sobre uma suposta demora do governo em abrir a torneira da liberação de emendas parlamentares. E entre os aliados de Lula a explicação para isso e para a espera na ocupação de cargos de segundo escalão é que é preciso esperar que as votações comecem.
“O governo deverá conseguir construir uma maioria em projetos importantes, mas não uma base consolidada. Vai precisar fazer esse varejo projeto a projeto”, afirma Mario Braga, analista de riscos políticos da consultoria Control Risks.
Para o especialista, porém, o destravamento da agenda vai exigir mudanças de comportamento do governo. “O que observamos até o momento é que o ministro Alexandre Padilha [Relações Institucionais] ganhou autonomia para fazer as negociações políticas e está trabalhando, mas pode não ser suficiente, porque os políticos são vaidosos e valorizam gestos como encontros com o presidente da República, mas Lula, até agora, não se engaja nisso. Acho que vai precisar”, aposta Braga.
O que não desenrolou
Enquanto programas que deram resultado no passado são a base das primeiras ações do governo Lula 3, as promessas novas ainda patinam para sair do papel. O maior exemplo é o projeto batizado na campanha como Desenrola, que será voltado a ajudar brasileiros endividados a renegociar dívidas e voltar para a economia formal.
Um dos fatores que atrapalha o governo Lula a tirar o Desenrola da caixa de promessas não cumpridas, porém, é a alta taxa de juros em vigor no país e que é razão de uma das grandes crises institucionais da gestão Lula, entre o Executivo e o Banco Central independente, que herdou o presidente nomeado por Bolsonaro e tornado adversário pelo petista: Roberto Campos Neto.
Âncora fiscal e reforma tributária
Uma promessa repetida à exaustão pelo candidato Lula foi o fim do teto aos gastos públicos imposto pelo governo de Michel Temer (MDB), que limitou o financiamento a áreas como saúde e educação nos últimos anos. Após sentar na cadeira, porém, Lula sofreu para ajustar a promessa com a realidade dos cofres públicos e com a necessidade de conciliar questões fiscais com ambições sociais e de investimento. Com isso, a formulação do novo arcabouço fiscal foi o principal desafio da equipe econômica liderada por Fernando Haddad nesses primeiros 100 dias. E esse é apenas o primeiro passo, pois o texto ainda precisará tramitar por um Congresso até agora hostil à agenda de Lula.
Quando essa etapa for vencida, o governo Lula tentará cumprir uma promessa que seus antecessores também fizeram, mas na qual falharam: fazer uma reforma tributária que simplifique a política de arrecadação de impostos no país. A necessidade de uma reforma dessas é reconhecida por governo e oposição e pelos diversos setores sociais, incluindo os agentes do mercado financeiro.
Quando se fala de qual modelo de reforma adotar, porém, o consenso é substituído por disputas por interesses e pelo medo dos agentes do setor produtivo de “levar a pior”. Os empresários do agro e os prefeitos são os mais assustados no momento – mesmo que muito pouco se saiba sobre que reforma o governo vai tentar fazer.
Política externa em construção
As relações exteriores do governo Bolsonaro foram alvo de pesadas críticas do campo político petista e uma promessa feita na campanha foi recuperar o que Lula chamou de “política externa ativa e altiva”, que coloque o país na condição de protagonista global.
Sob o comando de Mauro Vieira, o Itamaraty tem mudado posições adotadas pelo governo anterior em organismos multilaterais, mas a vitrine dessa área são as relações de Lula com outros chefes de Estado e uma pneumonia atrapalhou um dos principais esforços nestes primeiros 100 dias, que era a viagem para a China, que acabou adiada.
Lula viajaria em março, acompanhado de seus principais ministros, de dezenas de parlamentares e centenas de empresários, com o objetivo de fechar ao menos 20 acordos com o maior parceiro comercial do Brasil e criar condições para ampliar ainda mais esse comércio.
Sem os resultados da viagem para a China, porém, o governo precisa se contentar em mostrar, na marca dos 100 dias, a viagem para os Estados Unidos, em fevereiro, que rendeu as tradicionais fotos com o presidente Joe Biden, mas poucos anúncios concretos.
Recriação de ministérios e socorro aos Yanomami
Ao longo da campanha, Lula prometeu recriar ministérios que haviam sido extintos nos governos Temer e Bolsonaro, como o da Pesca, o da Cultura e o da Segurança Pública. A promessa foi cumprida em parte, porque o ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino, não desmembrou a Segurança Pública – pelo menos até o momento. As recriações, porém, também precisam ser aprovadas pelo Congresso e fazem parte da longa lista de MPs esperando votação.
Lula também cumpriu a promessa de criar o Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara. E a pasta já nasceu com grande visibilidade, pois participou da primeira grande ação governamental, que foi o socorro emergencial ao povo indígena Yanomami, vítima de uma tragédia humanitária causada pela invasão de garimpeiros, que foi acelerada ao longo da gestão bolsonarista.
Desde janeiro, diversas áreas do governo federal atuam no socorro médico e humanitários aos Yanomami e na expulsão dos garimpeiros, numa ação que concentrou os esforços do governo em suas primeiras semanas.
Reajuste em bolsas de estudo
Na área da educação, a maioria das promessas é de médio e longo prazo, como universalizar a banda larga nas escolas, mas ao menos uma promessa importante já foi cumprida pelo governo Lula: congeladas por 10 anos, desde 2013, as bolsas de estudo de graduação, pós-graduação, de iniciação científica e Bolsa Permanência foram reajustadas com aumentos entre 25% e 200%, contemplando uma das principais pautas das entidades estudantis.