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O fim da União Soviética, pátria-mãe do socialismo (Hubert Alquéres)

A Rússia bolchevique, com sua “ditadura do proletariado” e o planejamento estatal da economia, desapareceu

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Paris Filmes/Divulgação
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1 de 1 a morte de stalin paris filmes1 - Foto: Paris Filmes/Divulgação

Há exatos 30 anos a bandeira vermelha, com a foice e o martelo cruzados e uma estrela amarela na sua parte superior, tremulou no Kremlin pela última vez. No dia seguinte foi substituída pelas listas azul, branca e vermelha, a mesma da velha Rússia czarista.

A troca de bandeiras simbolizou uma mudança profunda. Com a renúncia do último dos sete chefes soviéticos, Mikhail Gorbatchev, no 25 de dezembro de 1991, e a posse na manhã seguinte de Boris Yeltsin, chegou ao fim a primeira experiência socialista do mundo.

O modelo soviético erodiu de forma caótica e desordenada.

Na verdade, já estava profundamente abalado desde agosto de 1991, quando fracassou a tentativa de golpe militar liderado pelo linha dura Gennady Yanayev. Naqueles dias, Lenin, o pai-fundador da primeira experiência comunista do mundo, caiu literalmente do pedestal, com a derrubada de suas estátuas em todo o país.

O golpe de Moscou foi uma reação da burocracia encastelada no aparelho do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) contrária à tentativa de Gorbatchev de salvar a pátria-mãe do socialismo por meio de uma abertura política – glasnost – e uma reestruturação da economia – perestroika.

As reformas gorbatchevistas não colocavam em xeque os dois pilares do modelo soviético: o monopólio do poder nas mãos do PCUS e a economia sob controle do Estado. Mas introduziam elementos importantes na direção de uma economia de mercado e de um arejamento político.

Do ponto de vista econômico eram mais tímidas do que as reformas introduzidas por Deng Xiaoping na China. Porém contrariavam interesses de uma casta encrustada no aparato do estado e do partido, que se beneficiava da paralisia econômica.

A nomenclatura já havia se posicionado contra o arejamento de Nikita Kruschev que, no início dos anos 60, havia promovido reformas relativamente liberais. Elas eram mais limitadas do que as implementadas por Gorbatchev. No entanto, as condições eram mais favoráveis e a crise econômica não havia assumido ares catastróficos.

Ali, por causa da reação dos conservadores, a União Soviética perdeu uma oportunidade histórica e entrou na era da estagnação de Leonid Brejnev. Se tivesse dado continuidade às reformas, haveria a possibilidade da URSS desaguar em um modelo similar ao da China dos tempos atuais, baseado na combinação de um setor estatal da economia com o capital privado. Os colegas de partido de Kruschev também o retiraram do poder em 1964 por achar que a eliminação do culto da personalidade e do sistema político criado por Josef Stalin tinha ido longe demais.

Portanto é na economia que estão as principais explicações para o colapso da União Soviética e não nas violações de direitos humanos, tortura e perseguição aos opositores, até porque estas ainda se fazem presentes na Rússia dos dias de hoje. E a distorção do seu modelo econômico vinha de mais longe.

No final dos anos 20, Stalin colocou um fim na Nova Política Econômica – NEP – dos tempos de Lenin, que havia adotado medidas típicas de uma economia de mercado, admitindo a existência de um setor privado, principalmente no campo e no comércio. A nova política encerrou o período do “comunismo de guerra” dos primeiros anos, responsável pelo desabastecimento das cidades, e direcionou os recursos da agricultura e da indústria para o exército vermelho fazer frente à guerra civil contra os “brancos”, que desejavam restaurar a monarquia czarista.

A NEP passou a ser vista pelo ditador soviético como um “desvio de direita” que estava levando à restauração do capitalismo. O novo modelo adotado passa a ser o da economia planificada por meio dos planos quinquenais, com vistas à industrialização acelerada. A acumulação primitiva para esse processo se dá às custas da expropriação dos camponeses. E de muito sangue derramado.

Por esse caminho Stalin transformou um país agrário e historicamente atrasado em uma potência econômica e militar, vitoriosa na Segunda Guerra Mundial. O crescimento econômico pós Segunda-Guerra levou Kruschev ao delírio de afirmar que nos anos 70 o padrão de vida na União Soviética superaria o do Estados Unidos.

Mas o país não completou o ciclo da industrialização ao não desenvolver um parque produtivo de bens de consumo, sobretudo de bens duráveis. A nação que conseguiu mandar o primeiro homem para o espaço era incapaz de produzir um sapato de qualidade.

A escassez de produtos industriais, agravada por distorções na política de preços de produtos agrícolas e também na remuneração das empresas, levaria à profunda crise de abastecimento da fase terminal da União Soviética, com prateleiras das lojas vazias e filas intermináveis para adquirir itens básicos.

A União Soviética tinha perdido a batalha da inovação, embora na constituição de 1977, Brejnev tenha consignado que o país tinha ingressado na era do “socialismo desenvolvido”.

Nada mais emblemático da esclerose do seu modelo do que a gerontocracia instalada no poder. Antes de Gorbatchev, Brejnev, a partir da segunda metade dos anos 70, e seus dois primeiros sucessores – Andropov e Chernenko – administravam o país hospitalizados, em função de seu péssimo estado de saúde.

Outra distorção pesou profundamente para o colapso da pátria mãe do socialismo real. A existência de uma complexa e cara indústria militar voltada para a corrida nuclear com os Estados Unidos. O obsoletismo tecnológico em áreas de ponta e na era em que o mundo capitalista marchava para a sua Terceira Revolução Industrial, decorreu porque a URSS, ao desempenhar o papel de polícia do mundo socialista, intervindo militarmente no Afeganistão e subsidiando o Pacto de Varsóvia, despendeu recursos que poderiam levar à modernização de sua economia.

Gorbatchev percebeu as distorções. Mas já era tarde demais. Suas reformas agravaram o desabastecimento. Ao mesmo tempo em que era respeitado mundialmente por sua contribuição para o fim da guerra-fria, era rejeitado internamente, pagando o ônus de uma crise que não se iniciou em seu governo.

A Rússia bolchevique, com sua “ditadura do proletariado” e o planejamento estatal da economia, desapareceu naquele dia de Natal e iniciou sua tardia reconversão ao capitalismo.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e diretor do Colégio Bandeirantes.

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