Uma oportunidade para Lula (por Marcos Magalhães)
Uma possibilidade ao governo brasileiro de esclarecer se apoia a democracia na América do Sul
atualizado
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Os obscuros resultados das eleições presidenciais na Venezuela abrem uma possibilidade ao governo brasileiro de esclarecer se apoia a democracia na América do Sul ou se aceita o autoritarismo de nações consideradas amigas.
A alegada vitória de Nicolás Maduro, por 51% dos votos, contra 44% do oposicionista Edmundo González, foi bem acolhida por governos aliados ao do atual presidente, como os de Cuba e da Nicarágua. Ambos mais próximos do que se poderia chamar um modelo de esquerda autoritária.
Também enviaram seus cumprimentos a Maduro os governos da China e da Rússia, igualmente aliados do regime bolivariano da Venezuela, no poder há 25 anos.
O apoio de Pequim e Moscou ao presidente que busca novo mandato de seis anos foi bem recebido por uma parcela mais tradicional da esquerda brasileira, que vê nas duas capitais as lideranças necessárias para o estabelecimento de uma ordem multipolar.
Ou seja, para essa parcela da esquerda, seria mais importante garantir no poder em Caracas um aliado contra os Estados Unidos, ainda que ao preço de eleições muito pouco transparentes.
Não é à toa que esses setores da esquerda se apressaram em criticar o presidente do Chile, Gabriel Boric, e o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica. Ambos, também de esquerda, colocaram em dúvida os resultados das eleições na Venezuela.
“É difícil de acreditar nos resultados”, disse Boric, logo após a divulgação dos números oficiais. Mujica foi além. “Na Venezuela não há respeito à oposição, e isso não se pode chamar de democracia”, observou.
Ainda que mais discreto, o governo da vizinha Colômbia, também de esquerda, pediu a realização de uma “auditoria independente” dos resultados “o mais rápido possível”.
E o governo brasileiro? Na manhã de segunda-feira, o Ministério das Relações Exteriores divulgou nota em que “saúda o caráter pacífico” das eleições e que aguarda a publicação de resultados detalhados pelo Conselho Nacional Eleitoral, “passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito”.
Por sua vez, o assessor de assuntos internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embaixador Celso Amorim, procurou manter equilíbrio. Disse que não “endossaria narrativa de fraude”, mas também achou “difícil o reconhecimento” da vitória sem a verificação das atas de votação.
Lula preferiu manter o silêncio. Deve manifestar-se apenas depois de uma conversa com Amorim, assim que o assessor retornar ao Brasil.
O presidente sido cobrado por isso por setores mais à esquerda dentro do PT, que gostariam de vê-lo declarando apoio imediato a Maduro. Se os resultados desagregados das eleições não forem divulgados, comprovando a vitória do atual presidente, ele precisará se manifestar em algum momento.
Dois caminhos se abrem então. No primeiro deles, Lula reconhece a vitória de Maduro e se une ao coro de líderes de países como Nicarágua e Cuba, cujas práticas autoritárias já renderam muitas críticas ao presidente brasileiro antes das eleições de 2022.
Ele também estará acompanhado dos líderes de China e Rússia, parceiros do Brasil no Brics e principais contrapontos aos Estados Unidos na atual ordem global.
Por outro lado, se Lula não reconhece os resultados, acompanhará não apenas a posição dos Estados Unidos, de questionamento das eleições, mas igualmente de líderes de uma nova esquerda sul-americana, como Boric, do Chile, e Gustavo Petro, da Colômbia.
Essa escolha poderia colocar o presidente na contramão de uma parte de seu partido. Mas também poderia ser vista como uma boa oportunidade de esclarecer como, de fato, ele vê a questão democrática na região.
Lula sempre agiu como aliado do regime chavista. Elogiou, inclusive, a grande quantidade de eleições promovidas pelo país vizinho. Há um ano, ao ser questionado sobre seu apoio a Maduro, disse que “o conceito de democracia é relativo”.
Manter essa posição, agora, terá seu custo. Isso porque, apesar das dificuldades impostas à campanha da oposição, existem indícios de que os resultados nas urnas tenham sido bem diferentes dos divulgados pelo Conselho Eleitoral.
Está nas mãos das autoridades da Venezuela o poder de dar transparência aos números, como solicitaram representantes de vários países. Se não agirem dessa maneira, caberá a cada governo decidir se reconhecerá, ou não, a vitória de Nicolás Maduro.
Este pode ser um risco. Mas também uma oportunidade, para Lula, de reiterar seu apoio à democracia e de calar os críticos que insistem em comparar seu governo aos regimes de Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.