O ódio contra o patrimônio e a cultura (por Ricardo Guedes)
A cultura é percebida como uma adversária e um temor, símbolo da criatividade e inteligência das sociedades constituídas
atualizado
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A depredação do patrimônio público e de obras de arte na tentativa de Golpe de Estado em 8 de janeiro pelos assim autodenominados patriotas chocou a todos.
Na tentativa de Golpe, de natureza política, observou-se o alto grau de planejamento, logística, e suporte financeiro. A ideia, como “Plano A”, teria sido a assinatura de ato de exceção revogando as eleições e intervindo no TSE por parte do então Presidente da República, com suas ramificações políticas e militares. Entretanto, tudo indica que o Exército não coadunou com os objetivos de Bolsonaro. Após a posse de Lula, entra então em ação o “Plano B”, da ocupação dos prédios da Praça dos Três Poderes pelos patriotas, com a conivência de forças de segurança, na esperança da participação massiva dos militares, o que não ocorreu. O plano parece que se estenderia ao controle das refinarias e danificação das redes de transmissão de energia elétrica no país. Pesquisas realizadas pela Sensus para o Exército Brasileiro, entretanto, mostram que o Exército Brasileiro é legalista em sua maioria, como amostra que representam da população brasileira.
Bolsonaro foi eleito em 2018 com 33% do total do eleitorado em 1º turno, 39% em 2º turno. Nas eleições de 2022, Bolsonaro recebeu os mesmos 33% do total do eleitorado em 1º turno, 37% em 2º turno, menos do que em 2018. O núcleo radical de Bolsonaro que se predispõe a ações antidemocráticas é de somente 2%, segundo as pesquisas realizadas pela Sensus.
Bolsonaro teve por base de apoio as classes médias iliteratas, base social do fascismo, como indicado por Hannah Arendt. Trata-se de grupo que antes não tinha voz na sociedade, despertados que foram em seu furor. O vandalismo sempre acompanhou as hordas fascistas. A cultura é percebida como uma adversária e um temor, símbolo da criatividade e inteligência das sociedades constituídas. Há ódio contra a cultura. É atribuído a Hanns Johst na Alemanha nazista o dito “quando penso em cultura, levo logo minha mão à arma”. E é atribuído a Falangista, durante a Guerra Civil Espanhola, o dito “abaixo a inteligência, viva a morte”. Por isso tudo quebram.
Os assim chamados patriotas podem ter comportamentos estranhos, como cantar o Hino Nacional para um pneu, acenar com celulares aos céus pedindo a intervenção de Ets, mesmo hidroxicloroquina para o Covid. Não têm compromisso com a ciência ou a verdade, o único objetivo é o poder pelo poder, única saída vislumbrada por este grupo antissocial. Toda a verdade é reinterpretada pela mentira. Como dizia Goebbels, “uma mentira dita mil vezes torna-se verdade”.
Mas como diz Roberto Damatta, o Brasil é feito do b pequeno de nossos indicadores sociais, e do B grande de nossos valores e cultura. Além da tentativa de Golpe, expugnável por si só, o ataque ao patrimônio e à cultura foi uma pá de cal no movimento-atentado natimorto.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago, CEO da Sensus, e Medalha do Pacificador do Exército Brasileiro